Exportações em risco

Entrevista: Enio Bergoli detalha estratégias do ES contra tarifaço

Em entrevista exclusiva, secretário detalha os impactos do tarifaço e ações em andamento para minimizar prejuízos ao agro capixaba

A aplicação de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos, prevista para entrar em vigor em 1º de agosto de 2025, gerou forte apreensão entre produtores e exportadores do Espírito Santo. Estado com forte vocação para o comércio exterior — quase 30% de suas exportações têm como destino o mercado norte-americano —, o Espírito Santo criou um comitê emergencial para enfrentar a crise, liderado pelo vice-governador, Ricardo Ferraço. Em entrevista, o secretário estadual da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), Enio Bergoli, detalha os impactos e as alternativas discutidas com os setores afetados.

Como foi a primeira reunião do Comitê de Enfrentamento às Tarifas (Cetax)?

Estamos finalizando as discussões com cada cadeia do setor produtivo, como café (grão cru e solúvel), pimenta-do-reino, gengibre, ovos, mamão, enfim, todas as que serão impactadas. Todas as cadeias exportadoras com destino aos Estados Unidos serão afetadas em maior ou menor grau. A partir dessas conversas, vamos construir ações sob a liderança do Governo do Estado e também propor medidas ao Governo Federal. Afinal, negociações comerciais são feitas por meio da diplomacia, entre os mandatários dos países. Confiamos que esse impasse será resolvido por vias diplomáticas, e não por motivações políticas, que foram a origem dessa tarifa.

No caso do café, há risco de grandes perdas? Existe um plano alternativo?

A preocupação é maior com o café solúvel. Cerca de 40% das exportações de café solúvel, cuja matéria-prima é o conilon, principal atividade agrícola do Espírito Santo, são destinadas aos Estados Unidos. Estamos desenvolvendo um plano B, com negociações de empresa para empresa, já que o tarifaço também prejudica os norte-americanos. No caso do café, tanto solúvel quanto o grão cru (arábica e conilon), são setores consolidados, com empresas tradicionais. Por isso, acreditamos que haverá capacidade de adaptação durante essa transição. Posteriormente, esperamos sentar à mesa e negociar, cadeia por cadeia.

É possível redirecionar o café capixaba para outros mercados?

Não é simples. O mercado trabalha com blends específicos, e certas plantas industriais nos Estados Unidos dependem do café brasileiro. Temos um terroir e um perfil de produto muito próprios. Para dar uma ideia, um terço do café consumido nos Estados Unidos é brasileiro, e eles são os maiores consumidores do mundo. É um setor que movimenta cerca de 2,2 milhões de empregos por lá. Ou seja, o tarifaço não é só um problema só nosso, é deles também. Como temos relações comerciais antigas e sólidas, confiamos na retomada do equilíbrio.

O setor pesqueiro é apontado como um dos mais prejudicados. Por quê?

É um setor que nos preocupa muito. Exportamos atum, meca e outros peixes oceânicos. Mais de 98% dessas exportações vão para os Estados Unidos. No momento, ficamos sem alternativas viáveis, já que a Europa está bloqueada por questões sanitárias. A única válvula de escape é a Inglaterra, que saiu da União Europeia. Vamos propor ao governo brasileiro que articule essa abertura. A Ásia é pouco competitiva para nosso pescado. Além disso, nossa pesca é oceânica, com embarcações que permanecem 15 a 20 dias no mar. Só para sair, um barco desses custa entre R$ 120 mil e R$ 140 mil, então, com o tarifaço, essas embarcações sequer estão saindo para pescar.

E quanto à pimenta-do-reino, há impacto mesmo com a venda indireta?

Sim, e muito. Oficialmente, apenas 1% das exportações de pimenta vão diretamente para os Estados Unidos. Mas, na prática, esse número é de 25%, já que o produto sai daqui, segue para o Vietnã ou Índia, e de lá para os Estados Unidos. Mesmo nesse caminho indireto, a tarifa de 50% vai incidir por causa da origem brasileira. Nossa pimenta tomava essa rota porque tínhamos um problema de salmonella e não possuíamos equipamentos de esterilização. Agora, com o setor privado implantando dois esterilizadores, um já em funcionamento em Linhares, tínhamos planos de retomar as exportações diretas. E justo nesse momento, surge essa barreira. Por isso, propomos uma redução da tarifa entre Brasil e China, hoje em 30%, para o patamar do Vietnã, que é menor. Isso nos daria competitividade nesse período de transição.

O gengibre também aparece como uma das cadeias mais atingidas. Qual o cenário?

Sem dúvida. Cerca de 58% das exportações de gengibre no primeiro semestre — período em que tradicionalmente se vende mais para os norte-americanos — tiveram como destino os Estados Unidos. No total do ano, esse percentual gira em torno de 33% a 34%. O problema é que não conseguimos acessar mercados como a China, já que ela é a maior produtora mundial de gengibre. Estamos ajustando algumas estratégias e confiamos nas negociações diplomáticas, pois, do contrário, corremos o risco de inviabilizar um produto essencial para a agricultura familiar capixaba.

A cadeia da macadâmia também está ameaçada?

Sim. Embora seja uma cadeia pequena, 100% da macadâmia capixaba vai para os Estados Unidos. Estamos tentando abrir espaço na China, onde a tarifa atual é de 30%. Se conseguirmos reduzir essa alíquota para 20% ou mesmo permanecer nos 30%, já conseguiremos competir melhor e redirecionar parte da produção.

E o mamão?

Entre 10% e 14% das exportações capixabas de mamão vão para os Estados Unidos, dependendo do período. O Espírito Santo é o maior exportador de mamão do Brasil, respondendo por 45% das exportações nacionais. E somos o único Estado que exporta para os Estados Unidos. A grande preocupação é com o impacto no mercado interno: se não conseguirmos exportar, a produção que hoje vai para fora ficará ao mercado doméstico, derrubando preços e prejudicando até pequenos produtores que nunca exportaram. Estamos propondo uma flexibilização da instrução normativa do Ministério da Agricultura, que impõe custos elevados às exportações para os Estados Unidos. A ideia é que produtores e compradores norte-americanos dividam os custos da nova tarifa durante essa transição.

Tecnicamente, o tarifaço começa a valer na próxima sexta-feira. Ainda pode haver exceções de alguns produtos?

Há dois passos técnicos antes da efetivação. O primeiro é a justificativa formal da medida, que ainda não foi apresentada. E sinceramente, não vejo justificativa, já que a balança comercial é favorável aos Estados Unidos. O segundo passo é o ato formal da imposição. Há quem diga que a medida já entraria em vigor na sexta-feira (1º), com negociações setoriais posteriores. Outros acreditam que o próprio ato de implantação já trará exceções para determinadas cadeias produtivas.

Como está o clima entre os produtores com a proximidade da medida?

A grande preocupação são com os que estão na base da cadeia produtiva. No caso do gengibre, são mais de três mil propriedades envolvidas. O café, por exemplo, movimenta 80 mil propriedades. A pimenta-do-reino, entre 13 e 14 mil. Temos que proteger esse patrimônio. No primeiro semestre, 23% do valor gerado pelas exportações capixabas veio dos Estados Unidos. Então, é sim um impacto muito sério. Mas estamos mobilizados para enfrentá-lo.

Sobre o autor Fernanda Zandonadi Desde 2001, Fernanda Zandonadi atua como jornalista, destacando-se pelo alto profissionalismo e pela excelência na escrita de suas reportagens especiais. Tem um conhecimento aprofundado em agronegócio, cooperativismo e economia, com a habilidade de traduzir temas complexos em textos de grande impacto e relevância. Seu rigor e qualidade na apuração e narração de histórias do setor garantiram que seu trabalho fosse constantemente reconhecido pela crítica especializada, o que a levou a conquistar múltiplas distinções e reconhecimentos em premiações regionais e nacionais de jornalismo. Ver mais conteúdos