Sistema ILPF pode transformar Rondônia em um “Eldorado” de grãos?
Sistema ILPF e suas variantes despontam como alternativa para melhoria do solo degradado do Estado
por Rosimeri Ronquetti
em 23/03/2024 às 8h20
9 min de leitura
A partir da década de 1960, para promover a integração da Amazônia ao restante do país, o governo federal criou vários projetos para incentivar a ocupação de Rondônia. Aos poucos, pessoas vindas de várias regiões do Brasil chegaram ao Estado em busca das promessas de um “Novo Eldorado”. Amplas áreas de florestas deram lugar à produção agropecuária, em especial, a pecuária bovina.
A retirada da mata e o fogo, usado para limpar o terreno, as condições climáticas da região amazônica, temperatura média anual elevada e inverno seco, que aceleram o processo de decomposição da matéria orgânica, associada à pecuária bovina explorada de forma extensiva, por anos a fio, aos poucos deixam o solo empobrecido, o que torna a atividade cada vez menos rentável.
É o que explica Pedro Gomes da Cruz, engenheiro agrônomo e pesquisador na área de pastagem na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Rondônia. “Rondônia vem de uma ocupação utilizando basicamente desmatamento e fogo, formação de pastagem com fogo. Hoje, essas áreas estão consolidadas, entretanto, onde só coloca boi ocorre uma perda de produtividade ao longo do tempo, tanto com exaustão química, pela extração de nutrientes do solo ao longo do tempo, quanto física, devido à compactação dos terrenos. O solo foi perdendo matéria orgânica e fertilidade, e sofrendo um aumento da acidez, acarretando a diminuição de produtividade e rentabilidade”, relata o pesquisador.
Estimativas da Embrapa, divulgados em 2015, apontavam que 70% das áreas de pastagem de Rondônia estavam com algum grau de degradação. Sete anos antes, a Embrapa inicia no Estado os primeiros experimentos do Sistema de Integração Lavoura-pecuária-floresta (ILPF), estratégia de produção sustentável que integra atividades agrícolas, pecuárias e florestais, em uma mesma área, em cultivo consorciado, sucessão ou rotacionado. O sistema também pode ser integração lavoura-pecuária (ILP), integração lavoura-floresta (ILF) ou ainda integração pecuária-floresta (IPF).
À medida que os estudos avançam e os experimentos se multiplicam, o sistema se revela uma alternativa viável para aumentar a produtividade da terra e reduzir os riscos de degradação. Pedro explica os benefícios e a importância do sistema para recuperação do solo. Segundo ele, o sistema ILPF está em franca expansão em Rondônia.
“Mais da metade das áreas de pastagem do Estado estão com algum grau de degradação e uma das alternativas para a reforma, recuperação ou renovação das pastagens é por meio do sistema ILPF ou suas variantes. O sistema constitui modelos de exploração do solo que, além de garantir produção de alimentos e madeira, atuam como recicladores de nutrientes, na estruturação física e aporte de matéria orgânica no solo, tornando-se, ele próprio, e o que produz sustentáveis. Os efeitos climáticos sobre o solo, nas regiões tropicais, são extremamente mais intensos e não se sabe de outra forma para protegê-lo, e, ao mesmo tempo, deixá-lo produtivo, senão a estratégia da ILPF”, garante Pedro.
O que dizem os produtores
A 360 quilômetros da capital, Porto Velho, em Machadinho do Oeste, o paranaense Giocondo Vale, que há 39 anos escolheu Rondônia para morar, vem fazendo história com o uso da ILP na Fazenda Don Aro. Pecuarista, Gil, como é conhecido, percebia a degradação do solo há anos, até que em 2010 decidiu criar estratégias e investir na recuperação da propriedade.
“Nosso solo era pobre em elementos e rico em acidez, ia diminuindo a produção e se degradando rapidamente. Eu via os índices decrescendo e começamos a criar estratégias e investir na recuperação da propriedade com princípios modernos da área agronômica, de forma lenta e gradual. E aí, não existe outra alternativa, senão a ILP”, conta o produtor.
Atualmente a Don Aro é 100 % preparada para integração lavoura pecuária. Ao todo a fazenda tem 1.600 hectares, 1.050 em produção, 625 com cultivo de soja, e o restante pecuária. São 1.020 animais em integração com a soja.
“Quando terminamos de colher a soja, a brachiaria já está plantada, criando sistema radicular para descompactar o solo de forma natural, sem máquinas, via sistema radicular das plantas. Daqui 75 dias a brachiaria já estará alimentado os bois, engordando boi a pasto, enquanto isso a matéria orgânica no solo aumenta de forma gradual, ciclo a ciclo”, relata.
Os resultados não poderiam ser melhores, tanto do ponto de vista econômico, quanto de melhoria no solo. Gil conta que hoje, além da produção de soja, que antes da ILP não existia, era só pecuária, tem mais animais em menos área do que há 14 anos. “Antes tinha 0,7 animal por hectare, hoje são três. Ganhamos em eficiência. A soja, que não era plantada por aqui, hoje colhemos 68 sacas por hectare“.
Os resultados apresentados por Gil, corroboram o que diz o engenheiro agrônomo, mestre em nutrição e alimentação de ruminantes e pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Paulo Moreira: “os pecuaristas que colocaram a lavoura nas áreas de pastagem degradada diminuíram a área de pasto solteiro e aumentaram o rebanho, com o aumento da capacidade de suporte da área que foi recuperada com a integração lavoura-pecuária. A depender da maneira de condução desta integração e do foco do produtor (lavoura ou pecuária) ele pode até quadruplicar o número de animais por hectare da pastagem”, salienta.
Já no solo, principal objetivo da forma de trabalhar, os resultados positivos aparecem ano após ano. De acordo com o produtor, o solo está mais rico, em toda sua estrutura, química e biológica. “Todo ano mais fósforo, potássio, cálcio e mais matéria orgânica, carbono fixado. O solo passa a ter vida expressiva pela melhoria cumulativa de matéria orgânica. Isso não é possível na agricultura convencional”, enfatiza.
A ILP também faz a proteção biológica do solo, uma vez que os resíduos da agricultura ficam no solo e ajudam na sua cobertura. Dessa forma, o terreno fica menos exposto à erosão, altas temperaturas e ao sol.
Mais Conexão Safra
Há cinco anos o grupo Rovema Agronegócios resolveu implantar o sistema ILP em duas de suas cinco fazendas. A agricultura passou a dividir espaço com a pecuária, primeiro na Fazenda Serra Verde, na BR 364 KM 45, na zona rural de Porto Velho, em 2019, e, desde 2020, na Fazenda Rio Madeira, na BR 364, distrito de Nova Mutum Paraná.
Nos 1.500 hectares da Serra Verde, dedicados à ILP, são cultivados em alternância, soja, milho e culturas forrageiras, sendo soja na safra e milho consorciado com capim brachiaria na safrinha. Na Fazenda Rio Madeira trabalham com milho e capim brachiaria em uma área de 700 ha.
Giovanna Ghedin, coordenadora de dados agropecuários da Rovema Agronegócios, conta que era notória a degradação do solo com o passar dos anos e o ILP, além de vários outros benefícios, está ajudando na melhoria e conservação do solo.
“O solo vai se ‘degradando’ com o passar do tempo, uma vez que se esgotam seus recursos naturais, e o sistema integrado de produção permite diversos benefícios para o solo. Nesse sistema, as forrageiras se tornam fundamentais, uma vez que possuem a capacidade de ‘ativação’ do complexo solo/planta. O incremento à fertilidade do solo, em decorrência da fixação biológica do nitrogênio, por meio da utilização de leguminosas, incorporam nitrogênio, fósforo e enxofre na matéria orgânica do solo e aumenta a atividade biológica. Além disso, melhorias químicas e físicas no perfil do solo, bem como o incremento de matéria orgânica e diminuição de plantas invasoras também foram notórios”, revela a coordenadora.
De acordo com Giovanna, na Fazenda Serra Verde já existem planos de aumentar a área de ILP.
Embrapa desenvolve cultivar de brachiaria para ILPF na região Amazônica
A BRS Integra é a primeira cultivar de brachiaria ruzierensis (syn. Brachigria ruzierensis) oriunda do programa de melhoramento genético conduzido pela Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora, MG. Paulo Moreira, responsável pela pesquisa, explica que a cultivar é indicada para o Bioma Mata Atlântica e recomendada para uso em sistemas integrados de cultivo ILPF. O objetivo, segundo o pesquisador, é a produção de palhada para proteção e conservação do solo.
“Essa cultivar foi desenvolvida buscando oferecer uma nova alternativa de forrageira para produção de biomassa seca (palhada) após a colheita do milho safrinha, para proteger e oferecer matéria orgânica ao solo até a próxima cultura de verão. Em resumo, ela ajuda na proteção e conservação do solo”, pontua.
Ou seja, continua Paulo: “produz mais forragem na entressafra das lavouras (época seca), justamente na época em que a forrageira estará solteira na área. E, a melhor qualidade de palhada leva a maior durabilidade no solo. Isso permite proteção mais duradoura do solo com incremento de matéria orgânica”.
A Fazenda Serra Verde, do Grupo Rovema, participa do experimento feito por Paulo. No início de março foram plantados nove hectares de milho, juntamente com a cultivar de brachiaria ruzierensis. O objetivo é avaliar o comportamento e desempenho da cultivar nas condições de solo e clima.
Giovanna explica que toparam fazer o experimento para conhecer outras cultivares de capim que possam ser usadas na integração e que, dependendo dos resultados, passarão a usar a novidade na fazenda. “São pautados por inovação tecnológica e o nosso principal objetivo é conhecer outras cultivares de capim para consórcio com o milho da integração. Se os resultados apresentados, após avaliar e testar essa variedade do capim Brachiaria, forem satisfatórios, vamos aderir à cultura ao sistema”.
Números:
Rondônia é o terceiro maior estado produtor de grãos da Região Norte. Soja e milho são as principais culturas agrícolas do estado, respondendo por 95,9% do total de grãos produzidos.
O rebanho bovino de Rondônia em 2021 era de 15,1 milhões de cabeças. Porto Velho, a capital, concentra o maior efetivo de rebanhos de Rondônia, com quase 1,4 milhão de cabeças, segundo o IBGE.
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