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Cafeicultura

Como as mudanças climáticas já afetam a safra de café de 2021

por Daily Coffee News

em 13/11/2020 às 13h35

9 min de leitura

Como as mudanças climáticas já afetam a safra de café de 2021


Hoje

Todos os anos, em meados de setembro, com cerca de 90% da safra de café brasileira concluída, traders, torrefadores e especuladores de todo o mundo começam a pensar nas projeções para a próxima safra.

O Brasil é o maior produtor mundial de café há mais de um século, sendo assim as previsões e levantamentos de nossas lavouras impactam diretamente a cadeia de café global.

Há muitas décadas já se sabe que padrões climáticos sazonais podem levar a grandes oscilações no mercado internacional. No entanto, há fortes evidências que sugerem que alguns desses padrões não estão sendo mais sazonais, mas parte de um padrão maior de mudança climática, que nitidamente está ameaçando a safra de 2021 e talvez até 2022, 2023 e assim por diante.

As altas temperaturas, o ar seco e o ritmo de chuvas instável já têm deixado efeitos permanentes para a safra 2021, mas vamos primeiro esclarecer alguns pontos.

Estatísticas e safra 2020

O Brasil atualmente não tem mais um órgão central específico para o café como o FNC na Colômbia, mas isso não significa que os dados coletados com outras instituições nacionais não sejam confiáveis e precisos.

Uma das principais fontes de informações estatísticas para o setor cafeeiro do Brasil é a CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento). Seus dados são públicos, se conhece a metodologia e a equipe faz atualizações nos números conforme a nova safra se aproxima, por isso usaremos seus dados estatísticos como base.

Por exemplo, em janeiro de 2020, a CONAB estimou que a produção de café do país seria de 57,1 a 62,0 milhões de sacas. Os primeiros levantamentos, em setembro de 2020, indicaram uma safra de 61,6 milhões de sacas de café colhidas. Uma previsão notavelmente boa considerando que o total de terras cultivadas de café no Brasil são de 2,16 milhões de hectares, o que é quase equivalente ao tamanho total de El Salvador.

Muitos players nacionais e internacionais também costumam divulgar muito antecipadamente a previsão da safra de café brasileira, mas com metodologias ou métodos estatísticos às vezes pouco claros. Isso não significa que há más intenções nos números ou mesmo que os dados sejam de baixa qualidade, mas de forma geral devemos ficar atentos e ter um olhar crítico para todas as informações e dados sem referência ou metodologia clara.

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De acordo com o último levantamento e relatório técnico da CONAB, o Brasil colheu 47,4 milhões de sacas de arábica este ano, o que representa 76,9% do volume total colhido. Acredita-se que esta seja a segunda maior safra de todos os tempos, pois boas condições durante a granação e colheita, além de biênio positivo alavancaram os números. A estiagem também melhorou a qualidade média do café em quase todas as regiões brasileiras, além de ter favorecido o transporte desses grãos para os portos e armazéns de todo país.

Atualmente, há constantes relatos de traders sobre armazéns cheios de sacos de café aguardando processamento ou exportação. Além disso, segundo os últimos dados divulgados pelo CECAFE (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), o Brasil exportou 3,8 milhões de sacas desde setembro, um recorde para o mês. Esse número provavelmente teria sido ainda maior se não fosse pela falta de contêineres e navios, reflexo de um fluxo logístico mundial afetado pelo COVID-19.

Resumindo, o Brasil produziu muito café nesse ano.

Fisiologia, Metabolismo e Clima

Até o momento, levantamentos numéricos para a safra 2021 devem ser considerados como muito aproximados e com grande margem de erro. No entanto, para arábicas, alguns pontos já podem ser comentados de forma qualitativa através de observações de campo, dados de estações meteorológicas e aspectos fisiológicos bem conhecidos da espécie.

Um fator fisiológico bem conhecido para o arábica é a natureza bienal da produção. Esse efeito está relacionado a distribuição e drenagem de nutrientes e carboidratos na planta. Um ano, a planta produz mais frutos e, em consequência, menos folhas e ramos crescem. No ano seguinte, esse padrão de crescimento é invertido à medida que menos frutos se formam e mais folhas e ramos se desenvolvem.

No Brasil, devido aos rendimentos geralmente elevados por hectare, esse fenômeno é intensificado, o que significa que essa diferença anual de produtividade é ampliada de uma safra para outra. Por exemplo, em 2018 foram colhidas 45,5 milhões de sacas de arábica e 2019 seguiu com uma redução de 27,8%, para 34,3 milhões.

Se aplicarmos essa redução no biênio 2020 e 2021, o resultado seria 47,4 milhões de sacas de arábica em 2020, seguidos por cerca de 34 milhões de sacas em 2021. Lembrando que esse número não leva em consideração fatores relacionados ao envelhecimento das plantas, novos plantios e plantações renovadas, mas dados da CONAB indicam que nos últimos anos houve pouca ampliação na área de cultivo ou crescimento substancial de lavouras em formação.

Vamos pensar nessa margem de redução e colocar na conta fatores climáticos que influenciarão a colheita de 2021, principalmente altas temperaturas e falta de chuvas.

Clima e a colheita futura

Para entender melhor os efeitos do clima nas futuras safras, uma breve lição de fisiologia do Coffea arabica é necessária. Nas condições climáticas encontradas na maioria das regiões produtoras brasileiras, a diferenciação das flores que serão responsáveis pela safra do ano seguinte ocorre entre fevereiro e junho. Sendo assim, as gemas reprodutivas já estão presentes nas guias laterais do cafeeiro muito antes da abertura das flores.
Quando a estação começa a mudar, fatores como comprimento do dia, temperatura e redução do ritmo de chuvas fazem com que esses botões fiquem “dormentes ” até geralmente as primeiras chuvas de setembro, quando a floração começa a ocorrer.

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Foto:
Guy Carvalho

Pelos dados meteorológicos do SISMET Cooxupé, esse ano tivemos bons volumes de chuva em quase todo período de diferenciação, mas de abril a setembro o volume de precipitação ficou bem abaixo das médias históricas já registradas.

O início da estação chuvosa associado a outros fatores normalmente é caracterizado pela quebra da dormência, o que estimula o desenvolvimento das gemas reprodutivas e a floração. Em algumas localidades, esse ano, chuvas irregulares estimularam muitas floradas esparsas, o que já prejudicaria a qualidade da safra 2021. No entanto, as altas temperaturas acima do normal causaram um considerável índice de abortamento dos botões florais, fato observado até mesmo em algumas lavouras irrigadas. Esse distúrbio ocorre quando, durante a florada, o cafeeiro enfrenta temperaturas acima de 33°C, prejudicando o encontro do pólen com o óvulo da flor, reduzindo assim o número de sementes que seriam formadas em 2021.

Mesmo que essa fertilização de algum modo tenha ocorrido, para que haja um pleno pegamento dos frutos é necessário um volume de 40 milímetros de chuva após a florada, fato que ainda não aconteceu.

Atualmente, relatórios e dados fornecidos por grandes cidades produtoras de café, como Patrocínio (MG), Franca (SP) e Guaxupé (MG), mostram déficits hídricos tão severos que quase toda a safra esperada para 2021 já está prejudicada, reduzindo o potencial de colheita drasticamente, muitas vezes há quase zero.

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Diante dessas condições, produtores que tiveram suas lavouras afetadas e no próximo ano colheriam pequenos e médios volumes estão decidindo podar seus cafezais. Apesar dessa poda ser considerada tardia, estimular a brotação de novos ramos, aceitando as perdas em 2021 e já planejando 2022, é a única saída para alguns.
De acordo com os mesmos dados do SISMET, muitos municípios estão sem chuvas acima de 2 mm há mais de 170 dias.

Efeitos colaterais

Devido à falta de chuvas, outros aspectos estão deteriorando a safra de café de 2021. O clima seco e as altas temperaturas aumentaram o risco de queimadas das lavouras. O número de folhas secas no solo está maior do que o normal e a baixa umidade do ar favorece a velocidade dos incêndios, muitas vezes saindo do controle. Há casos de produtores que perderam mais de 20% de suas plantações de café pelo fogo, além de outras culturas agrícolas e matas nativas que preservavam em suas propriedades.

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Foto:
Jonas Ferraresso

Outro efeito colateral é o atraso no cronograma de fertilização do café. No Brasil, os produtores normalmente seguem cronogramas de fertilização bem planejados e estruturados, que ocorrem entre setembro e março. Esse ano, devido à falta de chuvas, a aplicação de fertilizantes está atrasada e o calcário e o gesso ainda estão no solo aguardando água. Esses atrasos prejudicam o desenvolvimento esperado das plantas e podem afetar as duas próximas safras.

A volatilidade do mercado de café já é bem conhecida pelos cafeicultores, mas o país também enfrenta uma grande desvalorização do Real, fato que pode dificultar seriamente a compra de muitos insumos, como fertilizantes, combustíveis e agroquímicos, que são precificados em dólar. Normalmente, um aumento nos insumos associado com a baixa produtividade no ciclo bienal seguinte pode levar à diminuição dos investimentos dos agricultores no campo, podendo afetar o parque cafeeiro por vários anos.

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Somando-se a essas questões, ainda está o fato de que o preço global do café permanece em níveis historicamente baixos, desestimulando ainda mais os cafeicultores a investir em suas lavouras.

É muito evidente que o desequilíbrio climático associado a aspectos do mercado atual pode afetar negativamente a produção em todo o setor não só para 2021, mas sim para as próximas safras.

O que pode ser feito?

Infelizmente, muitos dos dados preliminares sugerem baixo potencial produtivo para arábicas em 2021. Os volumes a serem colhidos ainda precisam ser estudados e levantados com maior precisão pela CONAB, mas parece que as mudanças climáticas enfrentadas esse ano já levaram as lavouras a danos irrecuperáveis mesmo que haja normalização das chuvas nos próximos dias.

O setor cafeeiro deve estar atento aos alertas e aspectos que indicam mudanças nos ciclos climáticos. A última década foi caracterizada por eventos climáticos sucessivos nas lavouras cafeeiras em todo país, chuvas inconsistentes, ondas de calor, granizo, geadas inesperadas, secas prolongadas, mudanças no comportamento das plantas e pragas, surtos de doenças fora da época etc.

Muitos desses comportamentos climáticos vêm sendo observados e estudados por diversos pesquisadores no país e no mundo. Os dados indicam que é necessária uma ação mais urgente para proteger não apenas a safra brasileira de café de 2021, mas as safras futuras de café em todo o mundo.

Jonas Leme Ferraresso –
Eng. Agrônomo consultor em café

Originalmente publicado no portal internacional Daily Coffee News. Disponível em
How climate change may already be affecting brazils 2021 crop

Fonte:
Guy Carvalho


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