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Entrevista

Meu sonho é através do café construir algo de bom, sustentável e de solidariedade na taça

Durante a acolhida da nossa reportagem na Itália, a SAFRA ES verificou o movimento, mesmo fora do horário do expediente normal, na microtorrefação e cafeteria “Caffettin”. Sempre disposto a contar a história por trás da xícara, Michele Carisi interrompeu por várias vezes o bate-papo para atender clientes que viam aberta a porta do estabelecimento. Confira entrevista!

por Redação Conexão Safra

em 16/10/2018 às 0h00

5 min de leitura

Meu sonho é através do café construir algo de bom, sustentável e de solidariedade na taça

*Leandro Fidelis

(De Treviso, Itália)


Safra ES- Como surgiu esse interesse pelos cafés especiais?

Carisi- Tinha muita curiosidade e, pela Internet, soube da eclosão dos cafés especiais nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. Meu pensamento desde o início não era só vender e, sim, contar a história dos produtores. Se não tem isto, o produto perde seu valor. Associei-me à Speciality Coffee Association (SCAR) e, por meio da associação, me formei e adquiri informações de acordo com a minha filosofia. Vi grande possibilidade, um percurso fascinante, participei de feiras, conheci pessoas e comuniquei o meu modo de trabalhar aos colegas, dentre especialistas, jornalistas, pessoas comuns… Vi que a coisa interessa a todos: café bom com procedência certa. Sou só um pontinho deste sistema.


Safra ES- E qual é esta filosofia?

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Carisi- Chamo de jogo toda minha operação. É como um jogo, não faz mal a ninguém. O jogo é uma forma de respeito, não uma presunção minha. Aos 51 anos, é difícil fazer parte desta terceira onda da cafeicultura, muito jovem, fresca, dinâmica e veloz, isto não me pertence. Me dá tédio. Desenvolvi uma filosofia pessoa e foi difícil o início, pois aqui na Itália só se trabalhava sobre números. Um pequeno nunca pode trabalhar com números, mas com qualidade. Quis construir um pensamento muito maior do que a realidade do meu projeto. Queria que meu café torrado chegasse em toda Itália. É um sonho que através do café eu possa construir algo de bom, sustentável e de solidariedade na taça, fazendo bem através de um produto simples.

(*Fotos: Leandro Fidelis)


Safra ES- Mas o consumidor percebe esse diferencial ao te procurar?

Carisi- Sim, eles chegam para ouvir histórias. Primeiro ouvem para depois beber café. Eles se encontram catapultados para outra dimensão. Daí contam para amigos e isto acontece continuamente, é uma magia. Vi que pessoas saem de 30, 50 quilômetros para adquirir um saquinho de café para a moka (cafeteira italiana), mas a ideia é que eles venham uma vez por mês. É interessante eu explicar o que faço, não poderia delegar isto simplesmente a um site na Internet, a uma operação de máquina. Quero mostrar que por trás de uma xícara de café tem uma imensidade de trabalho e uma complexidade cultural, pois são cafés oriundos de outro país completamente diferente de nós.


Safra ES- Mas como empresário você também almeja retorno financeiro.

Acredito que não seja o único na Itália, mas esta coisa que chamo de jogo me desvincula da economia dos negócios. Na Itália, se paga pouco por uma xícara de café. Quando comecei nesta área, pensei que fosse um limite para mim dedicar tempo pela manhã no atendimento na cafeteria, torrefação e testes e na outra parte do dia sair para vender. Ao trazer luz para o que acredito, houve um retorno, não econômico, mas um pagamento emotivo da parte das pessoas interessadas. O retorno econômico ainda é difícil, tenho outra fonte de renda com o restaurante aqui na frente, me sinto livre para continuar a jogar. No entanto, me sinto desvinculado de tudo. Sou o último da cadeia, realmente pequeno.


Safra ES- A Itália é um país consumidor de café conhecido mundialmente. Mesmo difundida mais recentemente, a terceira onda da cafeicultura provocou alguma mudança?

Carisi- Eram poucos que falavam de cafés especiais por aqui. Somente Ernesto Illy (illycaffè) fez cultura do café na Itália. Hoje, a coisa se ampliou, existem muitos jovens participando de cursos de formação. Este tecido está ganhando forma, as grandes empresas passaram a aproveitar o jovem que fez o curso, e este encontra trabalho em grandes torrefações. Há oportunidades de trabalho e crescimento na área. Os italianos se deram conta de que podiam melhorar sua bebida. Empresas de médio e grande porte passaram a valorizar o seu espresso, melhorando-o, e abrindo-se para dividir e crescer. A terceira onda é uma coisa extraordinária, uma subcultura que será ensinada futuramente nos livros de história. Pela primeira vez se fala dos produtores, das variedades botânicas, dos métodos de trabalho, de como e quando são produzidos e colhidos os cafés, em que condições vivem os cafeicultores, quantas famílias vivem do café… Sempre houve estas informações, mas não era do domínio de todos. Hoje a coisa está explodindo num movimento limpo, cheio de energia e força.


Safra ES- O que prioriza ao comprar os cafés das montanhas capixabas ofertados pela Coopeavi?

Carisi- Que sejam de pequenos lotes, produzidos por pequenos produtores, pequenos grupos. É esta operação que me gratifica. Não tenho ciúme do café que compro, não o quero exclusivo, quero compartilhar isto, construir meu trabalho. Há cafés que têm grande personalidade, limpeza, fazem bem ao homem, pois são privados de defeitos e doenças. No início, provei de tudo, claro, e adquiro também grãos da Indonésia, da &Aacute,frica e de outras partes do Brasil. Sou interessado de maneira particular no preparo do espresso, por isso escolho cafés mais adaptados para meu tipo de extração da máquina de espresso. Agora, estou construindo uma identidade de perfil aromático, dentro da minha filosofia. As escolhas dos perfis tomam esta direção.


Safra ES- E qual o próximo passo do seu projeto autodidata?

Carisi- Devo aplicar alguma estratégia comercial, de modo a oferecer o meu produto de qualidade artesanal, mas com procedência reconhecida, a qualquer pessoa atenta à qualidade de café, e tornar mais próximo a cadeia consumidor, torrefador e produtor. Pretendo abrir alguns pontos de venda para disseminar a história e a cultura dos produtores. A Itália está dando particular atenção ao café, existe uma estandardização do gosto. Hoje, graças a nós pequenos torrefadores, os consumidores estão buscando personalidade e aromas inéditos.


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