pube
Anuário do Agro Capixaba

Café capixaba: intempéries, trabalho e novos mercados

Expectativa é de queda na produção, devido às significativas perdas na floração tanto do café arábica quanto do café conilon

por Fernanda Zandonadi

em 09/01/2024 às 6h27

12 min de leitura

Café capixaba: intempéries, trabalho e novos mercados

Foto: divulgação/CNC

A agricultura do Espírito Santo oferece ao Brasil e ao mundo o que há de melhor. E, se há uma cultura que se destaca, é a cafeeira. A produção de arábica, em 2022, ficou em 4.363 mil sacas, acima das 2.986 mil sacas colhidas em 2021. Esse número surpreende porque a área colhida foi menor em 2022: foram 143.305 hectares ante 151.584 hectares no ano anterior. A alta se respalda, portanto, na produtividade, que passou de 20 para 30 sacas por hectare. Os maiores produtores de arábica no Estado são Brejetuba (14,84%), seguido de Iúna (11,84%), Irupi (8,31%), Muniz Freire (6,82%) e Ibatiba (5,51%). 

O conilon, por outro lado, mostrou aumento de área colhida, produção e produtividade, um mix de sucesso para o cafeicultor. Em 2022, a área colhida ficou em 259.174 hectares, ante 248.858 em 2021. Já a produção passou de 11.140 mil sacas para 12.358 mil sacas e o rendimento médio também deu um salto, passando de 43 para 48 sacas por hectare. Os municípios que mais se destacam na cultura são: Rio Bananal, que responde por 6,70% da produção capixaba, seguido de Linhares (6,03%), Vila Valério (5,59%), São Mateus (4,81%) e Jaguaré (4,66%).

“Em 2022, tivemos uma produção razoável. Mas, para 2023, a expectativa é de queda. Isso porque, no meio do ano, ocorreram muitas perdas na floração tanto do arábica quanto no conilon. No caso do arábica, a bienalidade já era esperada, mas a perda maior foi por conta da seca. Já o conilon, além da falta de chuva, ocorreram ventos fortes que derrubaram as flores”, explicou o superintendente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no Espírito Santo, Leilson Novaes Arruda, ressaltando que o conilon floresce em agosto e setembro e o arábica, entre setembro e novembro.

A seca, segundo ele, atingiu o Espírito Santo do final de março até setembro. “O que nos preocupa mais é o El Niño. Ele ocorreu em 2016 e 2017 e causou queda na produção e há um receio de que o mesmo possa acontecer no ano que vem”, disse. 

Exportação

Mesmo com os reveses causados pelo tempo, a indústria a céu aberto, como é chamada a agricultura, ainda respira e busca novos mercados mundo afora. Neste ponto entra a Zona de Processamento de Exportação (ZPE) de Aracruz. Com área total de 50,2 hectares, é a primeira ZPE privada do país.

As Zonas de Processamento de Exportação são áreas de livre comércio destinadas à produção de bens para exportação e à prestação de serviços vinculados à atividade exportadora. Elas contribuem para o desenvolvimento local e para a diminuição das desigualdades regionais. A produção no espaço da ZPE, exclusivamente para exportação, garante às empresas isenção de IPI, Pis, Cofins e Imposto de Importação e AFRMM (Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante) na aquisição e importação de insumos e matérias-primas.

O Centro do Comércio de Café de Vitória (CCCV), entidade de classe que representa os exportadores de café do Estado do Espírito Santo, manifestou total apoio à instalação. Segundo o grupo, estimativas indicam que o consumo mundial de café deve crescer entre 1,5% e 2% anualmente, e os cafés conilon/robusta serão cruciais para suprir essa demanda em expansão. “O Estado do Espírito Santo, como o segundo maior produtor global de cafés robusta/conilon, precisa estar preparado para aproveitar plenamente essa oportunidade, o que envolve o desenvolvimento de sua infraestrutura logística”, informaram, em nota. 

Nos últimos anos, segundo o CCCV, o formato atual de operação portuária (cabotagem) e os altos custos portuários têm prejudicado a competitividade das exportações de café pelos portos capixabas, resultando em redução significativa dos volumes embarcados de conilon e arábica, apesar do aumento expressivo da produção estadual. 

“Nossa visão é de que a implementação de uma ZPE privada complementará outros elementos essenciais para o desenvolvimento da atividade exportadora de café aqui no Espírito Santo e acreditamos que essa iniciativa culminará com a criação de uma nova unidade portuária em Aracruz, contribuindo não apenas para as exportações de café do nosso estado, mas também para as dos estados de Minas Gerais e Bahia”.

 

Café e mudanças climáticas

 

O clima está doido”. A frase, dita com cada vez mais frequência, mostra que chuva demais em algumas regiões do país, calor demais em outras já interferem no agronegócio, especialmente no café. No Brasil, a temperatura aumentou nas áreas cafeeiras em 0,8°C e 1,5°C, segundo análise dos últimos 30 anos, especialmente entre os meses de junho e julho.

“Isso significa que a condição vai persistir e a temperatura pode aumentar ainda mais. Cada vez mais teremos eventos extremos, com ondas de calor e temperaturas elevadas. Observamos também que os meses de primavera têm sido mais quentes na região Central-Sudeste e junho e julho estão acima da média. Com o aquecimento – e a curva não mostra que vai baixar – vamos chegar sim a temperaturas mais elevadas nas áreas de café”, explicou o chefe do Serviço do Centro de Análise e Previsão do Tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Francisco de Assis Diniz.

Um estudo da revista científica Plos One, da Public Library of Science, investigou as condições de cultivo de três culturas: café, caju e abacate. As conclusões não são otimistas e vão de encontro às palavras de Diniz: o clima das áreas de cultivo mudará nos próximos 30 anos nos principais países produtores. Isso inclui, claro, o Espírito Santo e o Brasil.

A análise levou em conta as projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que estima aumento de temperatura entre 1,2 a 3°C até 2050. “Tais mudanças vão afetar diretamente a adequação climática das regiões de cultivo para as culturas e, portanto, podem causar deslocamentos nas regiões de produção ou exigir medidas de adaptação no manejo agrícola, como variedades mais tolerantes ao calor ou à seca”, diz o estudo, que estima uma redução das áreas mais adequadas para o cultivo em até 50%”. 

E a falta de chuvas, outro problema relacionado às mudanças climáticas, também mostra as caras nas análises das últimas três décadas. “No Espírito Santo, a diminuição foi de 10 milímetros para setembro e em outubro secou ainda mais. Temos em torno de 50 mm de queda em toda a área de café no país, com exceção do Norte do Paraná. Mas em Minas Gerais, Sul da Bahia e Espírito Santo, a chuva está atrasando”, avalia Francisco de Assis Diniz.

As mudanças apontadas pela publicação e por meteorologistas, no entanto, mostram que os locais mais altos (e mais frios), podem lucrar com a mudança. “Espera-se que apenas algumas regiões, especialmente nas fronteiras norte e sul das áreas de cultivo, lucrem com as mudanças climáticas (por exemplo, Sul do Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, EUA, África Oriental, África do Sul, China, Índia, Nova Zelândia) devido ao aumento das temperaturas mínimas do mês mais frio”, cita a pesquisa da Plos One.

 

 Preocupação de décadas

A busca por respostas a respeito do clima e do café não é nova. Segundo um estudo de 2001, chamado Zoneamento Agroclimático do Cafeeiro para o Estado de Minas Gerais, publicado pela Revista Brasileira de Meteorologia, temperaturas médias anuais para a produção do arábica oscilam entre 18°C e 22°C. A ocorrência frequente de temperaturas máximas superiores a 34ºC causa o abortamento de flores e, consequentemente, perda de produtividade. Além disso, temperaturas entre 28°C e 33°C provocam uma redução na produção de folhas e, consequentemente, na atividade fotossintética do cafeeiro.

Outro estudo, batizado de Clima e Cafeicultura no Brasil, “é menos preocupante do que o da Plos One“, mas foi produzido em 1985, época em que a discussão sobre as mudanças climáticas engatinhava. Nele, a indicação que que o café arábica, em um cenário climático pessimista (sem mitigação dos gases de efeito estufa), poderia perder, em 2070, cerca de 33% de sua área. “Os principais Estados produtores se tornariam de alto risco climático e, no futuro, a cultura poderia migrar para regiões atualmente mais frias, tal como o Sul do país”.

O clima do Espírito  Santo será outro

clima e agronegócio El Niño agricultura

Imagem: National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa)/divulgação

O climatologista Carlos Nobre está na linha de frente dos estudos sobre a devastação da Amazônia e seus impactos no clima global. Segundo ele, para manter o limite de aumento de temperaturas em 1,5°C (valor definido como limite pelos climatologistas no chamado Acordo de Paris), a tarefa é grandiosa, mas não impossível. Será necessário reduzir em 50% as emissões de carbono até 2030 e zerar as emissões até 2050.

“E se todos nós – e nem imagino aceitar essa trajetória – continuarmos a emitir muitos gases de efeito estufa, ou reduzirmos muito pouco, o Espírito Santo vai mudar totalmente. O clima será outro, e muito diferente do clima de décadas, séculos, milênios”.

Nobre salienta a necessidade de buscar a agricultura sustentável como forma de mitigar os efeitos das mudanças climáticas no Espírito Santo e no mundo. “Uma política de restauração florestal tornando a agricultura estadual muito mais produtiva e liberando áreas para a restauração florestal fará com que o Estado colabore para combater as mudanças climáticas. A restauração florestal não apenas  melhorará o clima do Espírito Santo, mas protegerá a biodiversidade, reduzirá os impactos dos eventos extremos e a temperatura, diminuirá inundações em cidades e áreas agrícolas e trará grandes benefícios para a agricultura do Espírito Santo. É preciso resiliência, adaptação, redução das emissões, uso de energias renováveis, que o Espírito Santo tem um grande potencial”, explica Carlos Nobre.

 

O semiárido avança

Frear as emissões de carbono a fim de limitar as mudanças climáticas “é o maior desafio que a humanidade já enfrentou”,  segundo Carlos Nobre. De acordo com ele, se o Acordo de Paris não for levado a sério, o Norte do Espírito Santo se tornará semiárido. E mais, o semiárido vai se expandir para o Sul e chegará a uma boa parte do Estado, o que vai impactar não apenas na cadeia cafeeira, mas em toda a produção agrícola.

E o processo começou. São 32 municípios capixabas na chamada área da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). A classificação é usada mais para definição de políticas de desenvolvimento do que para refletir processos climáticos. São municípios ao Norte do Rio Doce que, historicamente, têm alto índice de déficit hídrico anual e ainda não se enquadram na categoria semiárido.

No entanto, por conta da seca severa que se abateu sobre o Estado entre 2014 e 2017, foi elaborada uma análise sobre a alteração do clima capixaba. Se, até então, o Espírito Santo estava na borda do semiárido, em 2021, em função da atualização das normais climatológicas, seis municípios entraram na região do semiárido: Baixo Guandu, Ecoporanga, Itaguaçu, Itarana, Mantenópolis e Montanha.

Frio, calor, seca, chuva

Frio, calor, sol ou chuva. “Qualquer mudança climática é preocupante para o cafeicultor“. Segundo o professor e climatologista Luiz Carlos Molion, em uma palestra virtual a convite do Conselho Nacional do Café (CNC), para os próximos 15 anos ele observa uma menor frequência de El Niños fortes, com chuvas mais localizadas e tempestades isoladas. E concluiu, citando Francis Bacon: “Não podemos comandar a natureza, apenas obedecê-la”. 

“Se a temperatura passar do limite, pode comprometer o desenvolvimento da planta. Mas as soluções podem contribuir ou minimizar os efeitos da seca, favorecendo melhor desenvolvimento do sistema radicular, por meio do melhoramento do solo. Assim, a planta terá maior capacidade de absorção de água e nutrientes, fornecidos por fertirrigação. Há também a biotecnologia, com soluções constituídas à base de aminoácidos e extratos vegetais, que promovem   redução do estresse fisiológico da planta. Isso gera melhor desenvolvimento do vegetal, faz com que ele consiga desenvolver seus diferentes estados fenológicos, seja na fase vegetativa, reprodutiva ou na maturação da planta. Isso gera uma condição mais favorável para o vegetal expressar suas características genéticas”.

As palavras de Marcos Revoredo, phD em Ciência do Solo pela Unesp de Jaboticabal, mostram que a ciência já se movimenta de olho nas mudanças climáticas, em especial, em torno do estresse hídrico que pode afetar algumas regiões produtoras de café.

Segundo ele, o estresse hídrico tornou-se uma grande preocupação nos últimos anos, seja devido às mudanças climáticas ou, para algumas regiões, pela falta de uniformidade de chuvas. Por isso, as empresas e a pesquisa buscam inovações para conseguir superar essas adversidades.

“O melhoramento genético, trabalhado em diversas culturas, inclusive o café, busca ter melhor desenvolvimento do sistema radicular das plantas e fazê-la suportar melhor o estresse hídrico. Assim como existem pesquisas em manejo nutricional, para que as plantas tenham a capacidade de, antes do estresse hídrico ocorrer, fecharem o ciclo e ter um bom desenvolvimento”, explica.

“Quando falamos de seca, a pergunta que fazemos agora é: ‘qual o nível de estresse a planta suporta?’. Em alguns períodos que promovemos o condicionamento da planta, ela teve capacidade de superar o período de seca”, avalia.

DA MESMA SÉRIE

- Os impactos do El Niño para a agricultura- Um ano desafiador para a pecuária capixaba- Produção de madeira permanece estável no Espírito Santo- Pimenta-do-reino: história, cuidados e boas práticas na produção- As ações que podem recuperar a produção de maracujá no Espírito Santo- Produção de camarão-da-malásia cresce no ES, veja os desafios do setor- Mamão capixaba ganha os ares- Citricultura: produção de laranja avança no Norte capixaba

Clique aqui e receba as principais notícias do dia no seu WhatsApp e fique por dentro do que acontece no agronegócio!