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Agroecologia

Agricultores de Ecoporanga avançam na produção orgânica como OCS

O poder transformador da agroecologia, não apenas como um modelo de produção agrícola, trilha caminho para uma vida mais saudável e sustentável

por Leandro Fidelis

em 11/06/2024 às 5h00

7 min de leitura

Agricultores de Ecoporanga avançam na produção orgânica como OCS

*Fotos: Divulgação

Um grupo de agricultores familiares em Ecoporanga, no Norte capixaba, foram reconhecidos pelo Ministério da Agricultura como uma Organização de Controle Social (OCS), possibilitando-lhes a comercialização direta de produtos orgânicos. A conquista, obtida em janeiro deste ano, foi o resultado de um esforço conjunto entre os agricultores, o Incaper, a Fundagres Inovar e o Banco do Nordeste.

A jornada para o reconhecimento da OCS teve início em 2022, através de programas como o Prodeter e o projeto “Agroecologia: Multiplicando Saberes, Produzindo Vida“. Sob a orientação desses programas, 11 agricultores receberam assistência técnica e foram capacitados em práticas agroecológicas. Duas famílias foram selecionadas para implantar Unidades Demonstrativas de Tratamento de Efluentes Domésticos e Conservação de Nascentes em suas propriedades.

Para participar do projeto, o município de Ecoporanga estabeleceu um Comitê Municipal de Agroecologia e Agricultura Orgânica, composto por agricultores familiares e entidades locais ligadas à agricultura. O comitê desempenha papel fundamental na promoção da agroecologia no município, reunindo-se regularmente para acompanhar o progresso do projeto e incentivar o desenvolvimento de práticas sustentáveis. As culturas produzidas de forma orgânica e agroecológica cadastradas no Mapa foram: café arábica, alface, couve-folha, cebolinha verde, coentro, salsa, repolho, beterraba, abobrinha verde e inhame.

Entre os agricultores envolvidos na iniciativa, Vanderlei Ramalho dos Santos, responsável pela OCS, compartilha sua experiência de transição para a agricultura agroecológica iniciada há cerca de quatro anos. Após enfrentar sérios problemas de saúde devido ao uso de agrotóxicos, decidiu mudar para práticas mais sustentáveis. Hoje, ele lidera um grupo de agricultores comprometidos com a produção orgânica, trabalhando em conjunto para alcançar seus objetivos. “Quase vim a óbito quando produzia tomate convencionalmente e me intoxiquei. Cheguei ao hospital e o médico disse que se o socorro demorasse dez minutos, o risco de morte era grande”, relata.

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A receita de Vanderlei para quem se interessa em agroecologia é: “Primeiro mudar a mentalidade para depois mudar a propriedade”. Ele conta que foi secretário de Agricultura de Ecoporanga por quatro anos e, embora falasse da importância desse modo de produção, não o fazia em casa na prática. A iniciativa foi tomada em conjunto com a família. “Sofremos muito inicialmente e ainda temos dificuldade, mas a persistência é muito importante em agroecologia. Pensamos em alimentação saudável, qualidade de vida. Começamos a plantar alface, inhame, coentro, cebolinha, couve, banana da terra e horta, além de uma área com café arábica toda livre de agrotóxico, todos no sistema”.

A jornada do agricultor de transformação rumo a uma agricultura mais sustentável e saudável para a comunidade não foi simples. Após dois anos de esforços, reuniões e muitas desistências, Vanderlei e o grupo perseveraram, contando com o apoio constante de parceiros como os agentes do BNB. Hoje, sua visão tornou-se realidade, estabelecendo parcerias com supermercados e oferecendo produtos certificados, livres de agrotóxicos, em Ecoporanga.

Além da comercialização de produtos saudáveis, Vanderlei dos Santos destaca os benefícios da agroecologia para o solo e o ecossistema. Através de práticas como o cultivo consorciado e a utilização de microrganismos eficazes, ele testemunha a melhoria da qualidade do solo. O apoio contínuo do Incaper e a formação de uma OCS local demonstram o interesse dos agricultores em adotar práticas agroecológicas, apesar dos desafios como a aquisição de sementes crioulas e a escassez de mão de obra. “Devido à dificuldade de mão de obra, o grupo inovou com a aquisição de um cultivador, um tratorito, que tritura o mato e mistura no solo, já aproveitando o material como matéria orgânica”, diz.

A filosofia de Vanderlei vai além da produção agrícola, abrangendo uma visão holística de sustentabilidade em sua propriedade. Ele valoriza cada elemento do ecossistema, desde o aproveitamento de matos nos canteiros- dentre trapoeraba, picão e beldroega, que nasce no meio do esterco, na alimentação das galinhas- até a destinação adequada de resíduos, com a implementação de uma fossa séptica para o tratamento dos efluentes domésticos.

Ireny de Oliveira, da comunidade Dois de Setembro, compartilha histórias semelhantes de transformação e otimismo. Ela expressa determinação em alcançar a certificação orgânica completa na propriedade. A experiência com o uso de agrotóxicos, que resultou em consequências para sua própria saúde e de sua família, a levou a repensar sua relação com a terra e os alimentos que produz. Após anos de trabalho com programas governamentais, Ireny gradualmente reduziu o uso de venenos em sua plantação, até obter a tão almejada licença de produção orgânica, no final do ano passado, marcando um novo capítulo na trajetória como agricultora.

Residente há 35 anos no Sítio Cabeceira Colina Verde, Ireny enfrentou diversas barreiras, mas encontrou na agroecologia uma fonte de vitória e esperança. Com o apoio de instituições como o Incaper e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-ES), ela adquiriu conhecimentos sobre produção orgânica, incluindo a fabricação de adubos e fertilizantes naturais. Hoje, cultiva uma variedade de produtos orgânicos, desde bananas até repolho e beterraba, fornecendo para programas de alimentação escolar como o PNAE e vendendo diretamente, agregando valor aos seus produtos e garantindo renda mensal estável.

“Um dia estava jogando agrotóxico e, mesmo toda equipada, veio um vento e jogou o líquido ao redor do meu olho. Os pinguinhos incharam meu olho. Daí em diante, comecei a pensar em saúde. Tive um filho adotivo e especial, falecido há quatro anos, aos dezesseis, que era para ter sido uma criança normal, porém a deficiência dele foi ‘forçada’. Quando a mãe dele estava grávida, ingeriu chumbinho para abortar, e o bebê acabou nascendo defeituoso. Então, vi que veneno não valia a pena, pensava nisso sempre que colocava comida sobre a mesa. Como tem muitos anos que trabalho com programas do governo para fornecimento para merenda escolar, fui diminuindo o veneno”.

Para Ireny, a produção orgânica vai além do aspecto comercial, é uma expressão do compromisso com a saúde e o bem-estar da comunidade. Com determinação e entusiasmo, ela almeja alcançar a marca de 100% de produção orgânica, atraindo interesse não apenas localmente, mas também em regiões vizinhas a Ecoporanga.

Outra participante ativa do grupo é Idenir Ferreira Florentino, que cultiva maxixe, taioba, abóbora, alface, almeirão, couve, cebolinha e até uvas no sítio. Ela ressalta a importância do movimento coletivo. “É muito bom ter essa organização, participar do grupo. Vai chegando uma certa idade você fica muito parada e é preciso fazer algo, por isso gosto muito”, afirma.

Robson Alves de Almeida (Incaper) afirma que ainda há poucos agricultores interessados na atividade e a produção ainda é pouco significativa em termos de qualidade. São apenas três agricultores num universo de mais de 3.000 propriedades. “É muito pouco, mas a gente segue lutando. Ajudamos na criação, mas a OCS tem que caminhar por si só. Engajar mais agricultores, consumidores e trabalhar de fato aquilo que está no papel para seguir em frente”.

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