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Cooperativismo

O papel do cooperativismo na segurança alimentar mundial

por Conexão Coop

em 17/01/2023 às 14h31

11 min de leitura

O papel do cooperativismo na segurança alimentar mundial

Foto: Freepik/divulgação

A pandemia de Covid-19 causou impactos profundos em relação à fragilidade social e desaceleração da atividade econômica, de forma a afetar diretamente a vida de muitas pessoas. Assim, uma das principais faces dos efeitos provocados pelas consequências da pandemia foi o aumento da insegurança alimentar ao redor do mundo. A reportagem é do portal Conexão Coop.

Com a expectativa de retomada econômica em 2022 após dois anos de recessão, a esperança era de recuperação dos níveis de segurança alimentar. Entretanto, em muitos países, essas previsões não se concretizaram. A pressão inflacionária e até mesmo a guerra na Ucrânia impediram avanços significativos nessa questão.

Diante disso, traduzir o aumento do Produto Interno Bruto em ganhos referentes à segurança alimentar representa um enorme desafio a ser enfrentado por grande parte do planeta. Nações mais pobres, com baixos rendimentos e acesso precário a serviços essenciais, continuam tendo as populações mais afetadas. Com isso, a fome e a desnutrição crescem.

Neste artigo, vamos entender o panorama global da segurança alimentar, mostrar o cenário brasileiro e explicar como o cooperativismo agropecuário atua para enfrentar a fome. Aproveite a leitura!

O que é segurança alimentar

A insegurança alimentar ocorre quando, devido a contextos geográficos, econômicos e sociais não há o acesso adequado à alimentação capaz de atender às necessidades nutritivas. A definição é da Food and Agriculture Organization (FAO), braço da Organização das Nações Unidades focada no combate à fome.

Dessa maneira, a insegurança alimentar pode decorrer tanto da indisponibilidade dos alimentos quanto da falta de recursos para a obtenção de comida. Ou seja, tanto a cadeia produtiva e logística quanto a pobreza estão intrinsecamente ligadas à insegurança alimentar.

Além disso, a insegurança alimentar pode existir em diferentes níveis. A FAO possui uma escala que classifica o grau de severidade da insegurança alimentar. As camadas são as seguintes:

  • Incerteza em relação à capacidade de obter comida (entre estado de segurança alimentar e moderada condição de insegurança)
  • Abrindo mão de qualidade e variedade na comida (insegurança alimentar moderada)
  • Reduzindo a quantidade de comida e pulando refeições (insegurança alimentar moderada)
  • Sem acesso a refeições por um dia ou mais (insegurança alimentar severa)

O panorama da insegurança alimentar

De acordo com o relatório da FAO sobre o estado segurança alimentar e da nutrição no mundo, a estimativa é de que entre 702 e 828 milhões de pessoas foram afetadas pela fome em 2021.  O número cresceu cerca de 150 milhões desde o início da pandemia: mais 103 milhões de pessoas entre 2019 e 2020 e mais 46 milhões em 2021.

O documento também enfatizou que o novo aumento da fome em 2021 reflete a desigualdade em relação à retomada econômica entre os países.

O continente que liderou a fome, por exemplo, foi a Ásia, que concentra mais da metade das pessoas que vivenciaram essa situação. América do Norte e Europa somadas, por outro lado, registraram 5 milhões de pessoas em situação de fome.

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No mais, a subnutrição está em tendência de alta. Estima-se que cerca de 670 milhões de pessoas estarão em subnutrição em 2030, o que representa 8% da população mundial. Ao todo, por volta de 2,3 bilhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar moderada ou severa – quantia equivalente a 30% da população mundial.

Insegurança alimentar também é questão de gênero

A desigualdade de gênero na insegurança alimentar – que havia crescido em 2020 sob o efeito da pandemia – alargou-se ainda mais em 2021. Isso aconteceu, em grande parte, pelas crescentes diferenças na América Latina e Caribe, bem como na Ásia.

Para se ter uma ideia, em 2021, a diferença atingiu 4,3 pontos percentuais, com 31,9% das mulheres no mundo sendo moderada ou severamente afetadas pela fome e desnutrição. Em contrapartida, comparativamente, 27,6% dos homens estiveram na mesma situação.

Efeitos da pandemia de Covid-19

O crescimento da segurança alimentar durante os anos de maior impacto da pandemia de Covid-19 não é fruto do acaso. O baque econômico causado pela disseminação da doença prejudicou em países mais pobres que estão com dificuldades maiores para alcançar a recuperação e retomar o crescimento.

Ademais, a pandemia prejudicou as cadeias de suprimento, aumentando os custos de produção e logística dos alimentos. Soma-se a isso o crescimento do desemprego, redução da renda e ausência de uma rede de suporte social para grande parte da população mundial como causas que relacionam a Covid-19 à insegurança alimentar.

Impactos da guerra na Ucrânia

O contexto geopolítico também está interferindo no estado da segurança alimentar. O conflito entre Rússia e Ucrânia, duas das mais importantes produtoras de commodities, prejudica a oferta de alimentos em âmbito global. Antes da crise, os dois países juntos forneceram 30% e 20% da exportação de trigo e milho, respectivamente, por exemplo.

E não é só isso: eles também representaram cerca de 80% das exportações globais de produtos de sementes de girassol. Assim, somando todos esses fatores, as interrupções nas exportações agrícolas causadas pela guerra na Ucrânia expuseram os mercados globais de alimentos e fertilizantes a escassez e alta de preços.

Esses déficits de exportação elevaram os já altos preços mundiais de commodities alimentares. Consequentemente, a guerra na Ucrânia está sobrecarregando uma crise multifatorial, que envolve alimentos, energia e finanças, com impactos devastadores sobre as pessoas e países mais vulneráveis.

O papel da mudança climática

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) revelou que os últimos oito anos podem ter sido os mais quentes já registrados. O fenômenos da mudança climática pode ser mais um elemento que impacta negativamente a segurança alimentar e nutricional.

Consequências do aquecimento global como e temperaturas muito altas, ocorrência de desertificação, estresse hídrico e outros processos decorrentes afetam o acesso à alimentação. Ou seja, o acesso regular e permanente aos alimentos, tanto no que diz respeito à quantidade quanto à qualidade, tanto em áreas urbanas quanto no campo.

O verão de 2022 no Hemisfério Norte deixa evidente como as dificuldades com as questões climáticas podem afetar os agricultores e todo o ecossistema. A Europa, por exemplo, enfrentou uma das piores secas dos últimos cinco séculos, responsável por prejudicar as safras por todo o continente.

China e Estados Unidos foram outras potenciais que sentiram os efeitos deletérios das alterações climáticas em suas produções devido às secas e altas temperaturas. Não é por acaso que a cadeia produtiva de alimentos foi assunto da COP27.

 A insegurança alimentar no Brasil

Dados da FAO indicam que, no Brasil, Entre 2014 e 2016, por exemplo, a insegurança alimentar atingiu 37,5 milhões de pessoas, dentre os quais quase 4 milhões estavam na condição mais grave.

Esses números evidenciam uma piora alarmante no país. Em que mais de 60 milhões de pessoas sofreram com a insegurança alimentar entre 2019 e 2021. Dentre esses, mais de 15 milhões de brasileiros vivenciaram a insegurança alimentar no estágio severo.

O papel do agro no combate à insegurança alimentar

O setor agropecuário brasileiro se destaca dos demais por sua resiliência em períodos de crise econômica e financeira – fenômeno ainda mais evidenciado durante a pandemia. Dessa forma, o segmento lidera e protagoniza ações em prol da inovação e da sustentabilidade, dando suporte à segurança alimentar no Brasil e no mundo.

Um bom exemplo da capacidade de produção do agro brasileiro é a produtividade das safras de grãos. Atualmente, o Brasil é responsável por 40% da produção da soja de todo o mundo,  proporcionando mais de 140 milhões de toneladas da commodity. O país também se destaca na produção de suco de laranja, pois é responsável por 69% de toda a produção global.

Em 2020 e 2021, o PIB do agronegócio alcançou recordes sucessivos. Entretanto, em 2022, o PIB do setor recuou nos dois primeiros trimestres, devido às reduções de margem na cadeia agropecuária frente aos aumentos de custos e redução dos preços das commodities agrícolas. Ainda assim, o agronegócio segue compondo mais de um quarto do PIB brasileiro.

Cooperativismo como protagonista

O cooperativismo agropecuário brasileiro é peça-chave para proporcionar segurança alimentar. através da reunião e organização de produtores rurais para fortalecer o poder de escala e a atuação no mercado, as cooperativas agropecuárias atuando em todos os elos da cadeia do agronegócio, de insumos até comercialização, passando pela industrialização, armazenagem e produção.

Além de fortalecer o caráter socioeconômico no campo, apoiando os produtores rurais  e o meio em que estão inseridos, as cooperativas do Ramo promovem o bem-estar alimentar da sociedade como um todo. A análise econômica sobre os desafios para a segurança alimentar elenca cinco frentes de atuação do coop nesse sentido:

  1. Originação: fomento à tecnologia, assistência técnica e extensão rural (cerca de 9 mil técnicos);
  2. Agroindustrialização: agregação de valor e maior controle de qualidade dos produtos;
  3. Insumos: acesso a semenstes, mudas, fertilizantes, defensivos, rações e demais insumos;
  4. Armazenagem: extensa capacidade de armazenagem (acima de 25% em todo o Brasil);
  5. Comercialização: acesso a mercado e redução de assimetrias.

Atualmente, ao todo, o cooperativismo agropecuário conta com mais de 1 milhão de produtores rurais cooperados no país distribuídos em 1.170 cooperativas.

 O coop na cesta básica

A importância das cooperativas agropecuárias é evidenciada pela participação que elas têm na originação dos produtos que compõem a cesta básica. A oferta de arroz, feijão, carne, legumes, ovos, leite e café, para citar somente alguns produtos, conta com uma enorme participação do cooperativismo.

As cooperativas são responsáveis por aproximadamente de 53% da safra brasileira de grãos, com presença relevante em importantes cadeias produtivas. Além disso, elas promovem a capilaridade em redes produtivas de fruticultura, horticultura e demais cadeias de origem vegetal e animal.

Confira a participação das cooperativas agropecuárias na segurança alimentar a partir da proporção delas na produção de elementos centrais da cesta básica:

  • Trigo: 75%
  • Café: 55%
  • Milho: 53%
  • Soja: 52%
  • Suínos: 50%
  • Leite: 46%
  • Feijão: 43%

Desafios e tendências para o cooperativismo agropecuário

Diante de tamanha importância que o cooperativismo brasileiro agropecuário tem para a segurança alimentar não só brasileira, mas também global, uma série de desafios se impõem.

Listamos, portanto,alguns pontos de atenção para o desenvolvimento do Ramo. Veja:

  • Produtividade: com o aumento constante da demanda por alimentos a produtividade é o grande desafio do campo. Para isso, o agro está adotando novas técnicas e tecnologias de forma a otimizar a produção de alimentos.
  • Competitividade: o cooperativismo agropecuário brasileiro também deve se manter forte enquanto modelo de negócios, para que possa competir tanto no mercado interno quanto nas exportações, retornando em prosperidade econômica, social e ambiental para os cooperados.
  • Infraestrutura e conectividade:o campo está passando por uma transformação digital importante, e o cooperativismo precisa estar na vanguarda desse processo. O potencial da inteligência artificial, da internet 5G e da robótica autônoma, por exemplo, é grande e pode contribuir com a produtividade e a competitividade. A boa notícia é que as cooperativas estão inovando e aderindo às novas soluções tecnológicas.
  • Crescimento sustentável: o cooperativismo precisa seguir crescendo enquanto negócio e se adaptando às realidades econômicas e mercadológicas, mas sem deixar de lado seus princípios e propósitos democráticos e sustentáveis.
  • Agenda ESG: por mais que o ESG esteja presente no DNA do cooperativismo, ele está se tornando cada vez mais relevante nos negócios. O campo enfrenta uma série de desafios em relação à agenda ESG, sobretudo em relação ao seu impacto ambiental, porém sem abrir mão do caráter social e econômico, que engloba a segurança alimentar.

Diante dessa miríade de desafios, o cooperativismo agropecuário desponta como um ator cada vez mais forte e importante no cenário de segurança alimentar.

 Conclusão

Em um contexto global onde o enfrentamento à insegurança alimentar é prioridade, o cooperativismo agropecuário brasileiro cumpre um papel fundamental.

O aumento da fome e da desnutrição é um problema multifatorial potencializado pela pandemia. Sendo assim, a produção de alimentos representa um ponto central nas estratégias de enfrentamento à insegurança alimentar.

A partir desse cenário, um grande espaço se abre para que as cooperativas agropecuárias brasileiras possam ocupar cada vez mais o mercado de forma qualificada. Tudo isso enquanto atuam focada nas exigências e padrões globais a exemplo da rastreabilidade, eficiência e sustentabilidade da produção.

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