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Dalva Ringuier, ambientalista

“Os produtores rurais são os grandes parceiros para sairmos do caos”, A grande questão atualmente é que as pessoas acham que, se chover, será resolvido todo o problema...

por Redação Conexão Safra

em 14/04/2015 às 0h00

6 min de leitura

Dalva Ringuier, ambientalista

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Revista SAFRA ES &ndash, Você foi uma das pessoas que sempre defendeu a questão ambiental no Espírito Santo, da preservação das nascentes e do uso consciente da água, entre outras questões. Estamos, realmente, em meio ao caos? Qual é a sua percepção sobre este cenário de escassez de chuvas, problemas de abastecimento e quebras de safras?

Dalva Ringuier – Nos últimos 127 anos, de acordo com os registros do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), entidade que realiza medições de chuvas e do clima, nunca houve uma seca tão grande em todo este período. Apenas na década de 40 algo semelhante aconteceu, mas não houve todos esses danos porque existia muita mata, e a mata segura a umidade na terra.

A grande questão atualmente é que as pessoas acham que, se chover, será resolvido todo o problema. Isso não é verdade, porque a quantidade de florestas que existe hoje não é suficiente para manter essa umidade e os lençóis freáticos, que dão origem às nascentes.

Diante disso, o importante, então, é recuperar e preservar as nascentes?

De fato, muito tem se falado sobre a recuperação e a preservação das nascentes. Elas têm naturalmente que ser preservadas em função da lei 4.771 do Código Florestal e das novas medidas legais que foram tomadas, mas existe um fator agravante: o mais importante é manter as nascentes vivas e recuperar as áreas de recargas das propriedades rurais que ficam no topo dos morros, nas encostas.
São áreas fundamentais.

Não há dinheiro do mundo, nem governo nenhum, que conseguirá resolver esses problemas se os agricultores não entrarem nessa luta, nessa campanha. Os produtores rurais são a peça fundamental para reverter esse caos que a nossa espécie causou no planeta.

Explicar o motivo da falta de água em um país como o Brasil, repleto de bacias hidrográficas é ilógico. Não é um assunto simples, pelo contrário, bastante complexo. Mas, pelo seu ponto de vista, como chegamos a isso?

O planeta é vivo e nós estamos causando o caos no planeta. As ações dos homens só fazem tirar da terra. É como se em 98% dos casos só a explorássemos. Chega a um ponto em que a terra não suporta mais, porque o desequilíbrio é muito grande, maior do que podemos imaginar.

Ao ponto, por exemplo, de o desmatamento na Amazônia estar influenciando na quantidade de chuvas de toda a região Sudeste, porque mudaram as correntes de vento que traziam as nuvens de chuvas para cá. Essas correntes de vento estão levando as nuvens para a Argentina e para o sul do país. Temos que nos mobilizar e mudar as nossas atitudes, não pensando somente na nossa realidade aqui no Espírito Santo, mas no Brasil e do mundo.





Você acha possível solucionar os efeitos desta prolongada estiagem com as chuvas de março?

Se chover todo o mês de março, para repor a água no lençol freático, vamos passar um período de seca razoável. Mas se não chover, vamos passar o período da época fria, entre maio em diante, com problemas muitos maiores do que neste verão.


Qual é o ponto de partida para iniciar a mudança de consciência que você tanto prega?

É preciso trabalhar no âmbito das bacias hidrográficas, nas recargas das microbacias. Na Região do Caparaó, são três as bacias hidrográficas: a do Rio Itabapoana, que abrange os municípios de Guaçuí, Divino de São Lourenço, São José do Calçado, Bom Jesus do Norte, Mimoso do Sul, parte de Muqui, Apiacá e trechos do Rio de Janeiro e Minas Gerias (o Rio Itabapoana é um rio federal).

A bacia do Rio Itapemirim é a maior do Parque Nacional do Caparaó e abrange os municípios de Ibitirama, Iúna e Irupi e também Alegre, Jerônimo Monteiro, Conceição do Castelo, Castelo, Venda Nova do Imigrante, Muniz Freire, Ibatiba, Muqui, Atílio Vivacqua, Marataízes, Itapemirim e Presidente Kennedy, município banhado pela bacia do rio Itabapoana e também pela bacia do rio Itapemirim, porque é abastecido pelo rio Muqui. Ao todo, só a bacia do rio Itapemirim abrange 18 municípios (17 do ES e 1 de MG) e na vertente de Iúna há também o Rio José Pedro,
um afluente da Bacia do rio Doce.

Alguns municípios destas bacias hidrográficas não têm 5% de cobertura vegetal, não tem mata, e com isso não há infiltração suficiente para abastecer as nascentes. E é isso que os produtores rurais precisam compreender: para entrar nessa luta, ou eles recuperam uma parte da sua propriedade (e deixam virar mata), ou eles vão perder toda a propriedade, porque sem água não há como produzir nada.

A causa ambiental sempre esteve distante da realidade dos agricultores. É uma história de conflitos, muitos deles, com uso da violência. E hoje, diante deste momento tão crítico, você declara que serão os produtores as peças chaves no processo de solução para a questão hídrica?

E com certeza serão os produtores rurais as peças mais importantes deste processo. E este é o grande recado que deve ser levado para eles: que sejam parceiros nessa luta. Logicamente, os governos municipais, estaduais e federal precisam conceder incentivos fiscais e econômicos para o produtor preservar e mudar a cultura de explorar a terra toda. Mas confirmo: o produtor é a principal peça porque eles produzem para todos e para ele também.

E qual é a importância da Reserva Legal neste contexto de consciência ambiental?

Estamos há décadas falando exaustivamente sobre isso, e vamos continuar repetindo. É de extrema necessidade que os agricultores preparem suas propriedades para receber e segurar a água da chuva que está vindo. E só é possível fazer isso com a presença de vegetação na terra. Como todos sabem, de acordo com o Código Florestal, 20% no mínimo da área total da propriedade deve ser reservado para isso, a Reserva Legal.





Efetivamente, em termos práticos, quais são as atitudes o que os produtores rurais devem tomar para fazerem parte desta solução?

Os principais passos que os produtores devem tomar são os seguintes. Fazer as caixas secas, principalmente nas lavouras onde há muita declividade. Para isso, o agricultor que não souber como fazer, deve procurar a orientação do Incaper. Essa ação evita a erosão e faz com que a água fique retida no solo.

É imprescindível fazer pequenas barreiras nas áreas de enxurrada para segurar a água, reconstituir os brejos e córregos que foram drenados para que a água fique na propriedade e muita cautela com os projetos de irrigação. É preciso planejar.

Se não fizermos isso, teremos problemas muito maiores. Acredito com muita convicção, que os grandes conflitos mundiais não serão por ouro ou prata, mas pela falta de água. Afinal sem água não existe nada.


*Dalva Ringuier é ambientalista e secretária executiva do Consórcio Intermunicipal do Desenvolvimento Sustentável da Região do Caparaó (Consórcio Caparaó), entidade que objetiva o desenvolvimento dos 11 municípios da Região do Caparaó Capixaba. ,

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