Reforma tributária

Nova reforma tributária muda regras do jogo e exige mais organização dos produtores em 2026

Novo modelo tributário traz desafios e obriga produtores a rever gestão, custos e organização a partir de 2026

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Estamos nos despedindo de 2025 e, com a chegada de 2026, um novo modelo de tributação começa a ser implementado no país. E sim, ele também atingirá o setor agropecuário. Aprovada em 2024, a nova reforma tributária brasileira é fundamentada principalmente na Emenda Constitucional nº 132/2023 e em suas leis complementares, entre elas a Lei Complementar nº 214/2025.

A reforma tributária altera a forma como o Brasil cobra impostos sobre o consumo. Atualmente, existem diversos tributos – ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI -, cada um com regras próprias. Com a reforma, esses impostos serão substituídos, de forma gradual, por dois novos tributos: a CBS, de âmbito federal, que substitui o PIS e a Cofins; e o IBS, de caráter nacional, que substitui o ICMS e o ISS. A adaptação começa agora, mas o período de transição se estende até 2032/2033.

O advogado especialista em direito tributário, Dayvid Cuzzuol Pereira, explica que “o objetivo principal é simplificar o sistema tributário brasileiro, hoje considerado um dos mais complexos do mundo”. Segundo ele, a reforma busca reduzir a burocracia, acabar com o imposto em cascata (imposto sobre imposto), dar mais previsibilidade para quem produz, diminuir disputas entre os estados e tornar o sistema mais transparente.

No caso dos produtores rurais, Dayvid alerta que “mais do que mudar o imposto, a reforma muda a forma de controle”. De acordo com o advogado, o novo sistema funciona no modelo de crédito: quem compra com nota aproveita crédito; quem vende sem nota perde crédito e pode acabar pagando mais imposto depois. “Na prática, o produtor precisará ter mais organização nas compras, nos serviços contratados, no frete, no combustível e nos insumos”, ressalta.

Dayvid Cuzzuol Pereira, advogado especialista em direito tributário

A reforma cria um sistema mais automático, digital e com maior cruzamento de dados. “Erros simples, como nota mal emitida, classificação incorreta ou falta de documentação, tendem a aparecer mais rápido. Não é uma reforma punitiva, mas é uma reforma que exige organização”, destaca.

Na mesma linha, a contadora Amália Toniato Beltrame afirma que o maior desafio será justamente a organização. Segundo ela, muitos produtores ainda misturam finanças pessoais com as da atividade rural, não emitem corretamente documentos fiscais ou não acompanham indicadores de desempenho.
“Com a reforma, o produtor vai precisar ter um livro-caixa bem-feito, controle de receitas, custos, créditos tributários e rastreabilidade das operações. Quem não se adaptar corre o risco de pagar mais imposto do que deveria”, alerta a contadora.

Mas é importante destacar: a reforma tributária não significa, automaticamente, aumento de impostos para o produtor rural. O que muda, de acordo com Amália, é a forma de tributação, com a substituição de vários tributos pelo IBS e pela CBS.

Contadora Amália Toniato Beltrame.

“Para alguns produtores, principalmente os que já são organizados e bem assessorados, o impacto pode ser neutro ou até positivo. Já para quem não tem controle financeiro e fiscal, pode haver aumento da carga tributária, principalmente pela perda de créditos ou enquadramento incorreto”, explica.

O que fazer agora

Faltando menos de dez dias para o novo ano, a orientação aos produtores é revisar os processos de emissão de notas fiscais, especialmente na compra de insumos e na prestação ou contratação de serviços; implementar ou melhorar sistemas de controle fiscal e financeiro, com automação e integração de estoque e notas; ajustar a rotina com o contador; simular cenários com IBS e CBS; revisar classificações fiscais; e organizar documentos para garantir o aproveitamento de créditos. Também é fundamental organizar o Livro Caixa Digital do Produtor Rural e demais controles que comprovem custos e despesas.
“Em outras palavras, o período de transição é uma chance de ajustar toda a gestão fiscal da propriedade, não apenas para cumprir a lei, mas para reduzir custos tributários onde for possível. O contador terá papel fundamental”, ressalta Dayvid.

As orientações de Amália seguem o mesmo caminho. “A principal recomendação é não esperar a reforma entrar em vigor para se organizar. Busque uma assessoria contábil especializada no agronegócio”, afirma. Para ela, este é o momento de organizar o livro-caixa, separar as finanças pessoais da atividade rural e regularizar cadastros e documentos.

“A reforma tributária não é apenas um tema fiscal, é um tema de gestão. Quem se preparar agora vai pagar menos imposto, correr menos riscos e tomar decisões melhores no futuro”, reforça.

Benefícios e impactos para os produtores

Segundo Amália, a reforma traz benefícios importantes. Um deles é a não cumulatividade plena, que permite ao produtor aproveitar créditos ao longo da cadeia produtiva. Outro ponto positivo é a redução das distorções entre estados, trazendo mais segurança jurídica para quem comercializa fora do Espírito Santo. Para o produtor que se planejar, a reforma pode significar mais previsibilidade tributária e melhor gestão do negócio rural.

Quanto aos impactos, Dayvid destaca que os principais efeitos serão: mudanças na emissão e no registro de notas fiscais, já que todas as compras e vendas precisarão estar corretamente documentadas para garantir créditos de IBS e CBS; maior rigor na organização fiscal; e a possibilidade de créditos maiores, desde que tudo esteja devidamente documentado, o que pode reduzir o custo tributário na venda final.
“Em contrapartida, quem não estiver organizado pode perder créditos e pagar mais imposto por erro ou falta de informação na nota fiscal”, alerta.

Pessoa física ou jurídica?

Uma das principais dúvidas dos produtores é se haverá obrigatoriedade de migração de pessoa física para pessoa jurídica. A resposta, segundo Amália, é não. “Essa decisão depende do faturamento, do tipo de cultura, do volume de investimentos, da folha de pagamento e do planejamento sucessório. Não existe uma regra única. Cada produtor precisa de uma análise individual, com um contador de confiança”, explica.

Ela acrescenta que a reforma trata de forma diferente o produtor pessoa física e o produtor pessoa jurídica. O produtor pessoa física mantém regras específicas, inclusive regimes diferenciados e possibilidade de tratamento favorecido em algumas operações. Já o produtor pessoa jurídica entra mais diretamente na lógica do IBS e da CBS, com maior exigência de controle, escrituração e planejamento tributário.

Perda de benefícios fiscais estaduais

A reforma tributária uniformiza a cobrança do IBS nacionalmente e busca reduzir a chamada guerra fiscal, em que estados ofereciam benefícios próprios para atrair empresas. Com isso, benefícios fiscais estaduais relacionados ao ICMS tendem a perder força à medida que o IBS for plenamente implementado.
Dayvid cita o caso do Espírito Santo, onde não há um grande incentivo exclusivo ao produtor rural pessoa física, mas existem benefícios de ICMS que afetam cadeias produtivas, cooperativas, agroindústrias, transporte, armazenagem e comercialização.

“Esses incentivos tendem a ser extintos ou neutralizados com o IBS. Não significa que todos os produtores perderão benefícios imediatamente, mas, ao longo da transição, os incentivos de ICMS serão absorvidos pela nova lógica tributária”, pondera.

Por fim, Dayvid deixa um recado aos produtores rurais: “A reforma tributária não é o fim do produtor rural nem do agro brasileiro. Ela marca o fim da informalidade desnecessária e o início de um sistema em que quem se organiza paga menos e corre menos riscos. Quem usar o período de transição para se estruturar tende a sair na frente. Quem deixar para ‘ver depois’ pode sentir no bolso. O campo continua sendo estratégico para o Brasil, mas agora gestão e organização passam a ser tão importantes quanto produção”.

Sobre o autor Rosimeri Ronquetti Rosi Ronquetti é jornalista, formada em 2009 e pós-graduada em gestão em assessoria de comunicação. Repórter do agro, sua atuação se concentra na produção de reportagens do setor (incluindo perfis e histórias). Algumas de suas reportagens conquistaram premiações regionais e nacionais de jornalismo. Ver mais conteúdos