Pecuária sustentável

Consórcio em ILP eleva ganho de peso do gado e reduz metano

Consórcio de gramíneas e leguminosas em ILP aumenta ganho de peso de bovinos e reduz emissões de metano

Pesquisadores avaliaram como diferentes estratégias de intensificação na pecuária influenciam o ganho de peso de bovinos nelore, a emissão de metano entérico e o acúmulo de carbono no solo. Foto: Thais Rodrigues de Sousa

Sistemas de integração lavoura-pecuária (ILP) que incluem consórcio entre leguminosas e gramíneas forrageiras de maior potencial produtivo promovem melhor desempenho animal e menor intensidade de emissão entérica de metano (CH₄), além de elevar o acúmulo de carbono no solo. A conclusão é de um estudo conduzido pela Embrapa Cerrados (DF), em parceria com a Universidade de Brasília (UnB). O trabalho científico foi destaque em simpósio internacional coordenado pelo Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCARBON), da Universidade de São Paulo (USP). Veja quadro abaixo.

Os resultados fazem parte da tese de doutorado da bolsista Thais de Sousa, que está sendo desenvolvida com a colaboração dos pesquisadores da Embrapa Cerrados Arminda de Carvalho, Roberto Guimarães Junior e Robélio Marchão, sob orientação da professora da UnB Lucrécia Ramos.

Durante o estudo, pesquisadores avaliaram como diferentes estratégias de intensificação na pecuária influenciam o ganho de peso de bovinos nelore BRGN, a emissão de metano entérico e o acúmulo de carbono no solo. Foram analisados três sistemas de produção: uma pastagem contínua solteira de capim BRS Piatã (S1); uma pastagem contínua de BRS Piatã consorciada com a leguminosa feijão-guandu IAPAR 43 (S2); e uma pastagem em rotação com lavoura (ILP) de capim BRS Zuri (S3).

Os resultados mostraram que os animais apresentaram maior ganho de peso nos sistemas mais intensificados. No S1, o ganho médio diário foi de 0,44 kg; no S2, de 0,69 kg; e no S3, de 0,76 kg por animal. A intensidade de emissão de metano, que expressa a relação entre emissão e o ganho de peso total por área foi menor nos sistemas S2 e S3. Por outro lado, a pastagem solteira utilizada como referência no estudo alcançou 450 g CH₄ kg GPV/ha (quilo de ganho de peso vivo por hectare), o consórcio com leguminosa emitiu 269 g CH₄ kg GPV/ha e o sistema integrado com capim Zuri em rotação, 224 g CH₄ kg GPV/ha.

O estoque de carbono no solo na camada de 0 – 30 cm acompanhou a mesma tendência, sendo maior nos sistemas integrados, com destaque para o S2 com a presença da leguminosa, que apresentou 83,17 t C ha⁻¹ (toneladas por hectare), em comparação a 62,20 t C ha⁻¹ na pastagem solteira, ou seja, mais de 20 t ha⁻¹ de incremento de C no consórcio do Piatã com o guandu anão.

Emissões de GEE

O estudo também demonstrou que é possível intensificar a produção pecuária e, ao mesmo tempo, mitigar as emissões de GEE. Sistemas bem manejados, seja com a inclusão de leguminosas ou com a rotação lavoura-pecuária, permitiram maior produção de carne com menor emissão de metano, além de aumentarem o carbono armazenado no solo, melhorando o balanço geral. Resultados anteriores obtidos na mesma área experimental já haviam demonstrado que os sistemas integrados também reduzem as emissões de óxido nitroso (N2O), um outro gás de efeito estufa, em até 59%.

Esses resultados evidenciam que tecnologias como o consórcio de pastagens com leguminosas e a rotação com lavoura são fundamentais para tornar a pecuária mais sustentável e resiliente, contribuindo para a redução dos gases de efeito estufa e uma produção de carne de baixo carbono.

Os dados foram coletados no experimento com sistemas ILP mais antigo do Brasil, localizado na Embrapa Cerrados e implantado em 1991. As avaliações ocorreram em maio, agosto e dezembro de 2024.

Metano no centro dos debates

O Brasil é um dos maiores produtores de carne bovina do mundo, e mais de 90% dessa produção ocorre em sistemas a pasto, que ainda apresentam grande potencial de intensificação. A emissão de metano entérico, gerado no processo digestivo dos animais, tem um alto potencial de aquecimento global, 27 vezes maior que o do CO₂ em 100 anos, sendo influenciado principalmente pela qualidade, disponibilidade e consumo da forragem por ruminantes.

O tema foi destaque nas discussões sobre como a agropecuária brasileira pode contribuir para mitigação das mudanças climáticas durante a COP30, realizada em Belém (PA). “A redução das emissões sem comprometer o desempenho animal é um dos principais desafios da agropecuária, e sistemas integrados, consorciados ou intensivos têm se mostrado alternativas viáveis na descarbonização desse setor”, afirma a pesquisadora Arminda de Carvalho.

Atualização das recomendações

Recomendações sobre o uso de leguminosas em consórcio com pastagens estão sendo atualizadas. Uma circular técnica com orientações para a introdução do guandu-anão em consórcio com capim-braquiária, em sistema de plantio direto.

Segundo o pesquisador Robélio Marchão, a Embrapa Cerrados tem atuado em projetos voltados a posicionar novas cultivares de forrageiras nos sistemas integrados, de acordo com suas funcionalidades.

“Trata-se de um novo conceito, em que as plantas forrageiras têm sido utilizadas como espécies de duplo propósito ou plantas de serviço, podendo atuar tanto como pastagens nas áreas de integração com a pecuária quanto como plantas de cobertura nas áreas agrícolas, desempenhando papéis específicos na melhoria do sistema de produção”, destaca o pesquisador.

No caso do consórcio com guandu-anão, a equipe ressalta que, além de elevar o valor nutritivo da forragem, há uma melhoria na qualidade do solo que impacta diretamente a gramínea, aumentando a disponibilidade de nitrogênio em formas orgânicas.

Menção honrosa

O trabalho “Enteric methane emission of Nellore cattle and soil carbon stock on integrated systems in the Cerrado” recebeu menção honrosa como destaque do “3rd CCARBON/USP Symposium – Sustainable and Resilient Livestock: Ecological Strategies for Climate Mitigation and Biodiversity Conservation”.

Segundo a doutoranda Thais de Sousa, o prêmio representa mais do que um reconhecimento acadêmico, pois materializa o esforço de uma equipe multidisciplinar que se empenhou para a realização do trabalho e reforça a importância das pesquisas sobre redução das emissões de gases de efeito estufa no setor agropecuário.

O 3rd CCARBON/USP foi organizado pelo Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical da USP e realizado em 6 de novembro, no auditório do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP), em Piracicaba (SP). O evento reuniu pesquisadores, empresas, formuladores de políticas públicas e produtores para discutir estratégias visando uma produção pecuária mais sustentável e voltada à redução das emissões de gases de efeito estufa.