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Cafés especiais

SIC: como os cafeicultores carimbaram o passaporte na principal feira do Brasil

Visto definitivo: Nas primeiras edições da Semana Internacional do Café, o elo mais forte, e também mais frágil da cadeia, não tinha representatividade no espaço até então dominado pelos executivos

por Leandro Fidelis

em 20/01/2023 às 13h53

9 min de leitura

SIC: como os cafeicultores carimbaram o passaporte na principal feira do Brasil

Foto: Divulgação SIC-Alexandre Rezende/ NITRO.

É difícil imaginar que os cafeicultores capixabas e de outros Estados, hoje sob os holofotes da Semana Internacional do Café (SIC), em Belo Horizonte, não participavam das primeiras edições da Feira. Foi assim no início do principal evento de promoção do café brasileiro para o Brasil e o mundo, antes de 2013, em São Paulo. O elo mais forte, e também mais frágil da cadeia, não tinha representatividade no espaço até então dominado pelos executivos das grandes indústrias do setor.

Uma das idealizadoras da SIC, a jornalista Mariana Proença, lembra que os eventos antecedentes na capital paulistana- o primeiro em 2006, no Espaço Café Brasil- não tinham conexão com os produtores.

“Era uma feira totalmente voltada ao food service, que apresentavam, no máximo, o café finalizado, torrado. Ninguém sabia quem produzia aquele café. Não se conheciam regiões produtoras como atualmente, só os Estados”, conta.

A virada, segundo ela, foi quando o evento fez voo solo no segmento do café, em 2011, ainda em São Paulo, no Anhembi. No entanto, só em 2012, último ano da feira na maior metrópole do país, no Expocenter Norte, é que a organização começou a entender a necessidade de a cadeia do café estar presente como um todo. E isto significava incluir os cafeicultores.

A trajetória do Espírito Santo, maior produtor nacional de conilon, começa desde os eventos pré-SIC, destaca Mariana.

“Para acessar esses produtores, passamos a ter atrações como os cuppings, trazendo os cafés para serem provados. Mas mesmo assim eles não queriam ir, porque achavam São Paulo algo perigoso, inseguro… Só iam alguns cafeicultores paulistas e mineiros da divisa com o Estado, mas não os capixabas”.

A solução foi “Maomé ir à montanha”, literalmente, como veremos em outra reportagem desta série. A organização passou a ter embaixadores do projeto no Espírito Santo para iniciar um trabalho de base. Mariana Proença e outros organizadores passaram a visitar eventos regionais e entender os “braços governamentais” envolvidos na causa dos cafés especiais no solo capixaba.

Uma passagem marcante foi o lançamento de um guia de preparo de cafés especiais, desenvolvido pela barista e mestre de torra Paulinha Dulgheroff, de Uberlândia (MG), juntamente com o Sebrae, que atraiu os capixabas para o evento promovido pela Findes, em 2016, em Vitória. A profissional levou métodos de preparo aos produtores, que “começaram a ficar seduzidos”.

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“Foram várias ações juntamente com esse guia. Daí o Sebrae e outras instituições passaram a olhar o Espírito Santo mais como Estado produtor. Porém, quando a SIC veio para BH, em 2013, os capixabas ainda não enviavam amostras”, lembra a jornalista.

O movimento de mobilização dos cafeicultores foi persistente. E culminou com a inscrição das primeiras amostras de arábica das Montanhas do Espírito Santo no ano seguinte no “Coffee of the Year” (COY- Melhor Café do Ano), o Oscar da cafeicultura nacional, um dos pontos altos da programação da Semana Internacional do Café.

Para Mariana, a realização do Encafé (Abic), em Guarapari, também foi importante nesse processo, uma vez que a indústria foi até Domingos Martins, Venda Nova do Imigrante e Marechal Floriano, na região Serrana. “Os produtores começaram a perceber que deviam estar relacionados a essas instituições. Eu acredito que as coisas vão se conectando. Um ia falando para o outro dos cafés do Espírito Santo e a presença dos cafeicultores capixabas na SIC foi no boca a boca”, afirma.

*Fotos: Leandro Fidelis/Imagens com direito autoral. Proibida reprodução sem autorização.

‘Não tem quem não saia da SIC com a autoestima alta’

Evair de Melo, deputado federal, soma 30 anos na área de cafeicultura e é considerado um dos 12 melhores degustadores do mundo

A SIC foi uma inovação brasileira. Nós tínhamos uma feira de café nessa mesma linha que acontecia dentro da Fispal de São Paulo, a maior de alimentos do Brasil e da América Latina. E tinha o Caio (Alonso Fontes) e a Mariana (Proença), ligados à Café Editora e mentores desse grande negócio, que começaram a sonhar um projeto há 12 anos para que o Brasil tivesse uma feira como acontece hoje. Mas era um desafio. Primeiramente, ser em BH. Não tínhamos tradições de feiras desse porte fora de São Paulo.

Foi uma visão corajosa, mas achavam que não ia atrair negócio. Era tudo muito novo nas duas primeiras. Claro que foram feiras de passeio. A gente vinha passear! Foi preciso convencer o governo mineiro, o Sebrae, as cooperativas, mas sempre aquela dúvida: será que vai? O que colocar na Feira? Será que as pessoas virão? Os produtores vão entender? E a SIC foi ganhando credibilidade e percebo que ficou sem um dono, todo mundo se apropriou.

De modo que a Feira hoje não é só uma coisa. Aqui tem centenas de coisas. Está ganhando confiança, a organização é fantástica. Tudo cabe aqui dentro! Toda ideia que você traz, a diretoria absorve. Este é o mérito que enriquece a SIC, não tem um modelo engessado. São dez anos de caminhada e ela se consolida agora. A vida diz que tudo precisa de 10 mil horas de repetição.

A SIC ganhou maturidade e, nos próximos anos, já ouvi que o desafio é trazer o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), grandes empresas exportadoras, investimento para atrair o maior número de gringos para ampliar negócios. É uma feira de vitrine, onde máquinas e governos evoluíram muito. O grande evento de café do Brasil é a SIC, que não perdeu a essência, que são os cafeicultores. Não poderia avançar numa frente e perder noutra. Conseguiu manter os cafeicultores nas premiações. Todo mundo quer vir para cá colocar o carimbo da SIC.

Se antes era uma feira de curiosidades e integração, nesta 10ª edição estou impressionado com o público acima do esperado. O mais importante é a lista de espera de participantes. Tínhamos os concursos estaduais, a Abic, Illycaffè e a BSCA tinham os seus, e a SIC, em vez de só reproduzi-los, trouxe novas inteligências de negócios: o COY, concursos de microlotes, de baristas, de torrefação, o Florada Premiada… Isto permitiu falar com outros públicos. E trouxe o robusta. O trabalho de qualidade com conilon tem 15 anos e começa a ganhar respeito.

As pessoas se sentem aqui representadas. Não tem aquela frieza do mundo dos negócios. É um passeio num parque de diversões. Não tem ninguém que venha aqui que não saia com a autoestima alta. Produtores que não conseguiam se ver em outro cenário se enxergam aqui dentro e agregam ao evento. Antes tinha meia sala de prova, hoje todas as regiões produtoras têm sua própria. Isso passa imagem boa”.

 

‘Todos os frutos colhidos provêm de um esforço conjunto’

Karla Fernanda Cardoso, analista do Sebrae/ES

A força dos cafés dentro da SIC surgiu em 2013 quando o Sebrae/ES, juntamente com vários parceiros, incluindo secretarias de agricultura, começou a articular ações para o fortalecimento da nossa cafeicultura. Nós éramos o ‘patinho feio’ da história da cafeicultura do Brasil. De lá pra cá, o Sebrae/ES, com seus parceiros e apoio do Sebrae Nacional, na pessoa da Carmem Lúcia, obteve apoio fundamental com recursos para desenvolver esse mega projeto no Espírito Santo.

Todos os frutos que a gente colhe hoje provêm de um esforço conjunto daquela época, quando todas as políticas e ações do Estado focavam um único norte no setor de cafeicultura. Se antes cada um fazia um pedaço isolado, o programa conseguiu concentrar, direcionar essas ações no mesmo foco.

A história foi assim. Era uma iniciativa do Bandes, que acionou o Sebrae, que procurou fazer com o ex-senador Ricardo Santos, que estava no Bandes. Sentamos eu e ele (na época o nosso diretor era o Rui Dias) e começamos a fazer o programa de fortalecimento da cafeicultura. A ideia inicial era apoiar com alguma linha de crédito, mas ganhou uma proporção grande. E perguntei ao doutor Ricardo: ‘qual o nosso sonho para isso aqui?’. Daí ele disse: ‘o meu sonho é tirar o Espírito Santo de patinho feio da cafeicultura brasileira’.

A gente fez todo esforço, mas não foi só o Sebrae. O Incaper criou programas específicos, a Faes deu toda assistência técnica e apoio com as capacitações, além da Seag, Sebrae Nacional, gerentes e diretores do Sebrae/ES que nos apoiaram. O resultado desta força em 2022 são mais de 200 produtores capixabas aqui entre missões do Sebrae, de parceiros, de empresas privadas, envolvendo as três origens produtoras. Uma das coisas que trouxe a presença de produtores foi o COY. Não tem premiação, mas divulgação e marketing enormes dos cafeicultores e ágio posterior ao evento. O COY é uma grande vitrine”.

A SIC é importante para o setor como um todo, principalmente por um fato simples: aqui a estrela é o produtor. Estamos num evento internacional onde conseguimos colocar em contato o produtor, origem de tudo, com a ponta final. E toda agregação de valor que acontece nesse meio do qual fazemos parte retorna para ele. Este ano, percebemos o quanto isso evoluiu. Estamos vendo um ‘boom’ de participação não só de produtores, mas de toda a cadeia sintonizada e com foco em qualidade. Um produto do nosso Estado que acredito, sem dúvida nenhuma, que vai deixar de ser muito commodity e passar a ser linha de café especial de alto valor agregado. A percepção é a melhor possível”. (José Roberto Fontes- ex-secretário de Estado da Agricultura)

A SIC é a oportunidade tanto do produtor quanto dos técnicos conhecerem novas máquinas e produtos, fazer novos contatos. Aqui o produtor tem capacidade de experimentar novos sabores, novas técnicas de beneficiamento de café. O Incaper completou 66 anos, sendo 22 como Incaper. Desde 2000, com a fusão da Emater e Emcapa, vieram as pesquisas que transformaram a cafeicultura capixaba. Temos referência em tecnologia de café conilon. Nesses dez anos de SIC, fomos campeões seis a sete vezes no mínimo. Isso mostra o quanto a gente vem se especializando em cafeicultura no Espírito Santo e, por isso, o Incaper tem hoje o Centro de Cafés Especiais (Cecafes), onde faz pesquisa, prepara e experimenta cafés. Os concursos capixabas passam pelo Cecafes”. (Lázaro Raslandiretor-presidente do Incaper)

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