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Pecuária

Pesquisa e criatividade ajudam a driblar a crise dos insumos

Iniciativas com base na nutrição, bem-estar animal e genética ajudam pecuaristas a passarem pelo período de incertezas no mercado

por Fernanda Zandonadi e Leandro Fidelis

em 23/09/2021 às 11h25

8 min de leitura

Pesquisa e criatividade ajudam a driblar a crise dos insumos

*Foto: Cláudio Costa/Divulgação (*As imagens têm direito autoral)

Com certeza você viu algum pecuarista reclamar do aumento dos custos da produção de leite este ano. Cotado em dólar, o preço dos principais alimentos da dieta dos rebanhos – as commodities milho e soja -, disparou. Matemática difícil, pois o reajuste do leite não acompanha a alta dos insumos na entressafra. E a seca agrava ainda mais o problema.

No período entre julho de 2020 e julho deste ano, o leite foi reajustado em mais de 40%. Já o concentrado (fonte de energia e proteína que pode ser milho, soja, sorgo, entre outros grãos) subiu 68%. Mas será que a crise afeta todo mundo na pecuária capixaba? A “Conexão Safra” ouviu especialistas e conferiu iniciativas que buscam driblar o período de incertezas com base no tripé: nutrição, bem-estar animal e genética.

“A alta nos custos, além de pressionar as margens de lucro do produtor, prejudica a produção de leite e encarece os preços de produtos lácteos. Eu sempre sou otimista, mas o cenário no curto prazo não é dos melhores”, analisa o empresário Marcos Corteletti, do Grupo Fiore.

Assim, Corteletti considera a interferência de diversos fatores externos, tais como as importações chinesas de milho e o recuo dos estoques globais de milho e soja, além de internos, como problemas climáticos e desvalorização do real frente à moeda norte-americana, que causam elevação dos custos com alimentação devido ao aumento do preço dos combustíveis, fertilizantes e defensivos. “São fatores que não controlamos. Mas ficar reclamando não ajuda em nada. Temos que buscar soluções dentro e fora da propriedade”, destaca.

Insumos caros

De acordo com o técnico da Associação de Criadores e Produtores de Gado de Leite do Espírito Santo (ACPGLES), Joedson Scherrer, o valor atual da tonelada da silagem de milho inviabiliza a atividade. “No início deste ano, uma boa silagem saía a R$ 200 a tonelada. Agora, já se fala em R$ 400, até R$ 450. Essa lição tem que ficar para os próximos anos”, pontua o especialista.

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Scherrer acrescenta que quem armazenou silagem em quantidade está superando a crise e até lucrando. Capim e feno, por exemplo, são alimentos com 18% ou mais de fibras. Por serem fornecidos em quantidade aos animais, são considerados volumosos. “Custos verificados em algumas fazendas, que garantiram volumoso de maneira consciente, indicam lucratividade de 23% a 26%, dependendo da qualidade do leite. Já quem não se preparou, está com o pires na mão”.

Garantias

Assim, para a zootecnista Renata Erler, sem a garantia do fornecimento de volumoso na nutrição animal, o prejuízo é inevitável. “É uma falha que, às vezes, o produtor não entende. Quando ele falha no fornecimento de volumoso, que é a comida mais barata, e tenta substituir isso no cocho, não tem nada que feche a conta. A pecuária não aceita mais esse erro básico. Quando se substitui volumoso por concentrado, e não se pensa em ganho de peso e confinamento, já é entendido que muito dinheiro será perdido. E, muitas vezes, a atividade acaba carregando esse fardo de baixa rentabilidade, mas que é proveniente da falta de programação”.

O coordenador de produção animal do Instituto Capixaba de Assistência Técnica, Pesquisa e Extensão Rural (Incaper), Bernardo Lima, compartilha do mesmo ponto de vista. Portanto, para ele, o pecuarista que se programa no período chuvoso na produção de alimento para o gado não passa “aperto” no inverno. “O bom planejamento deve ser feito como rotina anual. Na crise de preço dos insumos, o pecuarista tem pouco tempo pra tomar decisão. É necessário planejamento prévio para diminuir o impacto da crise”, afirma.

Renata Erler: “A atividade acaba carregando o fardo de baixa rentabilidade, mas que é proveniente da falta de programação”. (*Foto: Divulgação)

 

Alimentos alternativos

Como vimos, garantir volumoso no período chuvoso do ano para manter o gado nutrido no inverno é uma prática assertiva entre os bovinocultores para evitar adquirir os insumos com os atuais valores inflacionados. O uso de subprodutos surge como medida paliativa para quem não se organizou. No entanto, a alimentação alternativa requer acompanhamento técnico, uma vez que o milho é uma matéria-prima insubstituível na dieta dos rebanhos.

É indiscutível o papel do milho como principal fornecedor de energia a bovinos em fase de terminação, no caso do gado de corte, e também na produção de leite devido à alta concentração de amido na estrutura do grão, atestam os zootecnistas. Porém, subprodutos como sorgo, DDG, caroço de algodão, cevada e casquinha de soja passaram a fazer parte da nutrição animal em meio à grave crise da pecuária.

Inclusive, já tem subproduto em falta no mercado, caso da polpa cítrica. “Esses alimentos alternativos conseguem balancear uma boa dieta, dão uma segurada nos custos do produtor e geram pequena rentabilidade. Mas o caroço de algodão está com preço alto e a polpa cítrica praticamente desapareceu do mercado”, afirma Joedson Sherrer, da ACPGLES.

Insumos e nutrição

Na avaliação da zootecnista Renata Erler, o sorgo tem menos energia que o milho e apresenta NDT (Nutrientes Digestivos Totais) mais baixo. “A diferença é de 5% menos do que o milho entregaria”, afirma.

De acordo com ela, outra forma de corrigir a nutrição animal neste período, principalmente com vacas de leite, é utilizar a polpa cítrica, importante fonte de fibra e de altíssima digestibilidade. “Faz a vaca aumentar consumo, mas tem um limite de uso, porque o balanço de mineral da polpa é invertido. Cálcio e fósforo são invertidos, por isso é preciso suplementar bem esses animais com mineral para não atrapalhar a absorção dos minerais, que não pode ser invertida na dieta”.

No caso de caroço de algodão, considerada excelente fonte de fibra e energia, a concentração de óleo é alta. Segundo Renata, o limite por animal é de 2,5 kg do alimento. No entanto, quando a dieta inclui a torta de algodão, que é um subproduto desse caroço, depois de extraído o óleo se obtém o alimento com mais proteína.

Pecuária de corte

Na pecuária de corte, a dieta dos ruminantes não é mais tão dependente da soja, analisa a zootecnista. Já se trabalha bem com subprodutos e com ureia protegida. “O milho é mais difícil de substituir. Não tem nenhuma matéria-prima hoje que entrega a quantidade de energia desse grão. No entanto, existem várias ferramentas que possibilitam fechar uma dieta com subprodutos e ter o mesmo resultado ou até melhor”, diz Renata.

O Incaper sempre orienta o produtor a ter uma base de alimentação alternativa para o rebanho e reduzir gastos com a compra de insumos externos. “Se o leite der preço, o produtor utiliza o suplemento comprado. Assim, se a conta não fechar, ele não entra em risco. Esses períodos de crise servem como reflexão para corrigir erros futuros e reduzir a dependência de insumos externos”, diz o coordenador de produção animal do Instituto, Bernardo Lima.

 

Foto: Pixabay

Agregação de valor

Para Corteletti, uma das saídas diante da alta do milho e da soja é a agregação de valor ao produto. No caso do leite, isso corresponde à forma como ele é produzido, se tem rastreabilidade e bem-estar animal em jogo, busca pela qualidade máxima em termos microbiológicos e nutricionais e, principalmente, ter escala dentro do tamanho da propriedade. “Não existe receita milagrosa e única que vai servir a todos os produtores, cada um deve fazer seu dever de casa da melhor maneira possível”, garante o empresário.

Adotar práticas de bem-estar animal tem sido um movimento constante nas propriedades pecuárias. Mais que apenas ganho comercial ou atender às exigências do consumidor atual, se tornou uma questão de responsabilidade ética. Ao seguir condutas que permitam ao gado viver em sua zona de conforto, o produtor de leite ou de carne vai agregar valor à produção e oferecer melhor qualidade de vida ao rebanho.

Uma empresa nacional com sede em quatro Estados preconiza que o processo visando ao bem-estar animal deve começar com a análise das potências e das fraquezas da própria fazenda. Assim, ao unir planejamento e gestão empresarial aos financiamentos das estruturas o pecuarista acaba por gerar um impacto positivo no seu negócio. A longo prazo, o que parece despesa, torna-se investimento, uma vez que as melhorias podem elevar consideravelmente a produtividade e a qualidade dos resultados, como veremos a seguir.

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