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É Panc! O passado pode ter a chave do futuro

Alimentos que eram comuns nas mesas da família, sumiram do mercado. Mas o alto teor nutricional tem trazido de volta as as plantas alimentícias não convencionais aos pratos

por Fernanda Zandonadi

em 14/01/2022 às 10h12

5 min de leitura

É Panc! O passado pode ter a chave do futuro

*Fotos: Fabiana Ruas (Incaper) e Savia Alana/Divulgação

Tomatinho do mato, serralha, ora-pro-nóbis, amora-silvestre, pitanga preta, peixinho da horta, azedinha. Essas plantas já estiveram nos pratos dos brasileiros, mas foram rebaixadas à categoria de ervas-daninha por um tempo. Hoje, no entanto, foram novamente elevadas ao posto de alimentos. Batizadas de Pancs, ou plantas alimentícias não convencionais, são alimentos riquíssimos, e que podem fazer a diferença nutricional nos pratos dos brasileiros. 

Para dar uma ideia da pobreza nutricional dos nossos pratos atualmente, somente 20 espécies vegetais fornecem 90% do alimento humano do planeta, sendo que apenas três delas — trigo, milho e arroz — fornecem mais da metade, segundo o biólogo Edward Wilson, da Universidade da Harvard. Um desperdício de novos sabores e repositórios de vitaminas. E não é por falta de diversidade. Calcula-se que há mais de 10 mil espécies nativas no Brasil e que poderiam ser consumidas. Para muitos, elas são ilustres desconhecidas. Mas isso está mudando aos poucos. 

“Esses alimentos foram redescobertos por chefs de cozinha e ganham um ar mais nobre. Muitos buscam inovações e as Pancs estão sendo revisitadas e valorizadas em vários pratos, com roupagem mais bonita e receitas mais sofisticadas”, explica a bióloga do Incaper, Fabiana Ruas. 

Ela completa: “é importante a retomada desses alimentos. Em função da pandemia, voltamos a ter contato com a natureza e rever costumes que nossas avós tinham na roça, de usar essas plantas no dia a dia da alimentação da família. E as pesquisas mostram que são alimentos riquíssimos e nossas avós tinham razão em colocá-los nos pratos”. 

Moqueca capixabíssima

As Pancs fazem parte da história individual e coletiva. A tradicional moqueca capixaba levava uma Panc em sua receita. Originalmente, conta a bióloga, as comunidades ribeirinhas utilizavam o tomatinho selvagem para fazer o delicioso molho que abraçava os peixes.

“O tomatinho do mato não é o cereja, que já foi melhorado geneticamente. Mas aquele tomatinho que crescia sozinho no meio do mato. Com o passar do tempo, ele foi largado de lado por ter muita acidez”, explica a pesquisadora. 

A plantinha que nascia em qualquer cantinho da horta sem precisar ser semeado, hoje, é raridade. “É muito difícil de encontrar. Eu andei em Jaguaré e encontrei o tomatinho selvagem sem melhoramento genético. Mas não foi fácil”, conta.

De forma simples, na agricultura, o melhoramento genético é utilizado para desenvolver plantas com características agronômicas desejáveis. E essa seleção, necessária para gerar produtividade, infelizmente fez muitas das variedades originais desaparecerem do mapa.

“E, daí, não tem como voltar ao original. Com o tomate aconteceu isso. Mas estamos voltando e tentando encontrar o tomatinho que originou o tomate graúdo que temos hoje”. 

A pitanga preta é considerada uma Panc e, hoje em dia, está sendo resgatada.

Araçá da infância

Se falar sobre o tomatinho do mato já traz saudade aos corações mais nostálgicos, imagina falar do araçá-boi, do araçá selvagem, da amora silvestre, da pitanga preta. Essas frutinhas, disputadas pelas crianças na hora da brincadeira na roça, hoje pouco são vistas pelas beiras das estradas de chão.

“O araçá-boi é muito difícil de encontrar. O selvagem, por outro lado, era muito usado como remédio para diarreia. Então ele foi preservado, especialmente nas pastorais da saúde”, conta a bióloga. 

Comida para as tropas

E a história capixaba se entrelaça com as Pancs. No Espírito Santo, os tropeiros foram responsáveis por disseminar o que hoje é considerada uma planta não convencional. “As castanhas de sapucaia eram usadas como alimentos e até como moeda de troca pelos tropeiros. É uma castanha que dura muito tempo, pois a casca protege a polpa. Eles colhiam nos percursos e trocavam por outras mercadorias. Era ingerida in natura, mas também torrada, como são as nozes e as castanha, e usada em doces. Uma castanha muito rica e que sacia a fome”. 

Citar todas as Pancs é tarefa árdua. É uma diversidade absurda de plantas que necessitam de pouca atenção no cultivo mas podem oferecer muito ao ser humano. Alimentos multifuncionais que, por suas propriedades nutricionais e farmacológicas, ganharam, no passado, status de remédio. Mas foram esquecidos. 

“Crianças e adolescentes têm dificuldade em comer esses produtos, mas podemos fazer as folhas e sementes torradas e inserir essa farinha em alimentos e sucos. Um bom exemplo é capim-limão, que adicionado aos sucos deixa a bebida refrescante e rica. Há uma infinidade de usos para essas plantas”. 

O que falta?

Mas, o que falta para trazermos de volta às mesas esses alimentos funcionais e ricos? “O crescimento da produção acontece quando empresas e instituições se interessam. Ligado a um projeto, pode surgir um restaurante, que fomenta o uso e isso pode virar uma cultura agrícola. Mas, se não existir o incentivo das empresas, órgãos ou instituições, o risco é de as plantas ficarem à margem e serem usadas apenas por pequenos grupos que buscam uma alimentação mais saudável”.

Mas nos últimos dez anos houve uma mudança nesse cenário, conta Fabiana. Algumas Pancs podem ser encontradas nas feiras, em quilões e até mesmo em alguns supermercados. “Há feixes de ingá nas feiras. Ele não tinha valor antigamente. Era uma planta de beira de rio. E hoje a gente já encontra para comprar. São poucos os produtores, mas alguns levam para as feiras e o consumidor aprova. Para o produtor cultivar não é complicado, ele planta o que dá mercado. Mas ainda falta incentivo”, conclui. 

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