Menos custos

Porto de Salvador pode aumentar eficiência na exportação de algodão

Área desponta como uma alternativa viável, mas enfrenta obstáculos para atrair investimentos e competir com os portos tradicionais

*Foto: Divulgação Wilson Sons

Desde o primeiro cultivo no solo fértil do Oeste baiano, o algodão tornou-se uma das principais commodities agrícolas da região. Com qualidade reconhecida internacionalmente, a fibra baiana agora encontra uma nova rota de exportação: o Porto de Salvador. O importante marco na história do agronegócio estadual reflete não apenas a qualidade do produto, mas também a visão estratégica de expandir horizontes comerciais.

No último dia 29 de fevereiro, uma significativa operação marcou o início dessa nova era para o setor. A Wilson Sons, gigante em logística portuária e marítima, embarcou, pela primeira vez, um carregamento de algodão diretamente do Terminal de Contêineres do Porto de Salvador (Tecon Salvador) para o Egito. Originário do município de Luís Eduardo Magalhães, um dos epicentros da produção algodoeira na Bahia, o primeiro embarque representa um passo ousado rumo à diversificação das rotas de exportação e ao fortalecimento da economia local. Foram carregados 2.500 fardos da fibra, o equivalente a mais de 500 toneladas, com destino ao porto de Port Said West, no Canal de Suez, no Egito.

De acordo com informações da Wilson Sons, o algodão proveniente da região Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) já está sendo exportado pelo Tecon Salvador para diversos destinos, incluindo Paquistão, Bangladesh, China, Indonésia, Vietnã e Turquia, os principais mercados importadores da fibra brasileira. Desde 2023, o centro logístico de atendimento ao terminal é responsável pela emissão da certificação socioambiental para o algodão, atendendo às exigências do mercado exportador. Essa certificação é parte integrante do Programa Algodão Brasileiro Responsável para Terminais Retroportuários (ABR-Log), emitido pela Abrapa e pela Anea. A estufagem do algodão nos contêineres, que consiste na sua acomodação, é um processo que garante a qualidade da preparação do produto. O procedimento assegura o embarque do algodão sem danos e livre de contaminação.

O Porto de Salvador surge como uma opção promissora, especialmente considerando o potencial de aumento das linhas para a Ásia devido a investimentos em setores como a indústria automobilística em Camaçari

Desafios
Miguel Faus, trader e presidente da Associação de Exportadores de Algodão (Anea), ressalta a necessidade de portos alternativos para a exportação da fibra baiana, como o de Salvador, que já está aumentando o volume de exportação para a Ásia. No entanto, a falta de rotas diretas e infraestrutura adequada ainda representa desafios significativos. Um desses reside na necessidade de disponibilidade de contêineres, navios e rotas adequadas para esse tipo de transporte. Faus ressalta que, historicamente, a maior parte das exportações de algodão tem sido realizada através do Porto de Santos devido à disponibilidade de contêineres e linhas para a Ásia em alta frequência.

“Há dez, vinte anos, Paranaguá (PR) era importante, mas perdeu relevância no algodão. Os portos de Vitória (ES) e do Rio de Janeiro ainda não foram usados para o algodão por dois motivos: não dispõem de muitas rotas para Ásia e a área de cross docking (retro porto próximo ao porto, onde caminhão chega do interior, a empilhadeira pega o algodão em fardos e o coloca no contêiner) precisa prestar este serviço e disponibilizar contêineres vazios. Analisando essa situação, o que tem mais chances de exportar o algodão do Matopiba é Salvador”, avalia Faus.

Enfardamento de algodão para transporte da fibra em fazenda produtora do Oeste baiano. (*Foto: Divulgação Abapa)

Ainda de acordo com o presidente da Anea, a montadora chinesa que estabeleceu uma fábrica de automóveis em Camaçari tem impulsionado as importações e pode potencialmente abrir novas linhas de exportação para a Ásia via Porto de Salvador. Contudo, há um potencial ainda não explorado a longo prazo no Porto de Manaus, que recebe uma considerável quantidade de importações da Ásia devido à Zona Franca. “Lá tem o contêiner de 40 pés que os compradores precisam. Já foram feitos alguns testes com algodão produzido no Norte do Mato Grosso. A fibra vai de caminhão para Porto Velho, embarca em barcaças até Manaus, de onde é colocado no contêiner e vai de navio até ponto de transbordo no Caribe para depois cruzar pelo Canal do Panamá, de onde se acessa a Ásia”, explica.

Para que essa rota logística se torne viável, é crucial que a Ferrogrão, um projeto no papel há uma década, seja finalmente concretizado. O projeto ferroviário, que se estenderia de Sinop (MT) ao vilarejo de Miritituba (PA), localizado às margens do Rio Tapajós, esbarra, por exemplo, em questões relacionadas a áreas indígenas. Além disso, é fundamental que as companhias de navegação demonstrem interesse por esses portos, dado o seu caráter transnacional e a complexidade associada à logística de transporte marítimo. Assim, embora haja potencial para o desenvolvimento dessas rotas alternativas, é evidente que ainda há obstáculos a serem superados. E para o setor do algodão baiano, tais soluções ainda não são completamente satisfatórias, o que coloca o Porto de Salvador em vantagem.

Miguel Faus, trader e presidente da Associação de Exportadores de Algodão (Anea). (*Fotos: Divulgação)

O presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Luiz Carlos Bergamaschi, destaca que Salvador necessita de uma demanda consistente e fluxo de navios, particularmente de contêineres, para viabilizar a exportação de algodão. Atualmente, o terminal local não dispõe de rotas diretas para a Ásia, sendo esta demanda atendida majoritariamente pelo Porto de Santos. Mesmo Vitória, capital do Espírito Santo, mais próxima geograficamente precisaria desenvolver expertise para lidar com o algodão.

O fluxo de contêineres ainda não é expressivo para destinos asiáticos, o que se deve em parte à viabilidade logística. É fundamental manter a qualidade do produto durante o transporte, o que pode ser dificultado pelo custo elevado do frete para contêineres vazios. No entanto, se houvesse um fluxo mais consistente para a Ásia pelo Porto de Salvador, isso representaria uma redução significativa de custos, especialmente considerando a menor distância em comparação com o Porto de Santos – do Oeste da Bahia para Salvador são mil quilômetros, contra 1.600 km até o Porto de Santos.

“O valor agregado mais o frete não pesa muito no custo, seria mais uma alternativa outro porto disponível. Temos a segunda maior baía do mundo, de águas calmas, onde navios grandes podem atracar, e um dos terminais mais eficientes do país e que recebe investimentos. É questão de tempo para se adequar”.

E a certificação ABR Log garante agilidade e redução de custos no fluxo logístico, refletindo os esforços contínuos da Abapa para tornar as operações mais eficientes e competitivas. “A ABR Log garante rapidez no fluxo e menor custo. É no que a Abapa tem trabalhado, para que isso continue e torne a operação eficiente”, conclui.

O presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Luiz Carlos Bergamaschi, destaca que Salvador necessita de uma demanda consistente e fluxo de navios, particularmente de contêineres, para viabilizar a exportação de algodão.

A proximidade do Oeste da Bahia com a capital Salvador, apenas mil quilômetros de distância, em contraste com os 1.600 km até o Porto de Santos, reforça o potencial econômico do Porto de Salvador como uma alternativa logística vantajosa

Diversificação portuária
A redução de custos e o aumento da eficiência na exportação do algodão são preocupações centrais, pois a economia regional e nacional depende desse setor. E utilizar o Porto de Salvador pode mitigar as perdas financeiras associadas aos altos custos de transporte e aos serviços adicionais exigidos pelo Porto de Santos.

O vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) e diretor do Tecon Salvador, Cláudio Murilo Micheli Xavier, defende o terminal como solução viável para os problemas logísticos dos produtores de algodão baianos, destacando sua eficiência e capacidade para lidar com navios maiores. Ele argumenta que o Porto de Salvador oferece vantagens competitivas significativas, como localização estratégica, infraestrutura moderna e capacidade de movimentação, tornando-o uma alternativa mais econômica e eficiente em comparação com o porto paulista.

Segundo ele, os produtores de algodão enfrentam grandes perdas financeiras ao utilizar o Porto de Santos devido aos altos custos de transporte e à necessidade de diversos serviços adicionais, como estofamento para contêineres e medidas preventivas contra problemas de carga.

“Os produtores investem em alta tecnologia e produtividade, mas perdem parte do lucro com os custos adicionais no caminho até Santos. Ouvindo um grande produtor, me despertou a questão: por que o algodão não era relevante no Porto de Salvador? A discussão continuou na Bahia Farm Show, quando outros grandes cotonicultores calculavam perdas em torno de R$ 420 milhões em um ano”, relata o diretor do Tecon Salvador.

Localizado na Baía de Todos-os-Santos, o Porto de Salvador possui várias vantagens naturais e estruturais. A baía, a segunda maior do mundo, com 14 km de extensão, permite a entrada simultânea de vários navios e ainda correntes marítimas com aguas calmas . “Sem contar o pôr do sol, que é o mais lindo”, diz. Além disso, o tempo de atracação em Salvador é menor (leva apenas duas horas a quatro horas), comparado ao Porto de Santos, onde o processo é mais demorado. A profundidade natural do canal de entrada da baia começa com 53 metros, e chega próximo ao porto com 23 metros e tendo um cais habilitado para 16 metros e sito requer dragagens muito esporádicas que podem demorar décadas, também é um diferencial importante, especialmente com a chegada de uma nova classe de navios, “New Panamax”, em 2026.

A localização estratégica do Porto de Salvador no meio do Brasil e a apenas 900 km das áreas de produção do Matopiba, reduz consideravelmente os custos logísticos, afirma Xavier. Além disso, a acessibilidade privilegiada através da Via Expressa Baía-de-Todos-os-Santos, que liga o terminal diretamente à rodovia BR-324 e está a apenas 50 km do Polo Industrial de Camaçari, facilita o trânsito rápido e eficiente. Operado pela Wilson Sons, o Tecon Salvador tem uma infraestrutura moderna e, com investimento recente de quase R$ 1 bilhão, permite movimentação de até 118 movimentos por hora (MPH), muito acima da média dos portos brasileiros.

Com a crescente demanda por algodão brasileiro, principalmente na Ásia, a infraestrutura portuária precisa acompanhar o ritmo. O Porto de Salvador surge como uma esperança, com investimentos em capacitação e tecnologia para atender às exigências do mercado internacional.

“Indiscutivelmente, é o ponto mais próximo da Rota do Algodão. Uma via expressa garante trânsito em 3,5 minutos direto ao porto. Sem contar a comodidade para os transportadores. É ideal para navios com carga com abordagem e saída rápidos. Com 3h30, os navios conseguem estacionar, e ainda contar com excelente performance de movimentação de contêineres (ótimo MPH), e caminhões descarregam com 26 minutos, em média”, destaca Xavier.

Além disso, o terminal conta com a maior movimentação de longo curso do Nordeste e as melhores condições meteorológicas. “Em mais de 20 anos, só parou três vezes por causa de intempéries. O porto não deixa as correntes marítimas entrarem e saírem e só recebeu uma dragagem nesse período”.

Para a cotonicultura, o Tecon Salvador oferece vantagens devido à proximidade da área de Redex, a apenas 15 km do porto. A área permite a otimização de notas fiscais e a logística de expedição, além de proporcionar maior segurança e redução de custos de armazenagem na zona primária. Este diferencial é crucial para a embalagem do algodão, que deve ser feita fora da área portuária, facilitando o processo de exportação.

Murilo Xavier afirmou que o Porto de Salvador já está preparado para receber navios de grande porte, medindo 3,66 m x 49 m x 15,2 m, como os ‘new-panamax’, com capacidades superiores aos padrões atuais (comprimento de 1.000 pés, 305 m, uma boca de 110 pés, 33,5 m, e um calado de 85 pés, 26 m). Poucos portos no Brasil têm a infraestrutura necessária para esses navios, e Salvador está na vanguarda graças aos recentes investimentos. “Os terminais que não se enquadrarem neste tipo de transporte estarão fora do mercado. Sessenta e sete por cento dos navios encomendados já estão nesse padrão desde 2022”, diz o diretor do Tecon Salvador.

Cláudio Murilo Micheli Xavier, diretor do Tecon Salvador, delineia a visão de um futuro promissor para o Porto de Salvador. Com investimentos em tecnologia e infraestrutura, o terminal se posiciona como uma peça-chave na cadeia logística do algodão baiano.

Entre julho e dezembro do ano passado, 2.000 contêineres com algodão baiano saíram de Salvador. Para este ano, a estimativa é triplicar essa quantia no mesmo período. “Já é oficial que a Bahia receberá os primeiros navios gigantes e com rotas diretas para a China. Trata-se de uma vantagem competitiva enorme para o Estado”.

Apesar das dificuldades iniciais e resistências dos traders em utilizar rotas alternativas a Santos, a produtora de algodão Ana Paula Francioni acredita que é essencial investir na diversificação dos portos de saída. A dependência exclusiva do Porto de Santos, que enfrenta problemas de congestionamento e eficiência, é insustentável a longo prazo. Francioni defende que a criação de novas rotas, como as diretas para a Ásia a partir de Salvador, é crucial para desafogar Santos e melhorar a logística de exportação no Brasil. Ela enfatiza que, apesar dos desafios, é necessário romper essas barreiras para garantir uma logística mais eficiente e diversificada.

“Hoje, a gente é totalmente refém do Porto de Santos, o que nos trava. São dias de fila, aquilo fica abarrotado, ninguém consegue mais fluir, não tem eficiência, sendo que nós temos muita capacidade e disponibilidade de trabalhar com outros portos. Em Salvador existe uma barreira a ser quebrada e, nós produtores, precisamos enfrentar questões com relação a preço e termos rotas para a Ásia”, finaliza.

*Arte: Wilson Sons

Sobre o autor Leandro Fidelis Formado em Comunicação Social desde 2004, Leandro Fidelis é um jornalista com forte especialização no agronegócio, no cooperativismo e na cobertura aprofundada do interior capixaba. Sua trajetória é marcada pela excelência e reconhecimento, acumulando mais de 25 prêmios de jornalismo, incluindo a conquista inédita do IFAJ Star Prize 2025 para um jornalista agro brasileiro. Com experiência versátil, ele construiu sua carreira atuando em diferentes plataformas, como redações tradicionais, rádio, além de desempenhar funções estratégicas em assessoria de imprensa e projetos de comunicação pública e institucional. Ver mais conteúdos