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Cafés especiais

Caparaó levou todas as origens brasileiras para a SIC

O pioneirismo se deve ao território compreendido entre Espírito Santo e Minas Gerais

por Leandro Fidelis

em 20/01/2023 às 14h22

12 min de leitura

Caparaó levou todas as origens brasileiras para a SIC

*Fotos: Leandro Fidelis/Imagens com direito autoral. Proibida reprodução sem autorização.

A presença dos cafés capixabas no início dessa linha do tempo da SIC se restringia, ainda timidamente, à participação no COY, mas sem uma representação institucional do Espírito Santo no maior evento da cafeicultura do país. Levantar bandeiras das origens produtoras é algo bem recente na história da Feira. E o pioneirismo se deve ao território compreendido entre o Estado e Minas Gerais, o Caparaó.

Ainda é motivo de orgulho a iniciativa de um grupo de 12 famílias, sob a liderança da produtora e empresária Cecília Nakao, que desafiou a lógica industrial original do evento para imprimir definitivamente o verniz humano que tornou a SIC no que é hoje. Em 2014, essas pessoas investiram em um stand de 14m², com a marca “Montanhas do Caparaó”, para divulgar a origem produtora que viria a conquistar sucessivos prêmios na SIC a partir daquele ano.

“Os produtores tinham receio de vir a um local com tanta ostentação. Outras feiras do mundo são muito mais simples, não tem esse luxo da SIC, por isso andávamos juntos e uniformizados. O Caparaó era muito conhecido por andarmos  em bando”, recorda Cecília. “Os produtores vieram com a cara e a coragem e eles próprios pagaram a decoração do espaço”, completa a analista do Sebrae/ES, Kelly Premoli.

O professor do Ifes campus Alegre e orientador da Caparaó Júnior, João Batista Pavesi Simão, também tem lembranças dessa época. Ele conta que ficou por dentro da importância da SIC durante a busca da região pela Denominação de Origem (DO). “Em 2014, fizemos o diagnóstico da região para efeito de uma Indicação Geográfica (IG). O projeto ‘Grãos do Caparaó’ estava acontecendo, envolvendo 110 famílias. A pesquisa permitiu consistência de 13 municípios na época, e não os 16 atuais, porque não sabíamos onde iria dar”, diz.

Um termômetro da capacidade de mobilização do entorno do Pico da Bandeira foi um evento promovido juntamente com o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) dentro do Parque Nacional do Caparaó. De acordo com Pavesi, a participação de 453 pessoas sinalizou que a região podia engrossar também a presença na SIC do ano seguinte.

“Com a adesão ao último evento, foi colocado: ‘vamos de novo para a SIC?’. Em 2015, com apoio do Sicoob Credisudeste (Muriaé-MG), ampliamos o stand para 12m², daí já veio plotagem, proposta de trazer cafés de mais produtores e inovamos ao ser o primeiro stand a promover um cupping”, afirma o professor.

E esse episódio merece destaque à parte. A primeira degustação de cafés realizada no contexto da Semana Internacional do Café, considerada excelente oportunidade de negócios junto aos compradores durante o evento, também mostrou o pioneirismo do Caparaó e contaminou outras origens produtoras do país na promoção dos seus cafés. “Era uma mesinha de 1,20m de comprimento, sobre a qual conseguíamos colocar quatro cafés por vez sob assistência dos nossos alunos. Inicialmente, dois alunos do Ifes treinados e, hoje, são 14”.

Nos dois primeiros anos de adesão à SIC, Pavesi destaca que a pesquisa para validar a candidatura à IG foi concluída (concedida pelo INPI em 2021) e diversos outros eventos e concursos de qualidade realizados no período. Segundo o professor, até o ano passado, 229 cafeicultores do Caparaó conquistaram 503 prêmios, sendo dois destes de campeão consecutivo do “Coffee of the Year”, em 2014 e 2015, por Clayton Barrossa Monteiro, de Alto Caparaó (MG).

A região antes conhecida pela qualidade inferior dos grãos de arábica, chegou chegando na principal feira do setor de cafeicultura do país. O Caparaó abriu caminho para outras origens produtoras capixabas, a exemplo das Montanhas e do Conilon (em detalhes na parte 3 desta série especial), dos Robustas Amazônicos e da Bahia. Mais recentemente, o Amazonas e o Ceará vivem experiências semelhantes a dos capixabas no passado, promovendo movimentos genuínos de representatividade na SIC.

Imagem de um dos primeiros stands promocionais na SIC. (*Foto: Divulgação)

 

‘As origens serão fortalecidas nos próximos dez anos’

Cecília Nakao, produtora e porta-voz dos cafés especiais do Caparaó

Nossa visão não é de fora para dentro. A gente vem para a SIC, faz e acha que faz bem. Completa a missão, consegue entregar, mas não temos tanta ideia da repercussão. Isto depois vamos obtendo ao longo do ano. Mas as nossas ações no stand repercutem quando visitamos as cafeterias. Uma coisa muito interessante que ouvimos foram dos donos de cafeterias de Brasília: ‘agora faz sentido a SIC com o Caparaó levando produtores’. Foi muito legal esse tipo de feedback.

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A outra ponta da cadeia do café está gostando e vamos continuar, colocamos mais temáticas, a exemplo da sucessão familiar. Passamos a trazer os filhos para verem a notoriedade dos pais no COY e sentirem que o Caparaó estava sendo reconhecido.

Teve um ano também que começamos a trazer cafés torrados pelos próprios produtores e colocamos como temática ‘83 com Afeto’. O Caparaó tem fama de ter cafés muito bons, mas temos cafés bem honestos e legais, com pontuação mediana, que trazem narrativas. A SIC é uma capacitação para o produtor fazer uma narrativa dele, da família e da região.

Em 2022, quis trabalhar com 14 origens diferentes e propus fazer essa apresentação para empresas compradoras de café e entidades que lidam diretamente com café especial (BSCA, Apex, Abic e Sebrae). Algo em conjunto para mostrar nosso café lá fora, não somente aqui no Brasil, com muita informação sobre essa diversidade.

Fico feliz porque a cada ano criamos uma nova modalidade de trabalho na SIC e sempre investindo na capacitação do produtor. Em 2019, trouxemos Hugo Wolf, que provou todos os cafés torrados e deu aula de degustação de cada café.

Nos próximos dez anos, as origens serão fortalecidas. A porta vai se escancarar na SIC. Vamos falar de origem controlada, não só de uma região, mas origem com controle e certificação, protegendo sua marca e certificando a qualidade do café e como foi feita a produção, entregando rastreabilidade. Isso vai fazer bastante sentido na próxima década. Até porque na pandemia as pessoas passaram a ficar mais preocupadas com o que estão consumindo”.

 

‘O senso de coletivismo do Caparaó é impregnante’

Kelly Premoli Machado, analista  do Sebrae/ES

O Sebrae já tinha um stand institucional quando 12 famílias de produtores do Caparaó compraram um espaço na SIC em 2014. Mas no ano seguinte, com apoio do Sicoob Credisudeste, passamos a trabalhar as origens capixabas e ficou mais claro quem era o Espírito Santo na cafeicultura.

A participação do Sebrae/ES na SIC era institucional. A gente até usava a marca ‘Origens Capixabas’, nome do projeto na época, mas não tinha tanto o envolvimento dos produtores. Estes passaram a interagir e opinar no stand. E o Caparaó foi liderança. Trouxe os produtores do Brasil para a SIC. Era um stand de esquina, pequeno, com fotos belíssimas, uma iniciativa privada, mas com orgulho que a gente tem desse território.

Uma outra coisa: o senso de coletivismo do Caparaó é impregnante. E na minha opinião, acaba movendo pela inveja boa outras origens também. Primeiro, só as famílias. E depois, com stand das origens. Mais adiante, começamos a trabalhar as origens dentro do stand do Sebrae porque o projeto de turismo da entidade abraçou essa história.

Viemos para cá e trouxemos a campanha ‘Beba um Caparaó’ para despertar o senso de pertencimento. Foi uma sugestão de um consultor que disse: ‘isto não é um café, é um Caparaó’. E a campanha com o intuito de disseminar a cultura de beber um café melhor dentro da nossa própria origem virou a camisa que usamos todos juntos no último dia da SIC, na cerimônia de premiação do COY. Tanto que no segundo ano da iniciativa vimos outras origens brasileiras copiando.

Em 2019, a temática foi ‘ES, uma terra, origens diversas’. A região vai se reinventando e trazendo novidades. O Caparaó foi o primeiro a fazer. É inovador na simplicidade de recursos que dispõe e porque trouxe os cafeicultores para a SIC.

Como desafios contemporâneos, temos lançamento da IG e a disseminação do branding (marca, conceito da IG). Vamos trazer isso para os produtores e pensarmos, juntos, para onde vamos, falarmos uma mesma linguagem.

Outro aspecto é fazer com que o selo da IG seja usado, desejado, mas que o regulamento técnico seja seguido. O conselho regulador do Caparaó é muito exigente com qualidade, não vai abrir mão disso. Ao mesmo tempo, o desafio é levar informação e trazer mais produtores para esse contexto de conhecer, adotar os procedimentos e demandar o uso do selo. É a forma que o mercado tem de reconhecer nossa origem.

E mais interessante, é que tem produtores que não precisam de selo da IG. Eles são a própria personalidade do Caparaó. É uma terra de muitas referências, pessoas que não precisam de selo pra vender, pois são os embaixadores do Caparaó. Eles certificam o café deles pela personalidade que são, pelo zelo que têm e pelos prêmios que conquistaram. No entanto, a gente sempre fala em Caparaó enquanto promessa. Quem é a promessa hoje? Quem hoje produz qualidade e precisa de capacitação para continuar e ser um futuro Clayton?

Às vezes, não vai chegar nesse estágio, mas terá consistência de produção e vai conquistar espaço no mercado de cafés especiais. Produzir é desafio, mas vender é com pé no chão, sem insuflar preço e ego. A gente está caminhando para a profissionalização da Apec (Associação dos Produtores de Cafés Especiais do Caparaó) enquanto instituição gestora e uma comunicação mais estreita com o produtor para que ele se associe ou se sinta representado e se reconheça na Apec mesmo não sendo associado-contribuinte”.

 

‘Concurso com premiação em dinheiro estimula a vaidade’

João Batista Pavesi Simão, professor do Ifes Alegre e orientador da Caparaó Jr.

Depois de traçar a trajetória do Caparaó na SIC (trecho nesta reportagem), Pavesi conta que, em 2017, a origem produtora já estava com um “stand mais pujante” e foi quando o Governo do Espírito Santo “descobriu o que estava acontecendo. Não havia política de governo para os cafés do Caparaó. Começaram a dar apoio aos seus servidores para realizar mais treinamentos e despertaram da necessidade de estarem presentes na Feira, algo já percebido por Rondônia, onde a política para café é exemplar. Só para ter ideia, o concurso daquele Estado sorteia um trator grande para o vencedor. O Espírito Santo tem limitação de área, mas dá show em tecnologia em vários aspectos. No entanto, o governo local demorou a acordar para a qualidade de bebida, o que já vinha acontecendo em Minas há mais tempo.

Voltando para a SIC, foi a forma que o Caparaó encontrou para promover mais e mais produtores, e não a entidade. Temos hoje 120 produtores da região que estão indo em ônibus coletivos, fretados ou de parceiros, de vans no bate e volta, de veículos próprios.

Concursos que premiam com rodada de negócios, leilão, divulgação em mídias… este é o concurso! (se referindo ao COY). A SIC não paga um centavo e pergunta ao Caparaó qual o melhor concurso brasileiro? Tem relacionamento envolvido, valorização de pessoas, tem garotos do Caparaó.

No cupping dentro dos stands, já vi negócios de R$ 4 mil a saca e não foi leilão. Produtor tendo que regrar a venda em quilo para ter mais compradores conseguindo ter aqueles lotes. Além disso, estudante também tem a oportunidade de conhecer o futuro patrão”.

 

‘A sucessão dos Lacerda está feita’

Afonso Donizete Lacerda, produtor do Caparaó e campeão do COY 2016.

Éramos quatro famílias. Juntamos e formamos uma sociedade, que era o ‘Montanhas do Caparaó’, para mexer com café torrado e moído na SIC de 2014. Todo mundo com uma dificuldade danada… Compramos um espaçozinho pequenininho e viemos para cá. Foi ali onde tudo começou. Vimos todo aquele movimento e nunca mais paramos.

Depois fizemos parceria com o Sicoob Credisudeste e o Sebrae/ES e só foi crescendo o movimento de produtores do Caparaó e com isso também a SIC, com produtores de outras regiões fazendo os seus movimentos e os levando para a Feira. Assim, a SIC se transformou em um evento para produtor, e não somente para a indústria como era no passado.

Na SIC de 2015, assisti à premiação do Clayton no COY e saí daqui pensando: ‘vou voltar e trabalhar direito para colocar uma amostra para competir ano que vem bonito’. E, no ano seguinte, subi ao palco como campeão. Aquilo foi maravilhoso!

Pelo que vejo, a sucessão familiar dos Lacerda está feita. Já podemos retirar o time de campo. Tem gente para substituir e carregar o nome da família na altura que carregamos. Sempre falo para os mais jovens: ‘hoje é muito mais fácil para vocês, a gente não tinha nome e teve que buscar e fazer’. Agora temos visibilidade, basta eles terem trabalho e dedicação para continuar. São jovens muito esforçados, acredito que o caminho está aberto e nós vamos continuar essa potência que o Caparaó é aqui na SIC”.

Acho que todos os atores, cooperativas e associações, tiveram papel importante na introdução do produtor de café na SIC. Hoje, o ator principal é o produtor. O mérito é todos deles, mas nos sentimos pertencentes a esse processo de inclusão dele aqui. A cooperativa de crédito deu esse apoio, pois eles são associados desde o início. E a gente tem que cada vez mais reforçar esse trabalho de trazê-los, porque aqui estão os holofotes dos cafés especiais. Devemos virá-los para a nossa região do Caparaó”. Clodoaldo Heitor (gerente de negócios do Sicoob Credisudeste)

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