As mulheres e o preconceito no mercado agrícola e na agroindústria
por Rosimeri Ronquetti
em 16/03/2023 às 7h00
4 min de leitura
Elas lideram agroindústrias, tocam sozinhas propriedades e lideram equipes, mas ainda não conseguiram se livrar do preconceito e do machismo. E nem mesmo a superintendente do Senar-ES, Letícia Toniato Simões, escapou. “Infelizmente, já sofri sim preconceito, mas sempre procurei me posicionar e buscar o meu, na verdade o ‘nosso’, espaço. Sei que muitas mulheres se espelham em nossas atitudes e ações. E toda e qualquer mulher pode estar onde ela quiser”, esclarece Letícia.
Andressa Ataíde, produtora de café e pimenta-do-reino que você conheceu na primeira parte desta reportagem, conta que nunca foi desrespeitada ou assediada por colaboradores e pessoas que eventualmente contrata para trabalhar, apesar deste ser um medo que tinha quando assumiu a propriedade em Jaguaré. No entanto, nas casas de produtos agrícolas ou compra e venda de café e pimenta, a situação é outra. Já aconteceu de estar na fila para ser atendida e, na vez dela, o vendedor chamar um homem que estava atrás dela.
“Primeiro, me deixam esperando, acham que sou mulher e não vou comprar nada importante, só algo para uma plantinha do quintal. Eu esperando na fila e o vendedor chama a pessoa atrás de mim, um homem. Também escuto piadinhas porque sou mulher, nova, bonita. Muitas vezes não dá tempo de chegar em casa e já tem mensagem no meu Instagram. É chato, nunca senti isso na propriedade, mas nesses locais é demais”, revela a produtora.
Magda Pavesi (51), engenheira agrônoma há 33 anos, lembra que, na graduação, apesar da maioria absoluta masculina na turma, nunca sofreu preconceito. Porém, depois de formada, algumas áreas eram mais complicadas para atuar, principalmente no campo. Por conta disto, muitas engenheiras agrônomas acabavam indo para pesquisa.
“Produtores rurais com a cultura mais machista e a mulher chegar em um carro, sozinha, para fazer atendimento não era muito comum justamente pelo preconceito. A maioria ia para pesquisa, poucas atuavam diretamente no campo. Achavam que não davam conta do intelectual, de repassar as informações corretas dentro da técnica, ‘mulher não sabe de nada’, algo nesse sentido”.
Sócia do marido em um viveiro de mudas, Magda cuidava da parte administrativa e chegou a perder negócios com homens que se recusaram a “negociar com mulher”.
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“As pessoas se reportavam ao meu marido para fazer as compras nas nossas empresas, enquanto ele dizia que era tudo comigo porque ele não tinha as informações. E algumas vezes perdemos os clientes, que viravam para meu marido e diziam: ‘eu não negocio com mulher’. Ele, por sua vez, dizia à pessoa que infelizmente teria que procurar outro lugar”, relembra Magda.
Letícia Dalmazo, de São Domingos do Norte, diz se sentir subestimada pelos homens produtores de café da região. Porém, ela acredita que parte da culpa por esse comportamento masculino é da mulher. “No dia a dia não percebo esse preconceito, mas quando se trata de café conilon de qualidade, sim. Na maioria das vezes, o produtor homem não visa qualidade e, sim, quantidade e muitas vezes me subestimam. Não acredito ser preconceito. Preconceito, somos nós que criamos quando dissemos à sociedade: ‘produto feito por mulher’, ‘a mulher deve estar onde ela quer estar’, ‘o mundo não é só dos homens’. São essas frases que geram preconceito”, enfatiza Leticia.
Assim como a agricultora, a cervejeira Eliza Dalvi procura não focar na discriminação e no preconceito. “Sempre que falam do mercado cervejeiro abordam essa questão. Acho que justamente para quebrar isso o ideal é mostrar o que estamos, de fato, fazendo. Procuro fazer um bom trabalho e me profissionalizar para entregar um bom produto. Acho que é isso, para você se destacar, independente de sexo ou de qualquer coisa”, defende a sommelier.
Magda faz parte da comissão do Programa Mulher ES, do Crea nacional, que tem o objetivo de trabalhar a questão da igualdade nas engenharias e na agronomia, inclusive nas escolas. “Queremos estar de igual para a igual em todos os sentidos e estamos trabalhando para isso. Além das palestras, estamos tentando inserir no programa conversas com as turmas mais novas, de ensino fundamental e médio, para mostrar que a mulher pode fazer, que ela é bem-vinda. O programa é também para mostrar aos homens que queremos espaços assim como eles”.
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