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Reportagem Especial

Fazer o bem sem olhar a quem: nem a pandemia parou os voluntários (parte 2)

Produção de medicamentos fitoterápicos e bordados em Venda Nova do Imigrante aumentou no período mais crítico da Covid-19

por Leandro Fidelis

em 24/11/2022 às 14h00

9 min de leitura

Fazer o bem sem olhar a quem: nem a pandemia parou os voluntários (parte 2)

(*Fotos: Leandro Fidelis- Imagens com direito autoral. Proibida reprodução sem autorização)

Nem o vírus mais temido da atualidade foi capaz de interromper a atuação solidária dos voluntários de Venda Nova do Imigrante (ES). Mesmo impedidos de irem aos encontros tão típicos nas sedes das associações, por conta do isolamento, os grupos locais mantiveram a produção de bordados e fitoterápicos na pandemia.

Em 2020 e 2021, entidades como as Voluntárias Pró-Hospital Padre Máximo e a Associação Pró-Saúde do Centro Fitoterápico de VNI (Pastoral da Saúde) tiveram que se adaptar à nova realidade. O desafio era mobilizar os voluntários à distância para continuar servindo ao próximo e não deixar a chama da solidariedade se apagar na cidade.

O resultado não podia ser outro. Com o crescente número de casos de Covid-19, a produção de medicamentos à base de plantas medicinais aumentou 50% na Pastoral, assim como a dobrou de bordados e rouparia hospitalar nas Voluntárias para atender o Hospital Padre Máximo, que recebeu dezenas de pacientes no período mais crítico do surto da doença.

De acordo com Cila Betine, presidente da Pastoral da Saúde, com 60 voluntários, durante a pandemia aumentou a procura por xaropes e compostos para ansiedade. Em função de o trabalho dos voluntários se concentrar na sede da Associação, as equipes precisaram tomar todos os cuidados para evitar a contaminação pelo coronavírus e manter a produção dos fitoterápicos. E assim, chás, cápsulas, xaropes e outros medicamentos naturais puderam ser feitos como acontece desde o início, em 1989.

O trabalho voluntário da Pastoral da Saúde é referência nacional e até internacional. Angolanos, italianos e alemães já vieram fazer curso, estágio, pesquisas e levaram medicamentos para o seu país.

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O mineiro Thales Heleno Guimarães é farmacêutico voluntário da Pastoral há quatro anos. Por se identificar com a fitoterapia e ter se especializado na área, conta que ingressou na entidade se oferecendo para revisar todas fórmulas e adequá-las à legislação. “A fitoterapia é uma ciência que vem desde lá de trás quando não existia farmácia. Aqui mais aprendo do que oriento. O conhecimento de todos que prestam serviço aqui é inquestionável”, diz.


Dimensão Solidária: o voluntariando em domicílio

A Dimensão Solidária é um braço voluntário da Pastoral da Saúde de Venda Nova que realiza visitas semanais aos enfermos em domicílio. Atualmente, a iniciativa conta com 30 voluntários.

Há quatro anos no grupo, Sandra Miranda (53) define sua participação como uma realização. “É uma benção você levar o carinho e as orações para os vovôs. É uma realização maravilhosa. A gente reza o terço, outros preferem leitura da Bíblia, mas eles gostam mesmo é da companhia, tomar café…

É muito gratificante. Faz mais bem pra gente que leva um sorriso, uma palavra, o ouvir. Às vezes, nem precisamos fazer nada, só nossa visita é muito importante. É um remédio para a alma. A gente leva essa alegria e recebe em dobro”, reforça outra Sandra, a Fonseca (49).

A aposentada Marta Tedesco (74) vai completar seis anos de Dimensão Solidária. Ela morava no interior de Castelo, outro município vizinho. Quando se aposentou, se mudou para Venda Nova para ser voluntária.

Queria me doar para fazer trabalho voluntário. Primeiro, fui ministra da Eucaristia. E, hoje, levo comunhão e acompanho o padre na unção dos enfermos. É gratificante chegar numa casa, ver uma família com uma mãe, um filho especial e um marido acamado, por exemplo, e levar consolo. Mesmo na pandemia, eu me prevenia e não deixava de visitar. Fui muito acolhida aqui e respeito moradores de outras religiões”.

Em muitos casos, voluntariar é uma herança de família. Que o digam Helen Delpupo (59) e Penha Andreão Delpupo (74), outras duas integrantes da Dimensão. “O voluntariado é herança dos nossos antepassados italianos. Quando chegaram aqui, tudo tinha que ser construído. Então, isso veio passando de geração para geração e foi criando essa corrente do bem”, diz Helen.

Penha se recorda das “panhas” de café, quando todo mundo se juntava e ajudava. Atualmente, ela dá expediente na Pastoral da Saúde, nas Voluntárias Pró-HPM e ainda na Festa da Polenta, onde contribui há mais de 30 anos. “Para mim, ser voluntária é tudo. Agradando a si mesmo e o povo. Junto com as pessoas nem sinto cansaço, trabalho feliz”.

Sandra Fonseca, Marta Tedesco e Sandra Miranda.


Instituto conecta 1.200 voluntários de 11 municípios

Alemã, que morreu em 200, deixou legado de solidariedade na Região Serrana capixaba

Venda Nova também é a sede de um dos projetos mais relevantes de voluntariado em nível nacional. Fundado em 2001, o Instituto Jutta Batista da Silva (IJBS) é uma organização sem fins lucrativos que atua com assessoramento a associações e grupos de voluntários em 11 municípios da Região Serrana do Espírito Santo, além de desenvolver projetos sociais voltados para crianças e adolescentes, geração de emprego e renda, resgate da cultura e do artesanato.

Com mais de 50 anos dedicados ao voluntariado, a atual superintendente executiva da instituição, Marlene Piazzarollo Zandonadi (67), é um nome respeitado no Terceiro Setor capixaba e recorda o desafio de manter os grupos de voluntários ativos durante a pandemia.

Faltou a questão de apego, carinho, encontro, autoestima… Poder sair de casa. Isso foi muito afetado. Voluntariar nas nossas associações não é só ir lá bordar. É a oportunidade de as pessoas poderem desabafar. É a parte mais importante do encontro do voluntariado”, explica.

Os bordados são a marca do IJBS e podem ser adquiridos em duas lojas “Da Tutte Mani” (“De todas as mãos”, em italiano): uma na Rota do Lagarto, em Pedra Azul; e outra na Rua de Lazer, em Santa Teresa. A venda dos trabalhos manuais de 1.200 voluntários de 23 associações já ajudou a erguer creches, escolas e Apaes a partir da década de 1980, quando a alemã que dá nome ao Instituto dedicou parte da sua vida às obras sociais locais.

O bordado é um instrumento de sustentabilidade. Todos os trabalhos que conseguimos vender são revertidos em obras sociais. É o que faz amizades, inclusão social e diminui o desemprego. Muitas pessoas que aprenderam a bordar como voluntários transformaram a atividade em fonte de renda”, afirma Marlene Piazzarollo.

“Ser voluntária para mim é tudo. É o que preencheu minha vida e preenche até hoje. Na ocasião da perda do meu marido, em 2021, se não fosse o voluntariado tão forte dentro de mim não sei se eu suportaria. Não só como terapia, mas o coração fica maior, palpita porque aquilo que você fez tão pequenininho causa tanto efeito. A saudosa Dona Jutta dizia: ‘na vida, o importante é partilhar alguma forma de amor’, mas infelizmente ainda nos esbarramos em realidades onde as pessoas acreditam que voluntariar é receber algo em troca. Nosso desafio é desfazer essa ideia”.

Atualmente, o IJBS conta com grupos de voluntários que só atuam em prol de hospitais, caso das Voluntárias Pró-HPM de Venda Nova; creches e Apaes, como vimos na primeira parte desta reportagem a Avapae. Em contrapartida com as prefeituras dos municípios da região, o Instituto busca recursos para as obras sociais sob a condição que os moradores formem grupos de voluntários para manter os projetos sustentáveis.

Para Marlene, o maior desafio ainda é a renovação da mão de obra doada nas comunidades atendidas. “Passamos muito tempo com dificuldade de recrutar gente nova, porque achava que voluntariar era trabalho de pessoas mais velhas. Acho que hoje, igual à Afepol (Festa da Polenta), tantos meninos novos trabalhando é exemplo para todos os grupos de voluntários”, analisa a superintendente executiva do Instituto Jutta Batista da Silva.

*Fotos: Divulgação

Qualidade de vida e conhecimento

Um dos projetos desenvolvidos pelo IJBS é o “Turma”, com atividades socioeducativas voltadas para cerca de 150 crianças e adolescentes com idade entre sete e 17 anos, residentes nas comunidades de Camargo, Bicuíba e São José de Alto Viçosa, no município de Venda Nova do Imigrante; e em São Bento e Vivendas, em Domingos Martins.

Atualmente, os frequentadores participam de oficinas de violão, inglês, informática, massas, kickboxing, xadrez e outros esportes, além de rodas de conversa sobre temas atuais, visitas a organizações e empreendimentos locais. O objetivo é integrá-los ao meio sociocultural, contribuindo para melhoria da percepção sobre respeito, autoestima, solidariedade, valores morais, entre outros.

A terapeuta emocional Andréia Amália Batista Contreiro (36) é mãe da Júlia (09), que faz oficinas de karatê e violão e frequentou as de robótica em Bicuíba. Para ela, o projeto “Turma” contribui em muitos aspectos para o aumento da qualidade de vida e do conhecimento dos participantes.

“É um vínculo, uma confiança muito grande que a gente tem no projeto. No momento em que minha filha está lá, me sinto segura para realizar minhas atividades do dia a dia porque sei tem profissionais comprometidos com o ensino e o cuidado com ela. Isso é muito importante para mim e a maioria dos pais. Sou muito grata pelo IJBS e por conseguir que minha filha faça parte dele”, disse Andréia.

Ela disse acreditar que a interação social e cultural no projeto é grande e pode transformar o mundo das crianças e adolescentes atendidos. “Pessoas que conseguem perceber o valor da arte conseguem ver o mundo muito melhor e mais colorido e só transmitir coisas boas. Talvez as crianças não teriam oportunidade de ter contato com o meio esportivo e artístico se não fosse o ‘Turma’. Todas as atividades com certeza vão fazer parte da história da minha filha, pois são muito positivas ao trazerem muito conhecimento”.

A terapeuta emocional Andréia Amália Batista Contreiro (36) é mãe da Júlia (09), que frequenta o projeto “Turma” na Bicuíba.

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