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Caparaó aberto para a ciência

por Redação Conexão Safra

em 15/04/2016 às 0h00

12 min de leitura

Caparaó aberto para a ciência

Pesquisadores estão de olho nos aspectos que conferem qualidade ao caf é do Caparaó e lançam estudos sobre diferentes variáveis da produção regional. O produto também vai ganhar selo de Indica ção Geográfica

Nos últimos cinco anos, o olhar sobre a majestosa Serra do Caparaó deixou de mirar apenas o Pico da Bandeira- o terceiro maior do Brasil- e se direcionou para as lavouras de café arábica do seu entorno. A região, na divisa entre os estados do Espírito Santo e de Minas Gerais, considerada uma das áreas mais importantes de preservação da Mata Atlântica, se atentou para a excelência dos grãos produzidos, geradores de negócios até do outro lado do mundo. Para avaliar e atestar a qualidade do produto, pelo menos quatro pesquisas estão em andamento.

O café local está sendo analisado em diversas frentes de estudo porque reúne particularidades não verificadas em outras regiões brasileiras. Os especialistas garantem que o “terroir ” da região imprime características como corpo, sabor adocicado e acidez equilibrada. Além de despertar o paladar de degustadores, turistas e a atenção dos cientistas, esses grãos de tamanha preciosidade também premiam os agricultores familiares em concursos nacionais de qualidade.

Entre as pesquisas, o destaque é um projeto inédito no Espírito Santo de Indicação Geográfica- IG, selo conferido a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem, o que lhes atribui reputação, valor intrínseco
identidade própria, além de os distinguir em relação aos seus similares disponíveis no mercado.

O estudo é coordenado por Anselmo Buss Júnior, diretor do Instituto Inovates e presidente do Fórum de IGs e de Marcas Coletivas do Espírito Santo, em parceria com os institutos Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo- Ifes e Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural- Incaper, envolvendo nove municípios capixabas e seis mineiros. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas- Sebrae/ ES encampou o projeto, que se encontra em fase de estruturação e será protocolado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial- INPI até meados de 2017.

Buss explica que, no caso do Café do Caparaó, os trabalhos resultarão em um selo de Denominação de Origem- DO, com referência ao nome da região onde o produto foi feito, atestando que as qualidades e características do grão local se dão exclusivamente naquele
meio. “A Denominação de Origem é uma das formas de classificar a qual Indicação Geográfica pertence determinado produto, traz mais detalhes como qualidade, estilo e sabor e se relaciona também à terra, às pessoas e à história da região ”, diz. Quando um produto faz a transição para um DO, as normas e controles ficam muito mais específicos como as quantidades máximas que podem ser colhidas e o processo de elaboração do café. “Será a primeira DO do Estado ”, completa o coordenador do projeto.

Para avaliar a chance de candidatura do café à IG, foi feito um diagnóstico junto aos produtores. De acordo com Buss, ainda não é possível precisar o número exato de beneficiados, mas 111 cafeicultores participam de uma avaliação quantitativa conduzida pelo Ifes nos dois Estados. “Acredito que o número de cafeicultores beneficiados provavelmente será dez vezes maior do que a amostragem pesquisada, ” diz o coordenador.

“A Denominação de Origem é uma das formas de classificar a qual Indica ção Geográfica pertence determinado produto, traz mais detalhes como qualidade, estilo e sabor e se relac iona também à terra, às pessoas e à história da região ” (Anselmo Buss Júnior)

Segundo Buss, o Espírito Santo concentra mais de 70% da produção regional. “O Caparaó produz cafés especiais que atingem notas que agradam fortemente os mercados mais exigentes de qualidade. A IG visa demonstrar esses aspectos, e o mercado, por sua vez, está em busca de produtos de qualidade e origem garantida. Sem dúvida as chances de ocupar mercados diferenciados que pagam mais por qualidade e origem controlada se abrem sensivelmente ”, avalia.

O Estado também verificou demandas semelhantes no Conilon Capixaba e nos Cafés das Montanhas do Espírito Santo. As regiões estão em fase de diagnóstico.

Fermentação

Além do inventário para garantir a Indicação Geográfica para o Café do Caparaó, outros três estudos focam as lavouras da região, com destaque para o distrito de Pedra Menina, em Dores do Rio Preto. Dentre eles, uma pesquisa inédita coordenada pelo Instituto
Federal do Rio de Janeiro- IFRJ junto com a Academia do Café, de Belo Horizonte, analisa a fermentação induzida do café na
sacaria. É o “Projeto Café ”, com a participação de três produtores.

De acordo com Ademário Iris da Silva Júnior, coordenador da pesquisa, o objetivo é aprimorar o processamento do café antes da torrefação. Para isso, são buscadas as melhores condições para o grão maduro processado atingir o seu melhor flavor (combinação entre sabor e odor) após o preparo da bebida.

O estudo já revelou, até agora, que os produtores testados podem deixar o café fermentar por pelo menos quatro dias, o que vai garantir notas sensoriais melhores. “Isso aumenta o valor agregado, mas também implica economia de produção em tempo e esforço, pois dispensa recolher todo dia o café para levar as sacas para o terreiro, otimiza o tempo de uso das máquinas na Além da beleza exuberante da serra, os admiradores do Caparaó já descobriram a delícia de provar um cafezinho enquanto curtem o clima fresco típico aos pés do Pico da Bandeira, com 2.890 metros de altitude. Em Pedra Menina, o caminho para a aventura é o
mesmo para uma experiência sensorial inesquecível, pois é possível experimentar essas bebidas superiores nos
locais onde elas são produzidas. É o caso da cafeteria da Pousada Vila Januária, da produtora e degusseparação de verde, maduro e boia e também reduz a quantidade de água no processo ”, destaca Ademário.

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Outra pesquisa engloba produtores atingidos pelo mineroduto da Samarco no Estado, que acabou estendida à região do Caparaó, embora não seja banhada pelo Rio Doce. Comandada pela Caparaó Júnior, empresa criada pelos estudantes do curso técnico de cafeicultura do Ifes campus Alegre, o projeto consiste na análise da terra e na cultura de integração entre comunidades e municípios.

Os estudantes também participam de um estudo sobre a qualidade de café em diferentes altitudes, envolvendo 110 propriedades rurais. Além dessas investigações, a região do Caparaó está inserida no Programa de Cafés Especiais do Sebrae/ ES, com aporte aos produtores em capacitações, certificações, missões técnicas e realização de eventos.



Cafeterias perto das lavouras

Quem visita a caf eteria da Pousada Vila Ja nuária é brindado com bebida de propriedades magnífica s, adquiridasem função do clima, do “terroir ” e dos cuidados na colheita e pós-colheita

Além da beleza exuberante da serra, os admiradores do Caparaó já descobriram a delícia de provar um cafezinho enquanto curtem o clima fresco típico aos pés do Pico da Bandeira, com 2.890 metros de altitude. Em Pedra Menina, o caminho para a aventura é o mesmo para uma experiência sensorial inesquecível, pois é possível experimentar essas bebidas superiores nos locais onde elas são produzidas.

É o caso da cafeteria da Pousada Vila Januária, da produtora e degustadora internacional Cecília Nakao; e da cafeteria Onofre, onde se encontra o Café Forquilha do Rio, do produtor premiado nacionalmente José Alexandre Abreu de Lacerda. Os empreendimentos ficam às margens da estrada que liga o distrito de Dores
do Rio Preto ao portal capixaba do Parque Nacional do Caparaó.

A história da empresária com a região é digna de um filme. Paulista, Cecília (51) abandonou a carreira de 18 anos como comissária de bordo, no Rio de Janeiro- onde o seu contato com o café era apenas servi-lo aos passageiros nos voos- para uma relação mais próxima com a cafeicultura no Espírito Santo. Em 2002, ela
adquiriu uma propriedade e conta que a primeira atitude foi cortar os pés de café na lavoura para construir a pousada. Para sua surpresa, em pouco tempo as plantas rebrotaram. “Eu me emocionei ”, lembra.

Em 2005, Cecília Nakao fez contato com o escritório local do Incaper, onde recebeu orientações para iniciar a produção de cafés especiais em uma área de 1 hectare, toda plantada. “Sempre acreditei no potencial da região. Por ter uma lavoura pequena, busquei aplicartécnicas de manejo orgânico e secagem para garantir qualidade. Nossa região tem ganhado notoriedade de forma saudável ”, diz a empresária.

Ao levantar a bandeira da cafeicultura de qualidade e da sustentabilidade agregada, Cecília se tornou uma liderança respeitada. Ela fomenta a produção de cafés especiais dos agricultores vizinhos e intermedia sua venda para os mercados nacional e internacional. Desde 2014, a empresária exporta um talão de
cada produtor parceiro para o Japão e abastece cafeterias de São Paulo. “Aos poucos vamos conseguindo inserir o nome dos produtores nos negócios. O mercado de comidas e bebidas sempre procura diferencial. Por isso, a importância de um trabalho regional mais integrado para levar o nome do Caparaó adiante ”, destaca a empresária.

Cecília aposta no patrimônio paisagístico para tornar a região famosa por seus cafés assim como Bourdeaux virou um dos principais polos vinícolas da França. “O Caparaó denota qualidade, tradição e ficou mais verde após o café chegar à região, uma vez que as lavouras estão mescladas à floresta ”, avalia a empresária.
E esse reconhecimento está perto, graças ao projeto de Indicação
Geográfica- IG em andamento.

Campeão nacional já vendeu saca a R$ 3 mil

Entre os cafeicultores responsáveis pela inclusão do Caparaó na
rota da produção de especiais, José Alexandre Abreu de Lacerda, de 40 anos, juntamente com sua família, conquistou importantes prêmios de qualidade, incluindo dois títulos nacionais. Por consequência disso, há quatro anos o produtor vendeu uma saca a R$ 3.000,00.

E pensar que o conceito de qualidade para o café só chegou ao sítio da família há seis anos, com a utilização de um despolpador comunitário concedido pelo Governo do Estado e depois de visitas técnicas às regiões produtoras de Brejetuba e Venda Nova do Imigrante, na região serrana capixaba. “Até então, a produção com qualidade era algo desconhecido para nós ”, conta José Alexandre.

Ele e outros doze familiares cultivam café arábica especial em 12 hectares da propriedade no Espírito Santo, além de outros 15 ha no município vizinho de Espera Feliz (MG), cuja divisa fica a poucos metros, bastando atravessar o Rio Preto. “Juntos, fica mais fácil administrar a colheita e o pós-colheita. Os caminhos para se manter a qualidade se abrem quando todos estão focados ”, avalia o cafeicultor.

Logo no primeiro ano descascando café, José Alexandre faturou a primeira de seis premiações regionais na categoria cereja descascado. “Pensei: será que foi acidente ou somos bons mesmo? ”, diverte-se o cafeicultor ao lembrar o feito.

O troféu foi um estímulo para a conquista de outros dois prêmios estaduais em Minas Gerais, em 2014,com notas acima de 92 pontos (só para se ter uma ideia, bebidas com nota acima de 80 já são consideradas de alta qualidade) e dois títulos nacionais: o primeiro em 2012 representando Minas, quando vendeu uma saca por R$ 3.000, e o segundo no ano passado, pelo Espírito Santo.

Modelo

Com lavouras de até 39 anos de idade, o Sítio Forquilha do Rio é considerado, desde 2011, propriedade modelo na produção de cafés especiais. A família aposta no seu conhecimento prático- incluindo leitura dos índices pluviométricos e mudança da adubação de acordo com o clima- além de tratos culturais para alcançar bebidas sempre com notas acima de 80 pontos. “Passamos a analisar o que tínhamos nas mãos e fomos melhorando, sempre focados nos talhões que apresentavam melhores resultados ”, afirma Afonso Donizete de Lacerda (43), irmão de José Alexandre.

Esse capricho, aliado à tecnologia, abriu portas para o Sítio Forquilha do Rio. O café dos produtores já foi parar nas xícaras de chineses, japoneses, americanos, holandeses e noruegueses graças à venda garantida dos lotes por meio das empresas realizadoras dos concursos e da exportação em parceria com Cecília Nakao. De acordo com José Alexandre, um lote de mais de 50 sacas foi exportado para o Japão em fevereiro e há possibilidade de nos próximos meses outro lote viajar até a Itália. “Não imaginava que nosso café fosse para tão longe. Antes, fazíamos só bebida dura e vendíamos por perto por meio de atravessadores. Os últimos resultados estão sempre nos surpreendendo. ”

Os benefícios se estendem a outros cafeicultores da localidade ligados à Associação dos Produtores Rurais de Pedra Menina, da qual José Alexandre é o presidente. Em 2015, 22 associados despolparam, juntos, 600 sacas com diferencial no preço da venda por unidade de até R$ 150,00 acima do valor de mercado.

De carona no conhecido discurso dos mestres da qualidade de café do Estado, José Alexandre de Lacerda afirma que a produção de excelência é um caminho sem volta. “Não tem como regredir, a meta é melhorar sempre. É um meio cruel. Se não fizer bem feito, outro certamente vai fazer melhor ”, declara o cafeicultor.

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