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Reportagem Especial

Movimentos religiosos transformam realidade de comunidades rurais

Associações criadas por comunidades com Sul do Estado, com apoio da igreja, evitam o êxodo rural e se tornam modelo para o Brasil e o mundo

por Rosimeri Ronquetti

em 18/06/2024 às 5h00

6 min de leitura

Movimentos religiosos transformam realidade de comunidades rurais

Foto: divulgação Comunidade Palmeiras

Em Feliz Lembrança, a dez quilômetros de Alegre, desde 2003 que o grupo de jovens da Igreja São José não se reúne somente para reflexão bíblica ou para preparar o culto dominical. Sob as bênçãos do padroeiro, se agrupam para pensar e traçar estratégias para o bem comum.

“O grupo de jovens da época tomou a iniciativa. Começamos organizando a igreja, animando as celebrações. Depois fomos para comunidade com mutirão, retirada do lixo e limpeza na casa dos doentes. As questões eram refletidas no grupo e se transformavam em ações no dia a dia”, conta Fábio de Souza Silva, que fez parte dessa história desde o começo e hoje é presidente da associação fundada na comunidade.

Em 2005, reativaram e regularizaram a Associação de Produtores e Moradores de Feliz Lembrança, criada em 1990, mas que não foi à frente. A associação foi a porta para projetos e políticas públicas. Com ela vieram os programas governamentais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), ambos de compra direta da agricultura familiar.

“Os agricultores começaram a acreditar e fazer parte ativamente, movimentando a comercialização da comunidade através desses programas. Começou a gerar um fluxo de recursos na comunidade. As pessoas produziam e comercializavam e aos poucos foi melhorando a renda das famílias. Hoje, a associação virou referência estadual e, me atrevo a dizer, que a nível de Brasil”, pontua.

Ainda segundo o presidente, a forma como a comunidade se organizou foi também um incentivo para os jovens permanecerem no campo. “Tivemos um período com êxodo rural muito forte, e isso diminui por consequência da organização comunitária e a chegada de políticas públicas favoráveis para que se mantivessem no campo. A igreja foi essencial, foi o pontapé inicial para tudo que construímos em Feliz Lembrança”.

Luciene Azevedo da Silva Abreu (51), faz questão de deixar claro que nasceu, cresceu, casou e criou os três filhos em Feliz Lembrança. Filha de um casal pioneiro na comunidade, sempre esteve muito envolvida com tudo o que acontecia por lá. Faz parte da diretoria da associação e sempre foi muito ativa na igreja.

A maior força da comunidade é a igreja, tudo começou por ela. Antes da associação a gente era fechado. Foi libertador para nós. Hoje sabemos onde entrar e como entrar de cabeça erguida. Agora conhecemos as leis, sabemos os nossos direitos”, relata Luciene.

Comunidade Feliz Lembrança vista do alto. Foto: divulgação comunidade Feliz Lembrança

A produtora conta que, antes e durante o processo de criação da associação e organização da comunidade, a ajuda de alguns padres que passaram pela Paróquia de Nossa Senhora da Penha, a qual pertence a igreja, foi essencial.

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“O padre João Batista Maroni foi um grande incentivador para a nossa comunidade. Nos mostrou que tinha um mundo diferente do que a gente vivia, e que a gente podia ter acesso a esse mundo. Mostrou que a gente tinha direitos. Depois veio o grupo de jovens e deu continuidade, além de outros padres que seguiram nessa mesma linha, como os padres Sérgio Mariano e Rogério Bebber, que apoiavam o encontro da Pastoral da Juventude Rural”, lembra a produtora.

No início da década de 1990, a cafeicultura capixaba passava por uma grande crise. O combo preço baixo do café, clima desfavorável e alto custo dos insumos, era desanimador. “O meu sentimento naquela época era que, ou a gente se unia, ou nós, produtores, acabaríamos abandonando as nossas propriedades. Eu percebia que era preciso fazer alguma coisa, mas não sabia como”, conta João Batista Machado (51), fundador da Associação de Moradores de Palmeiras (Amop), da comunidade de Palmeiras, em Mimoso do Sul.

Em meio a essa realidade, João Batista foi convidado pelo padre Ériton Luiz Cortat Nery para participar de um curso de formação de lideranças comunitárias  promovido pela Diocese de Cachoeiro de Itapemirim. Esse era o primeiro passo para a comunidade, que tem Santa Luzia como padroeira, também se tornar referência nacional e internacional.

De volta do curso que durou três dias, com o apoio dos produtores da localidade e da Emater, hoje o Incaper, criaram a associação. “A gente já tinha a parte religiosa consolidada, um time de futebol que sempre uniu a comunidade, mas a questão social a gente ainda tinha muita dificuldade. Tivemos o apoio da igreja, na pessoa do padre, que foi nosso grande incentivador, da Emater e dos moradores que acreditaram e se empenharam para fazer acontecer”, esclarece.

O presidente da Amop, Robson Rozino Alves (41), aprendeu com o pai, que também era associado, a importância do associativismo e hoje segue os seus caminhos. Robson é envolvido com as ações da comunidade, primeiro na igreja, depois no time de futebol e na associação, desde muito jovem.

“Podemos dizer que a fé e o associativismo andam lado a lado na nossa comunidade. Era na igreja que aconteciam as reuniões antes de a associação existir. A alegria do cristão é ver o próximo crescer junto, isso nos motiva e impulsiona a fazer tudo que fazemos com muita responsabilidade”, conta Robson, que também faz parte do grupo de música da igreja.

Além das melhores condições na compra de insumos e adubos e na venda da produção, o que se reverte em benefícios financeiros, a associação também permitiu a melhoria na qualidade de vida da comunidade em outras frentes. Fossas foram construídas, casas e quintais receberam melhorias, além do controle de queimadas, preservação de nascentes e melhorias na educação.

 

Panorama das comunidades:

Comunidade Feliz Lembrança

Aproximadamente 60 famílias, todas associadas;

242 moradores;

100% agricultura familiar;

Cultivos: fruticultura, café, palmito, mandioca, mel.

Produzem ainda: própolis, pó de café, polpa de fruta;

Equipamentos: cozinha industrial, laboratório de informática, trator, Fiorino e furgão para comercialização dos produtos.

Sustentada em 4 eixos: ambiental, social, religioso e econômico.

 

Comunidade Palmeiras

40 famílias;

110 moradores;

100% agricultura familiar;

Cultivos: Café Conilon, bananas d’água, terra e prata, cacau, uva, goiaba e plantando maracujá e mamão.

Equipamentos: cinco secadores, uma máquina de pilar café, um lavador separador, um despolpador, um caminhão e um centro comunitário.

 

 

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