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Série especial Mulheres do Agro 2023

O crescente papel feminino em uma área tradicionalmente masculina

por Rosimeri Ronquetti

em 08/03/2023 às 6h00

6 min de leitura

O crescente papel feminino em uma área tradicionalmente masculina

Se no passado elas eram coadjuvantes, ao lado dos pais, irmãos e maridos na lida diária no campo, na atualidade, histórias singulares de mulheres em todas as áreas do agronegócio mostram o potencial do avanço feminino no setor. Caprichosas, dedicadas e sem perder de vista os cuidados com a família, elas estão cada vez mais presentes nas decisões e no comando dessa que sempre foi uma área majoritariamente masculina.

Segundo dados coletados no terceiro trimestre de 2022 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Espírito Santo são 30.625 empreendedoras atuando no agronegócio.  Um aumento de quase 33% em comparação ao mesmo período de 2021, quando a pesquisa indicou 23.035 empreendedoras nesse ramo.

Aos 23 anos Andressa Silva de Ataide, de Jaguaré, é um exemplo dessa nova realidade. Contrariando as expectativas do pai, para quem roça não é para mulheres, ela resolveu estudar agronomia e passou a frequentar a propriedade todos os dias. “Eu trabalhava no comércio e fui observando a rotina do meu pai. Dentro de mim vinha esse desejo de continuar o que a família já fazia, mas ele achava que eu não daria conta”, explica a futura agrônoma.

Poucos dias após a estreia na lavoura, o pai de Andressa morreu e há dois anos ela assumiu o comando do terreno da família com o apoio dos tios, da mãe e da irmã. “Nosso terreno é o que a nossa família tem hoje para trabalhar, é nosso, algo que vejo potencial futuro. Conversamos nós três e resolvemos tocar. Não tinha jeito, ou a gente tocava ou teria que vender tudo. O agro só tem a crescer. Jaguaré é agro, tem investimento, mão de obra”.

Ao mesmo tempo que cuida dos 4,5 alqueires do sítio Repouso, no Córrego Caximbal, onde estão plantados 31.300 pés de café e mil de pimenta, Andressa segue fazendo a graduação. Tudo “tranquilo”, segundo ela, apesar da rotina acordar cedo e passar boa parte do dia na lavoura.

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Cafeicultura também é coisa de mulher

Cafeicultoras brasileiras enfrentam desafios e superam expectativas na produção de café de qualidade

Em 2017, pela primeira vez o Censo Agropecuário trouxe dados sobre gênero na cafeicultura. Realizado pelo IBGE, o levantamento mostrou que, dos 304,5 mil estabelecimentos agrícolas brasileiros com produção de café, cerca de 40 mil são dirigidos por mulheres, o que equivale a 13,2% do total.

Andressa Buss (34), moradora do córrego Boa Esperança, distrito de Colatina, no Noroeste do Estado, faz parte dessa estatística. Acostumada desde criança com a lida na roça, ela conduz sozinha todo trabalho na lavoura, começando pela desbrota, passando pela poda, limpeza do cafezal e colheita.

Separada há cerca de seis anos, no começo eram apenas 3.000 pés de conilon e agora já são 15 mil. Ela conta que só contrata mão de obra para ajudar a colher o café, carregar o grão da roça e encher o secador.

Acostumada desde criança com a lida na roça, Andressa Buss conduz sozinha todo trabalho na lavoura.

Em 2022, a cafeicultora apostou na mão de obra feminina para colheita e diz não se arrepender. “Elas trabalham com mais cuidado, cuidam do pé de café, não entram quebrando tudo, pois tem um jeito mais delicado para trabalhar”, explica a produtora.

Outra coisa da qual não se arrepende é ter assumido sozinha as responsabilidades, apesar de as pessoas a criticarem. “Quando olho para trás tenho muito orgulho de tudo que já consegui sozinha. Agora é só ir construindo devagar. Os investimentos maiores já fiz. Sinto orgulho da minha força. Tem hora que nem eu acredito ter tanta força. Tem pessoas que me criticam, dizem que sou doida, mas me sinto bem e tenho orgulho de tudo o que faço. Graças a Deus, muito orgulho”.

Assim como Andressa, Letícia Dalmazo Melotti, (36), de São Domingos do Norte, também toca sozinha a lavoura de café. Diferentemente de Andressa, porque Letícia, apesar de sempre ter morado no interior, nunca havia trabalhado no campo. Outra diferença é que enquanto a colatinense produz 100% commodity, a dominguense resolveu apostar também no café de qualidade. Atualmente, cerca de 15% da produção dos 3.300 pés de conilon é de café especial.

Professora e funcionária pública municipal na área ambiental, em 2015 Letícia decidiu cuidar da propriedade da família, herança do avô. Sem nenhum conhecimento sobre produção de cafés especiais, recebeu orientações do programa de Assistência Técnica e Gerencial do Senar-ES (Ateg) sobre o manejo e, em 2018, visitou a Semana Internacional do Café (SIC)

“Lá eu tive um contato maior com o universo do café especial, inclusive do conilon especial, e já voltei decidida a fazer um lote pequeno para ver se dava certo. Em 2019, já fui para SIC levando uma amostra que, provada por um barista, foi bem avaliada. Há quase quatro anos produzo café especial e estou em processo do registro da marca”, conta Letícia.

No ano passado, técnicos do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) levaram uma amostra do café do Sítio Beija Flor para apreciação de degustadores na SIC. Em um estande só com amostras de conilon produzidos por mulheres, o café da capixaba chamou a atenção por sua maciez, doçura e equilíbrio. Compradores argentinos gostaram tanto que levaram uma amostra torrada do café para negociações futuras.

Letícia Dalmazo de São Domingos do Norte, apostou a produção de cafés especiais e já colhe bons frutos

Desestimulada por pessoas inclusive da família, que diziam que Letícia não daria conta, e com poucos recursos para investir, começar não foi nada fácil. Hoje, ela se orgulha dos resultados que, aliás, superaram suas expectativas.

“Depois que efetivei minha vivência e apliquei técnicas sustentáveis e a buscar qualidade, me consolidei e me tornei diferencial na região. Inclusive recebendo a visitas de curiosos. Então, sim, me sinto orgulhosa. A ideia era saber lidar com a cafeicultura, e chegar a produzir café com bebida de qualidade superou minhas expectativas”, revela a cafeicultora.

A pesquisa do IBGE aponta ainda que, além das dirigentes, há também aquelas na condição de cônjuge em codireção, sendo 32.400 mulheres em estabelecimentos com café arábica e 15.700 mulheres em estabelecimentos com café canephora.

CONTINUA…

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