Mudanças climáticas afetarão a produção de café arábica no Espírito Santo até 2050
por Fernanda Zandonadi
em 18/07/2022 às 9h11
12 min de leitura
O sítio Paulo Antônio não poderia ficar em um local de nome mais apropriado: Paraíso, em Espera Feliz, Minas Gerais. A propriedade de menos de um alqueire está a mil metros de altitude e tem a beleza do Caparaó aos seus pés. “As terras vieram do meu bisavô e hoje são do meu pai. Eu e meu irmão tomamos conta”, explica Ivan Souza, após enviar fotos de grãos caprichosamente maduros com as montanhas ao fundo.
Frio, lá tem muito. Por ora, são os invernos gelados e as geadas que preocupam os produtores. Para dar uma ideia, em julho do ano passado, as temperaturas ficaram abaixo do normal em mais de 2°C em Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Norte do Paraná, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Mas, se há frio intenso registrado em alguns anos, o ar gélido não é regra quando o recorte é de décadas e faz-se a chamada média climatológica. No Brasil, a temperatura aumentou nas áreas cafeeiras em 0,8°C e 1,5°C, segundo análise dos últimos 30 anos, especialmente entre os meses de junho e julho.
“Isso significa que a condição vai persistir e a temperatura pode aumentar ainda mais. Cada vez mais teremos eventos extremos, com ondas de calor e temperaturas elevadas. Observamos também que os meses de primavera têm sido mais quentes na região Central-Sudeste e junho e julho estão acima da média. Com o aquecimento – e a curva não mostra que vai baixar – vamos chegar sim a temperaturas mais elevadas nas áreas de café”, explica o chefe do Serviço do Centro de Análise e Previsão do Tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Francisco de Assis Diniz.
Um estudo da revista científica Plos One, da Public Library of Science, investigou as condições de cultivo de três culturas: café, caju e abacate. As conclusões não são otimistas e vão de encontro às palavras de Diniz: o clima das áreas de cultivo mudará nos próximos 30 anos nos principais países produtores. Isso inclui, claro, o Espírito Santo e o Brasil.
A análise levou em conta as projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que estima aumento de temperatura entre 1,2 a 3°C até 2050. “Tais mudanças vão afetar diretamente a adequação climática das regiões de cultivo para as culturas e, portanto, podem causar deslocamentos nas regiões de produção ou exigir medidas de adaptação no manejo agrícola, como variedades mais tolerantes ao calor ou à seca”, diz o estudo, que estima uma redução das áreas mais adequadas para o cultivo em até 50%.
E a falta de chuvas, outro problema relacionado às mudanças climáticas, também mostra as caras nas análises das últimas três décadas. “No Espírito Santo, a diminuição foi de 10 milímetros para setembro e em outubro secou ainda mais. Temos em torno de 50 mm de queda em toda área de café no país, com exceção do Norte do Paraná. Mas em Minas Gerais, Sul da Bahia, e Espírito Santo, a chuva está atrasando”, avalia Francisco de Assis Diniz.
As mudanças apontadas pela publicação e por meteorologistas, no entanto, mostram que os locais mais altos (e mais frios), podem lucrar com a mudança. “Espera-se que apenas algumas regiões, especialmente nas fronteiras norte e sul das áreas de cultivo, lucrem com as mudanças climáticas (por exemplo, sul do Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, EUA, África Oriental, África do Sul, China, Índia, Nova Zelândia) devido ao aumento das temperaturas mínimas do mês mais frio”, cita a pesquisa da Plos One.
Veja os mapas apontando as áreas propícias à produção do arábica hoje e em 2050:
Preocupação de décadas
A busca por respostas a respeito do clima e do café não é nova. Segundo um estudo de 2001, chamado Zoneamento Agroclimático do Cafeeiro para o Estado de Minas Gerais, publicado pela Revista Brasileira de Meteorologia, temperaturas médias anuais para a produção do arábica oscilam entre 18°C e 22°C. A ocorrência frequente de temperaturas máximas superiores a 34ºC causa o abortamento de flores e, consequentemente, perda de produtividade. Além disso, temperaturas entre 28°C e 33°C provocam uma redução na produção de folhas e, consequentemente, na atividade fotossintética do cafeeiro.
Outro estudo, batizado de Clima e Cafeicultura no Brasil, é menos preocupante do que o da Plos One, mas foi produzido em 1985, época em que a discussão sobre as mudanças climáticas engatinhava. Nele, a indicação que que o café arábica, em um cenário climático pessimista (sem mitigação dos gases de efeito estufa), poderia perder, em 2070, cerca de 33% de sua área. “Os principais Estados produtores se tornariam de alto risco climático e, no futuro, a cultura poderia migrar para regiões atualmente mais frias, tal como o Sul do país”.
O clima do Espírito Santo será outro
O climatologista Carlos Nobre está na linha de frente dos estudos sobre a devastação da Amazônia e seus impactos no clima global. Segundo ele, para manter o limite de aumento de temperaturas em 1,5°C (valor definido como limite pelos climatologistas no chamado Acordo de Paris), a tarefa é grandiosa, mas não impossível. Será necessário reduzir em 50% as emissões de carbono até 2030 e zerar as emissões até 2050.
”E se todos nós – e nem imagino aceitar essa trajetória – continuarmos a emitir muitos gases de efeito estufa, ou reduzirmos muito pouco, o Espírito Santo vai mudar totalmente. O clima será outro, e muito diferente do clima de décadas, séculos, milênios”.
Nobre salienta a necessidade de buscar a agricultura sustentável como forma de mitigar os efeitos das mudanças climáticas no Espírito Santo e no mundo. “Uma política de restauração florestal tornando a agricultura do Estado muito mais produtiva e liberando áreas para a restauração florestal fará com que o Estado colabore para combater as mudanças climáticas. A COP26, em Glasglow, já começou a definir as regras muito sérias e positivas para a criação de um mercado de carbono global, que vai avançar muito na COP27, no Egito. Restauração florestal já paga, hoje, US $10 por tonelada de carbono retirada da atmosfera. Com a regulamentação, esse número pode aumentar muito. A restauração florestal não apenas melhorará o clima do Espírito Santo, mas protegerá a biodiversidade, reduzirá os impactos dos eventos extremos e a temperatura, diminuirá inundações em cidades e áreas agrícolas e trará grandes benefícios para a agricultura do Espírito Santo. É preciso resiliência, adaptação, redução das emissões, uso de energias renováveis, que o Espírito Santo tem um grande potencial”, explica Carlos Nobre.
O semiárido avança
Frear as emissões de carbono a fim de limitar as mudanças climáticas “é o maior desafio que a humanidade já enfrentou”, segundo Carlos Nobre. De acordo com ele, se o Acordo de Paris não for levado a sério, o Norte do Espírito Santo se tornará semiárido. E mais, o semiárido vai se expandir para o Sul e chegará a uma boa parte do Estado, o que vai impactar não apenas na cadeia cafeeira, mas em toda a produção agrícola.
E o processo começou. São 32 municípios capixabas na chamada área da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). A classificação é usada mais para definição de políticas de desenvolvimento do que para refletir processos climáticos. São municípios ao Norte do Rio Doce que, historicamente, têm alto índice de déficit hídrico anual e ainda não se enquadram na categoria semiárido.
No entanto, por conta da seca severa que se abateu sobre o Estado entre 2014 e 2017, foi elaborada uma análise sobre a alteração do clima capixaba. Se, até então, o Espírito Santo estava na borda do semiárido, em 2021, em função da atualização das normais climatológicas, seis municípios entraram na região do semiárido: Baixo Guandu, Ecoporanga, Itaguaçu, Itarana, Mantenópolis e Montanha.
Mais Conexão Safra
“E em 2022 será lançada a normal climatológica 1991/2020 e esses dados podem ser revisados para identificar se outros municípios farão parte do novo semiárido”, explica o coordenador de Meteorologia do Incaper, Hugo Ramos.
Entre os critérios para definir a condição de cada local, estão a chuva anual acumulada abaixo de 800 milímetros e índice de aridez, que é a relação de água perdida por evaporação e a água ganha pela chuva. “Adquirindo uma das características passa a ser do semiárido e recebe um tratamento especial, com políticas para mitigar o processo de desertificação”.
Chuva de granizo, geada, calor intenso. Afinal, o clima está louco?
Com uma propriedade em Córrego de Ubá, interior de Castelo, o agricultor Arthur Fábio Lachini perdeu quase toda a produção no dia 31 de março de 2021. “Foram 15 minutos de vendaval intenso e chuva de granizo. Algumas ‘pedras’ eram maiores do que uma laranja. Acabaram com as lavouras de café, abacate, banana, laranja e eucalipto. Destruíram estufas, tulhas e tapagens de casas. As perdas foram incalculáveis. Além da infraestrutura, as lavouras vão demorar para se recuperarem. A perda da safra do café foi quase 80% para o ano”.
A solução encontrada pelo cafeicultor foi buscar auxílio. “Como estávamos entrando no inverno, a orientação do Incaper foi pulverizar as lavouras até passar a estação fria, para ver como elas iriam se comportar, se iríamos realizar poda, replantio ou desbrota. Como não é comum acontecer isso, nós ficamos perdidos, sem saber o que fazer. As lavouras se recuperaram mas, como esperado, a safra produziu pouco”.
Eventos extremos estão se tornando cada vez mais frequentes. Na webinar “Condições climáticas atuais: adversidades que podem ter reflexo na produção cafeeira”, o presidente da Confederação Nacional do Café (CNC), Silas Brasileiro, destacou o que observou nas plantações este ano. “Há um desequilíbrio porque hoje (junho de 2022) há lavouras abrindo florada num mês totalmente fora de época. o que deveria acontecer em agosto, está acontecendo agora. Com as chuvas previstas para junho poderemos estimular a florada, mas o frio pode fazer a florada abortar. Há uma preocupação grande”, ressaltou Brasileiro, reiterando que as informações sobre o clima são essenciais para que os produtores façam seus planejamentos.
Frio, calor, seca, chuva: qualquer mudança preocupa
Frio, calor, sol ou chuva. Qualquer mudança climática é uma constante para o cafeicultor. Em maio deste ano, o professor e climatologista, Luiz Carlos Molion fez uma palestra virtual a convite do Conselho Nacional do Café (CNC). O tema foi o cenário climático atual nas regiões do Sul de Minas, Mogiana Paulista, Cerrado Mineiro, Espírito Santo e Bahia.
Para a safra de 2022/2023, Molion disse que não vê muitos problemas causados pela falta de chuvas. Mas alertou para geadas intensas que podem acontecer nas localidades. A mais severa, prevista para o final de julho. E alertou para o risco para as lavouras em terrenos baixos.
“Em caso de geada mais crítica, não existe método ou alternativa que possa salvar a lavoura. A maneira mais sensata é o produtor pegar o resultado de geadas anteriores e evitar o plantio nessas áreas da propriedade em que são bolsões de geadas. Olhar a face da terra onde planta o café”, pontuou.
O professor acredita que 2022 terá chuvas dentro da média, com acumulado de 1.500 mm na região. “A preocupação maior é de outubro a dezembro, com uma redução de 25% a 30%”, destacou.
Para os próximos 15 anos, no entanto, ele observa uma menor frequência de El Niños fortes, com chuvas mais localizadas e tempestades isoladas. Para concluir, o professor citou Francis Bacon: “Não podemos comandar a natureza, apenas obedecê-la”. (Com informações da CNC)
A resposta pode estar na genética e adaptação
“Se a temperatura passar do limite, pode comprometer o desenvolvimento da planta. Mas as soluções podem contribuir ou minimizar os efeitos da seca, favorecendo melhor desenvolvimento do sistema radicular, por meio do melhoramento do solo. Assim, a planta terá maior capacidade de absorção de água e nutrientes, fornecidos por fertirrigação. Há também a biotecnologia, com soluções constituídas à base de aminoácidos e extratos vegetais, que promovem uma redução do estresse fisiológico da planta. Isso gera melhor desenvolvimento do vegetal, faz com que ele consiga desenvolver seus diferentes estados fenológicos, seja fase vegetativa, reprodutiva ou na maturação da planta. Isso gera uma condição mais favorável para o vegetal expressar suas características genéticas”.
As palavras de Marcos Revoredo, phD em Ciência do Solo pela Unesp de Jaboticabal, mostram que a ciência já se movimenta de olho nas mudanças climáticas, em especial, em torno do estresse hídrico que pode afetar algumas regiões produtoras de café.
Segundo ele, o estresse hídrico tornou-se uma grande preocupação nos últimos anos, seja devido às mudanças climáticas ou, para algumas regiões, pela falta de uniformidade de chuvas. Por isso, as empresas e a pesquisa buscam inovações para conseguir superar essas adversidades.
“O melhoramento genético, trabalhado em diversas culturas, inclusive o café, busca ter melhor desenvolvimento do sistema radicular das plantas e fazê-la suportar melhor o estresse hídrico. Assim como existem pesquisas em manejo nutricional, para que as plantas tenham a capacidade de, antes do estresse hídrico ocorrer, fecharem o ciclo e ter um bom desenvolvimento”, explica.
“Quando falamos de seca, a pergunta que fazemos agora é: ‘qual o nível de estresse a planta suporta?’. Em alguns períodos que promovemos o condicionamento da planta, ela teve capacidade de superar o período de seca”, avalia.
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