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Cooperativismo

Cooperativas inovam e impulsionam o agronegócio brasileiro

Oito a cada 10 cooperativas brasileiras já implantaram projetos inovadores, mostra a Pesquisa de Inovação no Cooperativismo Brasileiro, lançada em 2024.

por Fernanda Zandonadi e Rosimeri Ronquetti

em 01/10/2024 às 5h00

13 min de leitura

Cooperativas inovam e impulsionam o agronegócio brasileiro

Foto: Nater Coop/Jéverson Meneghini

O cooperativismo nasceu oficialmente há 180 anos, quando um grupo de pessoas se uniu para montar um armazém, em Manchester, na Inglaterra, em plena Revolução Industrial. Nesses quase dois séculos, a união de forças passou por duas guerras mundiais, crises financeiras que se alastraram globalmente, como as de 1929 e 2008, ambas com início nos Estados Unidos. O cooperativismo, com seu modelo de negócios baseado na união de esforços, manteve-se firme diante das turbulências. 

Agora, com a Quarta Revolução Industrial, que abarca convergência de tecnologias avançadas, como a Inteligência Artificial e a Internet das Coisas, o cooperativismo mostra novamente que está em consonância com o espírito dos tempos em todos os setores da economia. 

Para dar uma ideia, oito a cada 10 cooperativas brasileiras já implantaram projetos inovadores, mostra a Pesquisa de Inovação no Cooperativismo Brasileiro, lançada em 2024. Além disso, aponta o estudo, ocorreu o aumento no reconhecimento da importância de inovar, passando de 80% para 87% o percentual de coops que reconhecem a importância da inovação pelas cooperativas.

 

Inovação no agro

A busca por novos processos sempre foi marca registrada da Cooperativa Agropecuária Centro Serrana (Nater Coop). Em janeiro de 2023, o grupo lançou um modelo novo para seu Programa de Inovação Aberta, junto à aceleradora Azys Inovação. A ideia é encontrar soluções inovadoras que contribuam para o sucesso de operações agrícolas. O projeto rendeu mais de 70 inscritos, três deles chegando à fase final, que abarcam insumos agropecuários, produção e relacionamento com o cooperado. 

A história de sucesso do avicultor Horácio Antônio Müller é um exemplo de como a união e a inovação podem transformar um setor. Em um momento em que os custos tornavam a avicultura inviável para pequenos produtores, Horácio teve uma ideia que mudaria a vida de muitos: criar um condomínio avícola.

Em conversa com um veterinário da Nater Coop, Müller compartilhou sua frustração com a falta de mão de obra e os altos custos de produção. A ideia inicial era construir um galpão maior para reduzir os gastos, mas a cooperativa foi além e transformou essa ideia em um projeto inovador: o primeiro condomínio avícola do Brasil.

O condomínio avícola representa um divisor de águas para Müller e outros cooperados. A possibilidade de dividir os custos de produção, a otimização da mão de obra e a melhoria da qualidade de vida foram os principais benefícios.

O custo de produção era muito alto, e o negócio estava se tornando inviável”, afirma Horácio. “Com o condomínio, conseguimos reduzir os gastos e ter mais tempo para cuidar da nossa família”. 

No modelo de negócios, a infraestrutura e gestão são garantidos pela cooperativa, que tem participação de 19% no negócio. Os sócios são responsáveis pela produção e detém participação de 81%. É uma relação que pode ser alicerçada no conceito do “Equilíbrio de Nash”, do matemático John Nash, que prevê um acordo em que ambas as partes se sentem satisfeitas com o resultado, a famosa relação de ganha-ganha. 

O modelo prevê que até 30 sócios podem investir no galpão, ou seja, várias famílias poderão ser contempladas. Atualmente, 60 cooperados utilizam os condomínios avícolas, que ocupam uma área de 10 mil metros quadrados no município de Santa Teresa, no Espírito Santo. São três galpões com 100 mil aves cada que, juntas, produzem cerca de 270 mil ovos por dia. 

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As aves de postura estão alojadas em galpões automáticos, no sistema vertical, ou seja, em gaiolas sobrepostas.  Esse sistema oferece alimentação, proteção e controle de enfermidades com maior facilidade, além de otimização de mão de obra, quando comparado ao sistema convencional.

Esse modelo de negócio é possível graças à estrutura que a cooperativa dispõe tanto física quanto gerencial. Em se tratando da produção de ovos em condomínio, os investidores esperam obter bons resultados financeiros. Para se obter bons resultados nos lotes, é necessário analisar os dados de forma rápida e eficiente. Os dados de produção de ovos, consumo de água, consumo de ração, qualidade de ovos são monitorados dia a dia”, explica  Altemir José Scardua, Gerente de Negócios Avicultura da Nater Coop.

A granja está localizada em uma região com boa biosseguridade, ou seja, não tem outras granjas próximas. “Fazemos o transporte dos ovos, da planta de produção, até a unidade de beneficiamento em paletes com 900 dúzias. Anteriormente era feito em caixas com 30 dúzias. A modernização e melhoria dos processos é constante”, conta Scardua, informando, que o condomínio produz mais de 3,5 mil toneladas de fertilizante orgânico e atende produtores rurais de todo o Espírito Santo. 

A partir da demanda percebida de nossos cooperados, foi possível identificar o melhor modelo de operação que pudesse ser viável para a Cooperativa e os seus sócios, ao mesmo tempo que instituições governamentais, como a Secretaria da Fazenda, construíram em conjunto com a cooperativa um regime especial de operação para esse modelo inovador criado pela Nater Coop. O modelo de condomínios se mostrou tão eficaz que a cooperativa já o expandiu para o setor leiteiro em 2022, ampliando ainda mais as oportunidades de inovação e crescimento”, explica Denilson Potratz, presidente da Nater Coop.

A inovação na Nater Coop vai além da avicultura. Em 2023, o grupo lançou o aplicativo Leite Certo, para agilizar na coleta e análise de dados, além de oferecer um canal direto de comunicação entre a cooperativa e os produtores. A plataforma nasceu de um programa de mesmo nome e que já existe há 14 anos e, até então, a coleta de dados se dava por meio de planilhas de Excel, um processo que demandava tempo e gerava um grande atraso entre a coleta e a devolutiva para o produtor, levando até 40 dias para retorno.

A devolução tardia dessas análises gerava frustração, ineficiência e, em alguns casos, até mesmo perdas. Felizmente, essa realidade foi completamente transformada com a implementação do aplicativo. Agora, os produtores têm acesso instantâneo e preciso a informações sobre suas propriedades”, conta Juliana Maria Piassi, gerente da área de assistência técnica da Nater Coop. 

 

Agilidade no diagnóstico

Evaldo Tavares Renes comemora os resultados. Foto: Nater Coop/Jéverson Meneghini

Rogério Luis Guidi, do Sítio Dois Irmãos em Córrego da Lagoa, e Evaldo Tavares Renes, de Chapadinha, ambos de Nova Venécia, são exemplos de produtores que sentiram os benefícios dessa nova ferramenta. Antes, a falta de diagnóstico preciso e o tratamento inadequado causavam grandes prejuízos, principalmente em épocas de chuva.

A gente sabia que era mastite, mas não sabia a bactéria causadora”, conta Guidi. “Dava remédio, mas até acertar a gente perdia muito tempo e dinheiro”. Com o novo programa, ele agora realiza testes para identificar o agente causador e trata os animais de forma mais precisa e eficiente. “Muitas vezes nem precisamos utilizar antibióticos, o que é ótimo para a saúde dos animais e para o meio ambiente”, completa.

Renes, que trabalha com pecuária leiteira há 20 anos, também comemora os resultados. “Já tive que descartar mais de 300 litros de leite por causa da mastite”, lembra. “Antes, a gente lidava no escuro com essa doença”. Com o novo programa, ele agora tem mais controle sobre a situação. “Saber em 24 horas o que está causando a mastite nos nossos animais e saber se devemos ou não tratar com antibióticos, foi uma virada de chave na nossa propriedade”, afirma.

As novas tecnologias e oportunidades implantadas sempre consideram o mercado, as áreas de atuação da cooperativa e as necessidades dos cooperados, levando em conta as diferentes regiões em que a cooperativa atua no Estado, explica Denilson Potratz, presidente da Nater Coop. 

Para garantir a eficiência dos projetos, realizamos estudos que abrangem desde a mitigação de riscos na implantação até a entrega do produto ao mercado. Além disso, observamos projetos bem-sucedidos em outras regiões do país e no exterior, adaptando as novas tecnologias desenvolvidas para atender às exigências do mercado”.

 

Necessidades e soluções 

A tecnologia permite que as cooperativas estejam mais próximas e identifiquem as necessidades mais urgentes dos cooperados. A Coocafé, por exemplo, mantém uma equipe de mais de 100 técnicos em campo que estão em constante contato com os produtores, identificando as principais demandas e desafios enfrentados no dia a dia. Maycon Palmeira, gerente de TI da Coocafé, destaca a importância da tecnologia para atender às necessidades dos cooperados e impulsionar a inovação no setor cafeeiro. 

A sucessão familiar, por exemplo, é uma realidade cada vez mais presente no campo e os jovens produtores buscam soluções tecnológicas para otimizar a gestão de suas propriedades. Por isso, investimos em ferramentas digitais como o aplicativo iCoop, que oferece diversos serviços aos cooperados, como informações financeiras, pagamentos online e controle da produção. Nosso objetivo é proporcionar aos cooperados mais autonomia e agilidade nas suas operações”, afirma Palmeira.

Tecnologia na produção de energia

Antônio Sérgio da Silva é um exemplo de como a agricultura sustentável pode gerar resultados positivos. Foto: divulgação Coocafé

A Coocafé também ganhou destaque por um projeto inovador e inédito no país, numa parceria com a greentech francesa, NetZero. A palha do café, um resíduo comum nas plantações, é transformada em biochar, um tipo de carvão vegetal e fertilizante natural de alta performance. Segundo estudos científicos, o uso desse fertilizante pode aumentar a produtividade das lavouras em até 30%. 

A primeira usina de produção de Biochar da América Latina, em larga escala, foi inaugurada no município mineiro de Lajinha em 2023. Em junho de 2024 começaram as atividades da segunda usina, que foi instalada em Brejetuba, no Espírito Santo. 

Os produtores que participam do projeto recebem benefícios como a cessão gratuita de parte do biochar produzido a partir de sua própria palha, além de um desconto significativo na aquisição do restante. A energia gerada no processo também é compartilhada com os produtores.  

A adoção da tecnologia permitiu que mais de 50 toneladas de café produzidas com o uso de Biochar fossem negociadas com a trading japonesa Marubeni. Os dois contêineres com 880 sacas de arábica foram embarcados para o Japão em setembro. Os 77 produtores cooperados que participaram do projeto receberam da Marubeni R$ 150 a mais por saca de café. Cada produtor ganhou proporcionalmente a quantidade produzida na área da lavoura em que usou Biochar.

Antônio Sérgio da Silva, da comunidade São Domingos Sávio, em Lajinha, Minas Gerais, é um exemplo de como a agricultura sustentável pode gerar resultados positivos tanto para o produtor quanto para o meio ambiente. Cooperado há aproximadamente 25 anos, Antônio cultiva café em seu sítio e, recentemente, comercializou cerca de 70 sacas para o exigente mercado japonês. 

José Carlos Dutra, cooperado da Coocafé há 25 anos. Foto: divulgação Coocafé

Com o dinheiro extra, Antônio pôde realizar um sonho antigo: comprar uma geladeira nova para sua família. “É muito gratificante saber que estamos cuidando do meio ambiente e sendo recompensados por isso”, afirma Antônio. “Esse recurso financeiro a mais faz toda a diferença para a nossa vida.”

José Carlos Dutra, cooperado da Coocafé há 25 anos e produtor em Córrego do Carvalho, em Lajinha, Minas Gerais, está colhendo os frutos dessa decisão inovadora. Há seis meses, ele aderiu ao uso do biochar em sua lavoura e já percebe os resultados positivos. “É uma experiência nova que, em pouco tempo, já mostrou ser bastante positiva e produtiva“, comemora Dutra.

 

Segurança em tempos digitais

A tecnologia chegou para facilitar a produção. Mas trouxe consigo um novo desafio: a segurança digital. O Relatório Global sobre Ameaças a Dados da Thales (Thales Global Data Threat Report), de 2024, mostra que as ciberameaças estão crescendo. Mais de 90% dos quase três mil entrevistados disseram ter experimentado aumento dos ataques, sendo malware (41%), ransomware (36%) e phishing (32%) os que mais cresceram.

O investimento em segurança, portanto, tornou-se primordial nas cooperativas. Um exemplo é a Cooabriel que iniciou, em 2022, o cadastramento das digitais dos seus cooperados. A medida oferece mais segurança e agilidade aos atos de comercialização do café. 

A chamada Venda Segura utiliza o sistema de biometria para confirmar a identidade, protegendo os processos e trazendo melhorias nos trabalhos internos da própria cooperativa.  

Tecnologia, saúde e sustentabilidade

Hoje, usa-se a sigla ESG, que em inglês que significa Environmental, Social and Governance, ou seja, Ambiental, Social e Governança em português para designar um conceito que reúne um conjunto de critérios que avaliam o desempenho das empresas em relação à sustentabilidade e à responsabilidade social. Essas práticas são adotadas fortemente pelas cooperativas, que abraçaram o avanço tecnológico para oferecer segurança, bons negócios e, claro, qualidade de vida aos cooperados.

Exemplo disso é o Vida + Cooabriel, um programa de consultas médicas que oferece comodidade e facilidade para cooperados e colaboradores. Tudo, com baixo custo. A iniciativa é resultado de uma parceria entre a cooperativa e a Conexa, ecossistema digital de saúde, líder na América Latina.

A vida de Ronis Domicioli e sua família, moradores de Ribeirão do Meio, em João Neiva, ganhou mais praticidade e comodidade com a chegada da telemedicina. Cooperado há cerca de quatro anos, Ronis aderiu a um programa que oferece consultas médicas on-line, transformando a forma como a família cuida da saúde.

A esposa de Domicioli, Lourdes, que convive com espondilite e fibromialgia, foi quem mais sentiu os benefícios da nova ferramenta. Com a telemedicina, as consultas podem ser realizadas de casa, a qualquer hora do dia, inclusive aos finais de semana. “A gente agenda pelo WhatsApp e faz a consulta por videochamada. É muito prático e rápido”, afirma.

A família Domicioli destaca a importância da telemedicina em momentos de emergência. “Aderi ao programa pensando em uma emergência, e acabou sendo muito útil para o dia a dia”, explica Ronis. “A gente já fez consulta até no domingo, e o atendimento é sempre muito bom.”

A telemedicina tem facilitado o acesso à saúde para a família Domicioli, que antes encontrava dificuldades para conciliar as consultas médicas com as atividades do dia a dia. “As vezes é complicado agendar e sair de casa para ir a um médico”, comenta Lourdes. “Com a telemedicina, tudo fica muito mais simples”, conta, explicando que os dois filhos do casal também utilizam os serviços.

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