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Fruticultura

Lona e colheita estratégica revolucionam abacaxicultura no Norte do ES

Técnica do mulching revoluciona a abacaxicultura ao proporcionar uma série de benefícios para produtores e consumidores

por Leandro Fidelis

em 29/08/2023 às 9h17

8 min de leitura

Lona e colheita estratégica revolucionam abacaxicultura no Norte do ES

*Fotos: Divulgação Sara Dousseau/Incaper

Em Sooretama, Boa Esperança e Mucurici, no Norte do Espírito Santo, uma inovação agrícola está transformando a forma como o abacaxi é cultivado e colhido. Trata-se do mulching, uma técnica que revoluciona a abacaxicultura ao proporcionar uma série de benefícios para produtores e consumidores. No epicentro dessa revolução encontra-se um projeto desenvolvido pelo Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).

A Fazenda Experimental do Incaper em Sooretama é o coração pulsante do projeto pioneiro. Uma equipe de agricultores, técnicos, extensionistas e estudantes, sob responsabilidade da pesquisadora Sara Dousseau Arantes, desenvolve e aprimora a técnica do mulching na abacaxicultura, originalmente implementada no cultivo de morangos nas montanhas.

O mulching envolve o uso de lonas ou materiais plásticos para cobrir o solo ao redor das plantas. De acordo com Sara, o método traz uma série de vantagens. Uma delas é a possibilidade de colher os abacaxis fora da safra convencional. O tempo de cultivo, que geralmente demanda 18 meses, foi reduzido para 14 meses, permitindo que a colheita seja deslocada para um período de alta demanda e melhores preços, como junho e julho. “Com isso, os produtores conseguem obter um preço mais vantajoso, cerca de R$ 3,00 por fruto, em comparação aos R$ 0,70 pagos em novembro e dezembro”.

O plano de manejo elaborado pelo projeto é uma verdadeira engenharia agrícola. Ele começa com o plantio estratégico entre abril e maio. Após cerca de dez meses, é realizada a indução floral, o que resulta na produção de abacaxis justamente durante o período de maior lucratividade. As mudas utilizadas são das variedades Pérola, adquiridas em Marataízes; e Vitória, produzidas diretamente na Fazenda do Incaper em Sooretama.

Um aspecto notável do projeto é a implementação de canteiros elevados e plastificados, equipados com sistemas de irrigação. Esse sistema inovador, ainda pouco utilizado por produtores capixabas, oferece benefícios significativos. Reduz em até 70% a necessidade de capina (principalmente nas fases iniciais do desenvolvimento do abacaxizeiro), economiza dois terços da água usada para irrigação e promove um crescimento uniforme das mudas. “Além disso, o ambiente úmido e protegido favorece o desenvolvimento do sistema radicular, resultando em frutos de maior qualidade. Essa abordagem também contribui para a redução do uso de agrotóxicos, alinhando-se com práticas mais sustentáveis”, destaca a pesquisadora.

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DNA capixaba! As folhas do abacaxi Vitória não possuem espinhos, o que possibilita maior adensamento da lavoura, chegando a duplicar o potencial produtivo.

Resistência e lucratividade

O projeto não apenas revoluciona a forma como o abacaxi é cultivado, mas também está comprometido em difundir a cultivar de abacaxi BRS Vitória, uma variedade genuinamente capixaba desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com o Incaper, que é resistente à fusariose, considerada a principal doença da cultura no Brasil. Cerca de 30 produtores já adotaram essa variedade, ampliando o cultivo no Norte do Estado.

“A fusariose é tão devastadora que chega a causar entre 20% a 50% de morte nas mudas nos primeiros meses do plantio e entre 30 a 40% de perdas na produção dos frutos”, afirma Sara.

Outro benefício da cultivar Vitória é que as folhas da planta não possuem espinhos, o que possibilita maior adensamento da lavoura, chegando a duplicar o potencial produtivo. Segundo a pesquisadora, a ausência de espinhos facilita os tratos culturais, uma vez que reduz as lesões no trabalhador do campo ao adentrar a lavoura.

“Vale ressaltar que hoje existe um predomínio no cultivo do abacaxi Pérola que, além de susceptível à fusariose, possui espinhos em todas a margem das folhas. Pesquisas apontam ser possível aumentar em 160% o lucro com o plantio do abacaxi Vitória. Portanto, ações de extensão rural são fundamentais para incentivarem os agricultores a adotarem o plantio dessa cultivar”.

Abacaxi Pérola

Desafios

Nesse contexto de inovação, a coordenação do extensionista Ivanildo Kuster (Incaper) é fundamental. Ele é o elo entre os agricultores e a pesquisa científica, assegurando que as técnicas sejam adequadamente compreendidas e implementadas. Além disso, o projeto busca disseminar o conhecimento por meio de materiais de difusão tecnológica, visando ampliar a adoção das práticas do projeto.

Para Kuster, sempre há resistência da parte dos agricultores na adoção de novas tecnologias. E em se tratando de fruticultura, essa barreira é ainda maior.

“O agricultor do Norte do Espírito Santo tem tradição na produção de commodities, principalmente café e pimenta-do-reino, culturas cujo mercado não sofre grandes alterações na demanda em função do preço do produto. Ademais, devido à perecibilidade do abacaxi, a comercialização da fruta fresca (principal forma de venda no Brasil), deve ser feita imediatamente após a colheita, portanto, depende da colocação imediata no mercado, o que é um grande desafio”, analisa.

Nesse sentido, o trabalho da extensão rural é sumariamente importante, pois orienta o agricultor quanto às diversas maneiras de colocar o abacaxi no mercado, como por exemplo, por meio dos programas governamentais: os nacionais de Alimentação Escolar (PNAE), de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Projeto Estadual de Compra Direta de Alimentos (CDA). “A incorporação do mulching e da fertirrigação no sistema produtivo do abacaxi no Norte do Estado foi bem aceita pelo agricultor, que prontamente compreendeu os benefícios da tecnologia”, ressalta Kuster.

Zenildo Valandro, de Sooretama, é um exemplo. Ele já tem uma agroindústria na propriedade e vende polpa de abacaxi para o PNAE. O agricultor conta que o plantio experimental começou com 4.000 pés e outros 8.000 foram plantados recentemente. Segundo ele, a mão de obra e a irrigação diminuíram, a roça ficou “mais bonita e organizada” e a fruta está maior após o uso do mulching. Valandro ainda fez consórcio entre abacaxi e acerola usando a tecnologia.

Máquina plastificadora em ação em propriedade rural em Boa Esperança.

Capacitação

O projeto já está na terceira etapa, com a capacitação de agricultores, técnicos, extensionistas e estudantes envolvidos. Por meio de palestras, o grupo discute tecnologias de produção de mudas, o manejo integrado de pragas e doenças, a fertirrigação localizada, o cultivo no mulching e o controle da floração do abacaxizeiro.

De acordo com o extensionista do Incaper Ivanildo Kuster, ainda este ano serão realizados três cursos para o mesmo grupo posteriormente orientar os agricultores na implementação das tecnologias do Plano de Manejo.

Além disso, foram realizadas reuniões técnicas nos municípios do Norte capixaba e elaborado um documento técnico contendo as principais orientações para otimizar a produção do abacaxizeiro. O documento está em fase de editoração e deverá ser entregue ainda este ano aos agricultores. “As ações precisam ser continuadas e por este motivo, estamos pleiteando novo recurso para continuidade das ações do projeto”, informa.

Ivanildo e Sara (ES) ministrando capacitação para alunos do curso de pós-graduação em Agricultura Tropical da Ufes.

Mulching também no cafeeiro e mamoeiro

A técnica do mulching está sendo utilizada também no mamoeiro e no cafeeiro na região Norte capixaba. Mas como toda tecnologia, precisa ser validada pela pesquisa. É necessário verificar se os benefícios para a cultura são significativos a ponto de cobrir os custos com o mulching, que vão desde a necessidade de um melhor preparo do solo e a colocação da lona, observa Sara Dousseau.

“Já sabemos que os mulching plásticos disponíveis no mercado têm uma durabilidade próxima de três anos. Portanto, para culturas de ciclo produtivo curto como as hortaliças, o abacaxizeiro e o mamoeiro, é uma grande vantagem. No entanto, para a pimenteira-do-reino e o cafeeiro, materiais mais duráveis precisam ser avaliados”, disse.

Além disso, são necessários estudos para verificar a dinâmica das pragas e doenças da cultura, pois ao mesmo tempo que o mulching pode trazer benefícios, pode causar entraves, como por exemplo, dificultar aplicações de agrotóxicos no solo. “Portanto, ações conjuntas entre pesquisa e extensão rural são fundamentais tanto para gerar tecnologias seguras, como para disseminá-las entre os agricultores.”

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