Tradição e memórias afetivas se misturam na produção do arroz capixaba
por Rosimeri Ronquetti
em 12/07/2023 às 15h16
8 min de leitura
Apesar de pouco difundida, a produção de arroz está presente em várias regiões do Espírito Santo e complementa a renda de dezenas de famílias. De acordo com o último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o Estado produziu 371 toneladas de arroz em 2021, em uma área de 98 hectares, com produtividade média de 3,8 toneladas por hectare.
São ao todo 214 estabelecimentos rurais com produção do cereal distribuídos nos municípios de Afonso Claudio, Águia Branca, Alto Rio Novo, Baixo Guandu, Barra de São Francisco, Colatina, Laranja da Terra, Mantenópolis, Nova Venécia, Pancas e Vila Pavão. Setenta e seis por cento dos produtores são da agricultura familiar.
Maior produtor capixaba, Nova Venécia representa 36,99% de todo o arroz colhido no Estado. Este ano, segundo informações da Secretaria de Agricultura do município, foram colhidas em torno de 70 toneladas.
“Juntas, as associações Barra da Boa Vista e Água Limpa concentram quase metade de toda a produção de Nova Venécia. Temos entre 50 e 80 famílias que cultivam arroz, a maioria para consumo próprio”, pontua Bruno Pilon Bastianello, secretário Municipal de Agricultura.
O extensionista e coordenador do escritório local do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) de Nova Venécia, Moizes Marre, explica que o solo capixaba é propício para a cultura.
“As áreas são muito propícias aqui no Estado. Temos água, clima e solos favoráveis, isso tudo influencia na produtividade do arroz. Na comunidade de Água Limpa, onde mais se produz arroz em Nova Venécia, chegamos a 156 sacas por hectare”.
Ainda segundo o extensionista, o cultivo também representa uma alternativa de diversificação de renda, especialmente por se tratar de uma cultura de ciclo rápido.
“É uma excelente alternativa para diversificação na propriedade. É uma boa opção para quem dispõe de água e áreas para esse tipo de cultivo. Por ser de ciclo curto, é possível a rotatividade de culturas. Em setembro começa a preparar o solo e, em março, abril, já começa a colheita. Tem um baixo investimento no cultivo, não requer alto consumo de agrotóxicos, por exemplo, e a produtividade é alta. Além do aproveitamento de áreas alagadas”, salienta Marre.
Arroz, cultura passa de geração em geração
Cultura de base alimentar, o arroz também faz parte da cultura popular e seu cultivo no Espírito Santo, na maioria das famílias, passa de geração em geração.
“O arroz existe no município antes da emancipação política, antes mesmo do café. Porém, tinha sumido da nossa agricultura e agora está voltando. Já são cerca de 12 famílias de agricultores que plantam duas vezes ao ano e colhem aproximadamente 400 sacos de arroz para consumo próprio”, aponta o secretário de Administração e Finanças do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pancas, Reginaldo Muniz.
Diferentemente das famílias que retomaram à tradição do cultivo do cereal nos últimos anos, o panquense Daniel De Avila (70) aprendeu a produzir arroz aos 12 anos com o pai e nunca mais parou. Morando desde criança no Córrego Icaraí, que também dá nome ao sítio da família, Daniel se orgulha de dizer que é conhecido por muitos por “Daniel do Arroz”.
“Se procurar em Pancas por Daniel do Arroz muita gente sabe que sou eu. Já me conhecem porque vendo arroz há muitos anos”, explica o produtor. Este ano, a safra rendeu 83 sacos, mas Daniel já colheu até 120 em uma única safra. Ele conta que, além de usar no consumo de toda a família, cerca de metade da produção é vendida na cidade.
Apesar da idade, o agricultor não pensa em parar de plantar arroz e garante que, enquanto tiver saúde e disposição, vai continuar cultivando o cereal parte da história de vida dele.
“É uma coisa que amo fazer, nunca pensei em parar. O arroz é uma coisa que é só você plantar e ele dá. Além de ser um alimento mais saudável é o que eu gosto de fazer desde criança. Espero que um dos meus cinco filhos ou algum neto dê continuidade quando eu morrer”, diz Daniel do Arroz.
Muda a cidade, mas a história se repete. Tradição há 50 anos na família da Sivanilda da Cruz Ratunde (43), do Córrego da Cutieira, em Vila Pavão, a agricultora familiar e o marido ajudam a manter viva a tradição que começou há décadas, com sua avó paterna.
Mais Conexão Safra
“Meu pai criou os nove filhos com a renda do cultivo do arroz. Cresci vendo meus pais plantando arroz e peguei gosto, principalmente pelo consumo. É mais saudável, um produto orgânico que a gente mesmo planta. Não quero deixar a tradição acabar. Quero muito que nossos filhos valorizem essa cultura”, disse a produtora.
Quando a colheita é boa, Sivanilda chega a 20 sacos de arroz por ano. Metade é para o consumo da família e a outra, vendida. Mas ela garante que, se colhesse mais, vendia tudo. “A procura é grande. Se tivesse mais vendia, porque as pessoas procuram. Eu aviso no Instagram que tem arroz e as pessoas me procuram. Vendo rapidinho”.
Assim como Daniel e Sivanilda, José Moreira Mota (58), do Córrego São Geraldo, em Mantenópolis, além de manter uma tradição familiar, fez do cultivo do arroz sua principal fonte de renda. Ele já trabalhou com café, mas deixou a cafeicultura e se dedicou apenas ao cultivo do cereal.
“Resolvi deixar o café e investir só no arroz por alguns fatores. Faltam mão de obra, preço e tempo. O café é um ano para colher, já o arroz são apenas seis meses com custo muito menor. Além de rentável, planto também por uma questão afetiva. É algo que faço desde criança”, relata José.
Em uma área de 1,5 há, José colhe cerca de 500 sacos por ano do grão em casca, o que rende, em média, 16 toneladas de arroz pilado. Além da venda do produto, ele também beneficia parte da produção. Faz arroz torrado, farinha de arroz e arroz integral.
O arroz, tanto o comum, quanto o integral, é comercializado em feiras na Grande Vitória e em Mantenópolis. Já a farinha é comprada, boa parte, por uma fábrica de sabonete do Sul do Estado e por encomenda por pessoas que a usam para o consumo.
O plantio
O plantio do arroz começa com a semeadura, normalmente entre outubro e novembro, em uma área seca. A semente usada, geralmente, é do próprio arroz colhido na safra anterior. Cerca de 20 a 25 dias depois, as mudas são transferidas para uma área alagada.
“Algum tempo depois é preciso tirar o mato do meio e, por fim, é feita a colheita. Tudo a mão: plantar, limpar, cortar e bater, como antigamente. Trator só para arar e gradear a terra, antes do plantio”, explica Sivanilda.
A produção dela, do José e do Daniel são orgânicas. “Não uso defensivos, apenas calcário ou ureia, quando necessário. É um trabalho completamente artesanal, sem agrotóxicos e sem conservantes no arroz”, lembra José.
Aproveitamento de áreas do Provárzeas
A maior parte das áreas onde hoje as comunidades plantam arroz no Espírito Santo, são terrenos que no passado fizeram parte do Programa de Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigável (Provárzeas), do governo federal. O programa tinha o objetivo de aumentar a produtividade agrícola nas áreas de várzea e melhorar as condições de vida das populações rurais.
“Na prática, o programa fazia o nivelamento das áreas mais alagadas na propriedade para o cultivo do arroz. As terras mais à beira das margens dos córregos eram irrigadas por inundação e tornavam o manejo mais fácil. O trabalho ficou menos cansativo para o agricultor. Tem menos lama e ele controla a entrada e saída da água. Quando o arroz está para colher, ele baixa e colhe no seco. Essas áreas que hoje plantam arroz são, em sua maioria, áreas de Provárzeas, muito difícil uma que não seja”, explica o coordenador do escritório local do Incaper de Nova Venécia, Moizes Marre.
O programa foi difundido de Norte a Sul do Estado. Guarapari e Anchieta são exemplos de municípios onde o Provárzeas foi feito em muitos terrenos. “Se for feito um mapeamento, hoje, de áreas de Provárzeas, vamos descobrir que no Estado tem muitas áreas para plantio de arroz”.
Para Marre, o que impede o levantamento é o fato de estarmos em um cenário de produção de comodities. Ele afirma que o cultivo só voltou em algumas regiões devido às políticas de incentivo a diversificação.
“As políticas públicas não são para esse tipo de cultura. Foram por um período e depois acabaram. O crédito, a pesquisa e a própria assistência técnica não existem mais por conta de políticas públicas, nos guiaram a produzir commodities. Um zoneamento agrícola colocou na nossa cabeça que não era uma região propícia para esse cultivo e começamos a plantar café e culturas mais rentáveis. O arroz volta agora pela escassez de alimento e por uma política pública voltada para a diversificação”, destaca o coordenador.
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