pube
Opinião

Quem vai vencer a corrida das agtechs?

por Valor Econômico

em 20/01/2022 às 16h57

8 min de leitura

Quem vai vencer a corrida das agtechs?

Na agricultura como serviço, o produtor não precisa comprar o drone e saber voar (Foto: Pixabay)

Por Octaciano Neto (head de agronegócios da EloGroup) e Guilherme Raucci (professor da FGV e especialista em transformação digital na agricultura)

A agricultura digital vem avançando rapidamente nos últimos anos e milhares de agtechs foram criadas. Só no Brasil, segundo levantamento do Radar Agtech 2021, existem 1574, divididas em várias categorias: análise laboratorial, crédito, genômica, controle biológico, IoT, automação, rastreabilidade, plantio urbano, etc. Desde 2009, os aportes realizados em Agtechs foram de US$ 160 milhões, segundo o Distrito Mining Report — Agtech 2021. O mesmo relatório destaca as maiores agtechs do Brasil: Solinftec, Agrosmart, SoluBio, Xmobots e GlobalYeast.

A indústria também passou a adotar estratégias voltadas para o fornecimento de soluções aos seus clientes, seja através de soluções proprietárias, seja através de investimentos em agtechs. Se olharmos para as indústrias do agronegócio, antes e depois da porteira, iremos observar que, majoritariamente, o desenvolvimento dos produtos digitais está sendo protagonizado pela indústria de insumos, ao lado, evidentemente, das próprias agtechs. As agroindústrias, que processam os produtos agrícolas, estão um pouco mais distantes deste novo mundo.

Existem ameaças digitais que estão colocando em risco o paradigma predominante no modelo de negócio gerador das grandes corporações vencedoras até então, o qual considera que intensos investimentos em P&D, marketing, forte base financeira e robusta equipe comercial seria suficiente para manutenção na liderança do mercado. Além disso, próprio modelo vem perdendo competitividade com as quebras de patentes, entradas de produtos genéricos, quebra de resistência das moléculas, falta de suprimentos, aumentos dos custos de produção e escassez de mão de obra.

A americana John Deere apresentou recentemente o primeiro trator totalmente autônomo (Foto: divulgação)

Na nova economia, o modelo tradicional não garante vida longa às empresas líderes. As indústrias tradicionais são pesadas, demoram a ajustar a proa. Mesmo com recursos e acesso rápido ao mercado. Estão buscando reagir.

Muitos executivos, com a melhor das intenções ou para apresentar “conexão com o novo mundo” aos acionistas e conselhos de administração, saem aportando muito dinheiro em soluções e produtos digitais. E muitos erros acontecem.

No outro lado, as agtechs têm agilidade e possuem um mindset de experimentação. No entanto, com poucos recursos apresentam dificuldade de aplicar e testar os seus produtos e serviços em casos reais, além das dificuldades em escalar a experimentação em várias empresas e/ou fazendas. Mas mesmo com tantos desafios de todos os lados, existe uma corrida do ouro, ou da agricultura autônoma e integrada.

A estrada deste mundo digital no agronegócio está só no começo. Outros setores da economia tiveram avanços mais rápidos, tais como bancos/setor financeiro e mídia. Olhando pelo copo meio cheio, é uma ótima oportunidade, pois há muita coisa para ser feita no mundo rural.

pube

São muitas as decisões que um produtor precisa tomar ao longo do ciclo produtivo de uma determinada cultura, ao longo da sua jornada diária na fazenda. A tomada de decisões de forma empírica, com base na tradição, na experiência prática, sem considerar comprovação científica, tem seus riscos. A assertividade reduz prejuízos ao produtor. A transformação digital no campo, materializada nestas soluções e produtos digitais, traz maior assertividade. Cria uma rotina data-driven.

No entanto, mesmo que estejamos no início da estrada (agricultura autônoma), um novo desafio se apresenta: excesso de soluções e produtos digitais. Em geral, as soluções ou produtos digitais que estão no mercado buscam resolver dores pontuais da jornada do produtor rural.

Com muitas soluções no mercado, o produtor não sabe qual escolher. Um mosaico tecnológico que faz lembrar Frankenstein. As soluções não se falam e o retorno do investimento às vezes é comprometido. O interesse em vender mais se sobrepõe às dores do cliente, no caso, dos produtores rurais.

Existe solução para recomendar a melhor semente, a formulação do fertilizante, o momento certo de irrigar, que otimiza o uso dos tratores e implementos agrícolas, outras dão crédito digitalmente, assim vamos numa lista interminável. Resumindo: milhares de soluções que buscam resolver dores pontuais da jornada do produtor rural. O problema: alguém aqui imagina o produtor entrando em 50 apps todos os dias?

Vale reforçar que o produtor tem uma jornada mais ampla do que só produzir: precisa comprar insumos, tomar crédito, vender a safra, etc. Os produtores desejam uma experiência personalizada.

Nesse contexto, vemos o surgimento de um novo conceito no agronegócio — o “farming as a service” ou “agricultura como serviço”. O modelo “as a service” já faz parte de nossas vidas há algum tempo e designa um novo modelo de consumo onde o consumidor final não precisa possuir os bens para usufruir do benefício. Alguns exemplos conhecidos são os aplicativos de transporte (queremos ir do ponto A ao ponto B, não preciso comprar um carro para isso), streaming de filmes e músicas (não preciso necessariamente comprar o DVD ou o CD novo) e por aí vai.

Na agricultura, já vemos exemplos claros desse modelo com cooperativas montando unidades de agricultura digital para seus produtores (o produtor não precisa comprar o drone e saber voar, ou assinar a agtech A ou B — é a cooperativa quem presta o serviço quando necessário), nas empresas de polinização (como o “Uber das abelhas” AgroBee, que aluga colméias para serem utilizadas na época de florada) e até exemplos mais inovadores como a proposta da Bayer em cobrar pelo aumento da produtividade e não pelos insumos diretamente.

O nome do próximo jogo desta estrada da agricultura autônoma é plataforma ou construção de ecossistemas digitais no agro. Vamos olhar para outros setores da economia para refletirmos sobre o nosso agro.

Na agricultura como serviço, o produtor não precisa comprar o drone e saber voar (Foto: Pixabay)

O Alibaba é um expoente quando se discute ecossistemas que deram certo. Segundo Ming Zeng, “hoje a Alibaba não é apenas uma empresa de comércio online. Ele é o conjunto de todas as funções associadas ao varejo coordenadas online em uma vasta rede orientada por dados que inclui vendedores, profissionais de marketing, prestadores de serviços, empresas de logística e fabricantes. Em outras palavras, a Alibaba faz o que a Amazon, a eBay, a PayPal, a Google, a FedEx, os atacadistas e boa parte dos fabricantes fazem nos Estados Unidos, com a saudável ajuda de serviços financeiros para guarnecer”.

 

Imagine a sua jornada de turista. Você precisa comprar passagem aérea num site, reservar hotel em outro, procurar e selecionar um restaurante, fazer a reserva num app. Além disso, alugar carro numa empresa diferente, contratar seguro-viagem por um corretor e ainda financiar (parcelar) a sua viagem, etc. Imagine agora uma plataforma que consiga ofertar e resolver todas as dores da jornada de um turista num ambiente integrado?

 

É nesta linha que veremos o ecossistema de agtechs evoluir nos próximos anos. A Mckinsey define um ecossistema como um “conjunto interconectado de serviços que permitem aos usuários atender a uma variedade de necessidades em uma experiência integrada”. Registra também: “As fronteiras da indústria estão se confundindo e as cadeias de valor estão se consolidando em ecossistemas”.

 

Nesse mesmo estudo, são apresentados os benefícios estratégicos da construção de ecossistema: redução de custo de aquisição do cliente, maior acesso a dados e a possibilidade de monetizá-los, melhoria do relacionamento e da retenção dos clientes e permanente avaliação que ajuda na manutenção da competitividade.

 

Os ecossistemas surgem porque, como resultado da digitalização, se torna possível conectar um grande conjunto de empresas para fornecer uma solução ao cliente.

 

Você já imaginou a integração do Cropwise (solução de monitoramento de lavoura da Syngenta Digital), com os sensores e a inteligência de irrigação da Agrosmart, tratores John Deere, os silos Kepler Weber, o Gira (plataforma de soluções financeira do Santander), as estações meteorológicas do INPE e os dados mercadológicos do CEPEA/Esalq/USP?

 

Muitas questões estão em aberto. Faz sentido uma empresa ser proprietária de todas as aplicações? Eu posso criar a plataforma e disponibilizar APIs para que outras empresas possam integrar seus produtos e serviços? A minha plataforma será aberta ou fechada? A minha empresa será construtora, orquestradora ou participante do ecossistema? Como monetizar os dados na plataforma? E como monetizar meus parceiros nas aplicações? Como será a reação dos meus concorrentes?

 

Quem olhar de forma integrada focado nas dores do produtor rural e responder de forma mais eficiente as perguntas acima, certamente sairá do outro lado como vencedor. Não será apenas um. Serão alguns vencedores. Talvez um misto de empresas da economia tradicional com agtechs que nasceram na economia digital. No entanto, haverá uma nova configuração na constelação das atuais empresas que protagonizam o fornecimento de produtos e serviços ao agronegócio brasileiro e mundial. E cada vez mais “farming as a service”.

Clique aqui e receba as principais notícias do dia no seu WhatsApp e fique por dentro do que acontece no agronegócio!