Batata-doce biofortificada impulsiona avanço agroecológico em Montanha
Na Unidade Agroecológica de Experimentação Participativa, a produção do tubérculo tomou um rumo inovador e transformador
por Leandro Fidelis
em 06/06/2024 às 5h00
6 min de leitura
Tudo começou em 2019, quando o extensionista do Incaper Fábio Morandi, engenheiro agrônomo especialista em agroecologia, participou de uma visita técnica à feira “Green Rio”, voltada a negócios com produtos orgânicos e agroecológicos, no Rio de Janeiro, a convite do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). No evento, ele conheceu a batata-doce biofortificada “Beauregard”, desenvolvida pela Embrapa através de melhoramento genético convencional com objetivo de aumentar o percentual de vitamina A no tubérculo. A variedade apresenta polpa alaranjada devido ao betacaroteno, fonte mais abundante dessa vitamina.
Após trazer algumas amostras da batata-doce para o Espírito Santo, o Incaper iniciou um processo de multiplicação das ramas em uma propriedade orgânica e agroecológica em Montanha, no Extremo Norte capixaba. A raiz se tornou parte integrante de um sistema agroflorestal no município, onde agricultores podem visitar a Unidade Agroecológica de Experimentação Participativa, testar técnicas e compartilhar experiências.
A Unidade serve como importante centro de educação e capacitação, recebendo estudantes de diversas instituições de ensino, como Ifes, Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Escolas Família Agrícola. Os estudantes têm a oportunidade de aprender sobre práticas agroecológicas, sistemas agroflorestais e agricultura sustentável na prática. Além da Beauregard, outras variedades de batata-doce foram introduzidas na área produtiva. Incluindo uma variedade com polpa roxa, batizada como “Nina”, rica em antocianina, um antioxidante que previne o câncer. A variedade foi desenvolvida em parceria com a Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ).
Além da produção de batata-doce, a Unidade Agroecológica também se destaca pela diversificação de cultivos e pelo uso de técnicas inovadoras. Um exemplo é a introdução de consórcios produtivos, onde diferentes espécies de plantas são cultivadas juntas, visando maximizar o uso do espaço e promover interações benéficas entre as plantas. Esses consórcios não apenas aumentam a diversidade de alimentos produzidos na propriedade, mas também contribuem para a saúde do solo, uso racional da água, a conservação da biodiversidade e a resiliência do sistema produtivo diante de mudanças climáticas. “Neste ano, estamos introduzindo mais duas unidades com foco na produção de pimenta-do-reino como parte de sistema agroflorestal”, anuncia Morandi.
A introdução da batata-doce biofortificada impactou diretamente a renda das famílias agricultoras. É o caso da professora Manoelita Alves Peruchi, do Sítio Três Irmãos, na comunidade de Cristóvão. Ela e o marido, o caminhoneiro Geraldo Paulo Peruchi, conheceram a “Beauregard” durante a “Green Rio” em 2019 e despertaram interesse pela novidade. Após enfrentar diversos desafios na reprodução e cultivo, como falta de padrão comercial e dificuldades técnicas, o casal conseguiu estabelecer um sistema de plantio direto por ramas em leiras, que se mostrou mais eficiente e econômico. “Outro desafio é que tínhamos o trator, mas não o encanteirador. Meu marido criou um que se adaptou à máquina e é o que usamos até hoje. Nosso trabalho é manual e, apesar de todas as dificuldades, continuamos a produzir batata-doce de diversas variedades na nossa área produtiva”, relata a agricultora.
Além do impacto financeiro positivo, a introdução da batata-doce biofortificada contribuiu para a dinâmica e sustentabilidade da propriedade de Manoelita e Geraldo. Junto com uma variedade de cultivos agroecológicos, eles adotaram um sistema agroflorestal, promovendo a diversificação e respeitando a sazonalidade dos alimentos. Com uma área de quase 4 hectares dedicada a diferentes cultivos, incluindo batata-doce branca, comum e roxa, aipim, milho, abóbora, inhame, feijão, entre outros, buscam garantir a segurança alimentar da família e fortalecer o sistema produtivo.
Atualmente, a batata-doce se tornou o carro-chefe da produção, com mais de 12 toneladas comercializadas em 2023 para feiras agroecológicas e empresas de produtos orgânicos. “Ainda temos as plantas nativas da Mata Atlântica e de acumulação, que usamos para poda e/ou para produção dos nossos adubos naturais, com isso, contribuindo para a sustentabilidade”.
Mais Conexão Safra
Outro produtor de Montanha, Odair Cellin desenvolve projetos em parceria com o Banco do Nordeste (BNB), incluindo experimentos de consórcio da batata-doce biofortificada com banana, buscando otimizar o uso do espaço e aumentar a produtividade. A experiência com banana ainda está em curso, e a colheita da batata começou recentemente.
Cellin conta que o projeto consiste em aproveitar o espaço entre as fileiras de banana, conhecido como cultivo em alamedas. Em 2023, foi feita uma experiência usando gliricídia. Atualmente, com apoio do BNB, o agricultor participa de um projeto de experimentação coletiva que busca promover o cultivo em alamedas.
O sistema consiste em cultivar alimentos ao longo de fileiras de árvores, aproveitando o espaço vertical e criando um ambiente propício para o desenvolvimento das culturas. Além de aumentar a produtividade, o cultivo em alamedas também contribui para a conservação da biodiversidade, a proteção do solo contra a erosão e a redução da temperatura ambiente, criando um microclima favorável para o crescimento das plantas.
“O Banco do Nordeste é um grande parceiro e incentivador dessa política pública. Muito importante para os agricultores ter nesse agente financeiro um suporte de crédito”, afirma. Para o agricultor, praticar a agroecologia é ter um olhar holístico da produção. “Não é apenas uma técnica que maximiza os recursos naturais, mas que leva em conta as relações com as pessoas com quem convivemos e somos parceiros”, finaliza.
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