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Mulheres da Prata. Associativismo e quebra de tabus

por Redação Conexão Safra

em 05/10/2013 às 0h00

8 min de leitura

Mulheres da Prata. Associativismo e quebra de tabus


No ano em que a cooperação virou tema importante e passou a ser um dos principais fundamentos, histórias de associativismo ganham destaque.


O conceito básico está relacionado às práticas de trabalho que estimulem a confi ança, a ajuda mútua e o fortalecimento do capital humano, a exemplo do que acontece com o cooperativismo, além das necessidades sociais, econômicas e culturais.


Histórias de associativismo e cooperativismo são contadas diariamente, mas, poucas retratam as difi culdades e as barreiras a serem rompidas. A Associação de Mulheres de Córrego da Prata, no município de Anchieta, é exemplo de que, para alcançar seus objetivos, o grupo precisou conquistar a confi ança e prezar pela cooperação, em um prazeroso trabalho de reciprocidade.


A forma como as associadas reúnem seus objetivos em uma atividade lucrativa, fez com que adotassem métodos de trabalho que estimula o fortalecimento do capital humano e social, favorecendo a sua forma de organização e dando motivação às 22 mulheres envolvidas. Apesar de ser uma Associação, o cooperativismo está presente no dia a dia de cada uma delas, através da distribuição das riquezas, baseada em princípios como a igualdade, a democracia e a equidade.


Engana-se quem pensa que tudo foi fácil e simples. A primeira barreira a ser rompida há 13 anos, quando fundaram a Associação, foi o preconceito, principalmente dos maridos. Na pequena localidade de Córrego da Prata, as mulheres cumpriam com as tarefas domésticas e ajudavam os esposos com as atividades agrícolas da propriedade. A iniciativa de trabalhar ‘fora’ não foi vista com bons olhos e muitos obstáculos precisavam ser superados para que o objetivo fosse alcançado.


“Éramos taxadas como as doidas. Naquela época, as mulheres ‘direitas’ tinham que trabalhar em casa ou na roça. Os maridos queriam chegar em casa e ter a comida pronta e a roupa lavada, e não aceitavam que as mulheres trabalhassem fora. A mentalidade da comunidade era essa e sabíamos que tínhamos que derrubar muitas barreiras ”, contou a presidente da Associação, Rosangela Bisi Zuqui.


Em agosto de 1999, por meio de uma parceria entre a Prefeitura de Anchieta, o Incaper e o Governo Federal (Pronaf), foi promovida uma capacitação com o tema ‘Transformação dos Produtos da Agricultura Familiar’. Cerca de 40 mulheres rurais de Córrego da Prata participaram do evento. A partir desse momento, dessas participantes, 12 decidiram se unir em um grupo ainda informal para industrializar e comercializar, de forma caseira, os produtos de suas lavouras, em um galpão improvisado da Associação de Moradores da localidade.

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“Essa foi uma maneira que encontramos de agregar valores às nossas necessidades transformando a nossa produção da agricultura em geração de renda. Nessa época não tínhamos espaço e nem um local determinado. Nossa produção era feita em um salão improvisado e o local não era adaptado para as nossas demandas ”, continuou Rosangela.


Naquele ano de 1999, a base da agricultura do município era a banana. Por causa de doenças e queda nos preços, muitas famílias chegaram a passar necessidade. “Foi nesse momento difícil que tivemos a oportunidade de fazer o curso e depois, com nosso trabalho, ajudar na renda da família. A Associação ajudou muitas famílias que passavam por momentos delicados ”, explicou.


O tempo foi passando e eles conquistaram seus espaços na sociedade e hoje, contam com orgulho que ganham mais que os maridos que trabalham com a agricultura. “Agora nossos maridos são parceiros e acreditam no nosso potencial, nossos fi lhos entenderam nosso trabalho e nos apóiam. Passamos a nos valorizar mais, ganhando nosso próprio dinheiro. Hoje, quando chamamos nossos maridos para um passeio ou para um cinema e eles dizem que não dá para irmos por falta de dinheiro, temos orgulho em dizer que podemos ir sim e que temos condições de pagar ”, ressaltou a presidente da Associação.



Da produção ao consumidor final


Em agosto de 2003, a Associação conseguiu, através de uma parceria entre o Governo Municipal e o Federal, construir a cozinha agroindustrial em um terreno comprado com o esforço e o trabalho das 12 mulheres associadas. O terreno foi doado por elas à Prefeitura de Anchieta e hoje funciona a sede da Associação das Mulheres de Córrego da Prata.


“Hoje, tudo que temos aqui foi com o nosso esforço e com o nosso trabalho. Fazemos o que gostamos e esse é o segredo do nosso sucesso. Nosso grupo é muito unido e somos uma grande família, além de companheiras de trabalho. Olhamos para trás e nos orgulhamos de termos rompido todas as barreiras e termos conquistado nosso espaço na sociedade ”, garantiu Rosangela.


Depois de construída a agroindústria com o espaço adequado, o grupo teve condições de melhorar sua produção. Cada participante do grupo recebe por produtividade. Quanto mais horas trabalhadas, maior é o seu ganho. Pagas as despesas, deixando sempre um percentual para o fundo de reserva, a divisão dos saldos das vendas entre as participantes é feita semanalmente.


“Hoje temos um carro para fazer o transporte e nossos produtos são vendidos em Anchieta e Guarapari. Trabalhamos de segunda a sexta-feira, das 07h00 às 19h00 ou então até terminarmos toda a demanda da produção. Recebemos por hora trabalhada e com isso, no fi m do ano, conseguimos receber o 13º salário, compramos presentes e fazemos festinhas de confraternização, além dos passeios que fazemos mensalmente ”, disse a presidente.


Outro ganho indireto é com a venda dos produtos agrícolas que elas usam no processamento da produção. Elas compram de suas famílias maracujá, coco, aipim, cenoura, limão, acerola, cupuaçu, jaca, fi go, banana, laranja, mamão, cacau e leite. Além disso, os produtos fazem sucesso entre os consumidores por serem receitas de família, como biscoitos, bolachas, bolos, compotas, doces, licores, palha italiana, pães caseiros e roscas.


“A Associação também é a responsável pelo primeiro emprego de muitas jovens aqui de nossa região, que têm a oportunidade de pagar uma faculdade com o próprio salário. Somos também atuantes na política pública de nossa cidade. Somos lideranças comunitárias e precisamos fi car antenadas no que acontece e isso melhora e muito a nossa vida pessoal ”, frisou.


Hoje, a Associação conta com 18 mulheres: Antonina, Merci, Ângela, Delza, Joana, Ana, Ângela, Fabrícia, Vanessa, Marines, Daquilaine, Valéria, Lúcia, Renata, Kelly, Eliana, Lourdes e Rosangela. Apesar de fi carem juntas durante toda a semana, elas procuram atividades para fazerem juntas nos fi ns de semana.


“Fazíamos academia em Iconha depois do expediente. Demos uma parada, mas já estamos voltando. Nos fi ns de semana programamos passeios, viagens, churrascos, carreatas de aranha e recentemente participamos da Marcha da Margarida, em Brasília. Estamos sempre juntas e essa união nos fortalece cada vez mais ”, garantiu Rosangela.



“Queremos que nossos jovens fiquem aqui ”


A presidente da Associação, que faz parte do Circuito Turístico dos Imigrantes de Anchieta, contou que depois de derrubarem os tabus propostos pelos moradores da comunidade, elas traçaram um novo objetivo. “Agora queremos mudar a mentalidade dos nossos jovens. Queremos que eles saiam para estudar, mas voltem para o interior para trabalhar e continuem com esse trabalho que começamos ”, ressaltou.


De acordo com ela, Córrego da Prata oferece boas condições e o futuro da comunidade são os jovens. “Queremos passar para elas que aqui mesmo dá renda. Eles não precisam sair daqui para ir trabalhar em outro lugar. Além disso, a qualidade de vida daqui é ótima ”, continuou.


Rosangela contou ainda que é apaixonada pelo que faz e que se tivesse que fazer tudo de novo, faria da mesma forma. “Olho para trás e tenho a certeza de que valeu muito a pena. A Associação nos deu a oportunidade de trabalharmos a nossa parte psicológica, o social e o entrosamento com as pessoas. Conhecemos muitos lugares e muitas pessoas que como nós, quebraram os tabus da sociedade ”.


A Associação de Mulheres de Córrego da Prata participa constantemente de feiras nacionais, estaduais e municipais. “O nosso trabalho valorizou os produtos de nossa região e nos valorizou ainda mais ”, completou Rosangela.



Associação presente na economia do município


De acordo com o secretário de Agricultura, Pesca e Abastecimento de Anchieta, Giovane Meriguetti, o município possui 28 associações, mas a Associação das Mulheres da Prata é a mais organizada e a que mais fomenta o desenvolvimento econômico, além de ser exemplo para outras mulheres.


“Elas são um exemplo de associativismo, além também de cumprirem um importante papel social na comunidade, já que oferecem para as jovens de Córrego da Prata o primeiro emprego remunerado. Além disso, elas também participam de muitos eventos culturais ”, comentou o secretário.


Hoje, as Mulheres da Prata, como são conhecidas, são responsáveis pela merenda escolar da rede municipal. “Elas são as nossas meninas dos olhos. São organizadas e têm uma função importante na sociedade. É um grupo unido e com um objetivo em comum, o que garante o sucesso da Associação ”, completou Giovane.

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