Iniciativa mostra potencial de floresta plantada para o ecossistema
Além de ser o principal negócio da fazenda, atividade se tornou uma filosofia de vida para os produtores do sul do Estado
por Rosimeri Ronquetti
em 26/09/2024 às 5h00
15 min de leitura
A floresta de mogno africano mais longeva do Brasil fica no Espírito Santo. O plantio é também o maior da espécie e o mais antigo sistema de Integração Pecuária Floresta (IPF) do Estado. A floresta com tantos títulos importantes foi idealizada pelos irmãos Edson e José Eduardo da Cruz Delesposti e fica na Fazenda Tabatinga, em Ponte do Itabapoana, Mimoso do Sul, na Região Sul capixaba.
Filhos de produtor rural, os dois deixaram o campo para estudar e trabalhar, mas sempre voltavam para visitar a família. Com o sonho de formar uma floresta de árvores nativas no entorno da propriedade, assim que se estabeleceram financeiramente começaram comprar terra nas proximidades do terreno do pai.
Em 2006, após adquirir o primeiro terreno, era hora de começar o plantio das árvores. “Nós somos defensores número um do meio ambiente, então a nossa intenção era essa, trazer de volta a fauna e a flora, as nascentes, já que a produção de água também é um dos nossos propósitos. Enfim contribuir com o meio ambiente de maneira geral”, conta o produtor. Edson se aposentou na Petrobrás em 2021 e voltou para Mimoso para tocar a fazenda.
Com a pastagem formada, plantaram as mudas, primeiro de cedro australiano e depois de mogno africano. Atualmente são 70 hectares de mogno africano, das espécies Khaya Ivorensis, Khaya Grandifoliola, Khaya Senegalensis, de várias idades, os mais antigos com 18 anos.
Porém, o começo não foi tão simples quanto parece. O primeiro impasse foi a falta de fornecedor de mudas de espécies nativas. “Nossa cultura aqui na região é bem diferente. Aqui o foco é a agricultura e pecuária, ninguém pensa em preservação ambiental, em fazer floresta, ‘plantar’ água. Nós, como não dependíamos da terra para sobreviver, optamos por fazer algo diferenciado, esbarramos em alguns desafios e um deles foi a falta de mudas”, explica o produtor.
Dispostos a não parar na primeira barreira que encontraram, Edson e Eduardo buscaram ajuda no Instituto Federal (IFF), Campus Bom Jesus do Itabapoana, no Rio de Janeiro, na divisa com o Espírito Santo, e conseguiram mudas de cedro australiano. Depois de um tempo ouviram falar do mogno africano. Cultura ainda pouco conhecida no Brasil, na época, foi preciso importar sementes da África do Sul, por meio da Universidade Federal de Viçosa e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), para fazer as primeiras mudas.
Pecuaristas da floresta
Os 70 hectares de mogno dividem espaço com capim das espécies Piatã e MG5, onde criam cerca de 260 cabeças de gado de corte da raça nelore no sistema IPF. Além do bem-estar para os animais, o resultado no crescimento e ganho de peso é diferenciado.
“Com esse manejo o resultado é infinitamente maior do que o obtido com os animais em pasto comum. Nós já fizemos algumas comparações de ganho de peso e a diferença é muito grande. Ali ele tem capim de excelente qualidade e sombra, então o bem-estar é infinitamente maior do que qualquer outro ambiente que não tenha não tenha as árvores”, explica Edson.
O início dessa etapa do projeto também apresentou alguns desafios. Quando as plantas estavam com um metro e meio a dois metros de altura, bezerros de seis a oito arrobas começaram a ser remanejados para o sistema para recria e posterior venda quando atingissem o peso ideal. Porém, os animais começaram a comer as folhas do mogno de maneira agressiva a ponto de danificar as plantas.
Com as árvores em formação prejudicadas foi preciso tirar o plantel da área até a madeira crescer mais um pouco para fugir do alcance da boca dos bezerros. Quando voltaram com o rebanho, outro problema. Ao atingirem uma idade juvenil, a partir de oito arrobas e meia, até 10, o gado começou a roer a casca das árvores. Com o fluxo da seiva sendo interrompido algumas árvores morreram e mais uma vez foi preciso tirar os animais da floresta.
“Nessas duas ocasiões tomamos prejuízo. Na primeira precisamos vender bezerras de nove arrobas abaixo do preço, já na segunda deixamos de ganhar dinheiro. Compramos na época, animais de seis arrobas e meia e precisamos vender com nove, fase que o animal não tem um bom mercado. Ele custa muito mais do que um boi de corte adulto no ponto abate e não compensa”.
A solução encontrada foi fazer parcerias com outros pecuaristas. Quando os animais atingem entre nove e 10 arrobas, fase que começam roer a madeira, são repassados a meia para outros fazendeiros que fazem a terminação do animal até o ponto adequado do abate.
Em nome da ciência
Quando iniciaram o cultivo da floresta nativa, a expectativa dos irmãos Delesposti era vender a madeira cerca de 12 anos após o plantio, quando as árvores já estão prontas para indústria moveleira. Porém, com o passar dos anos, “começamos a ficar amantes dessa cultura e hoje nós não pretendemos mais cortar as árvores”, conta Edson.
Para ter acesso às informações sobre o cultivo que não tinham, eles abriram as portas da fazenda e firmaram parcerias com instituições de ensino e pesquisa. “Com essas parcerias vislumbramos também outras maneiras de ter retorno financeiro com o mogno”.
Um termo de cooperação técnico e científico foi firmado a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), especialmente para trabalhos do Departamento de Ciências Florestais da Madeira do Campus de Jerônimo Monteiro.
“Uma sala de aula e laboratório a céu aberto“. Assim o pesquisador de pós-doutorado João Gabriel Missia da Silva, define a floresta. João atuou nas pesquisas na Fazenda Tabatinga e no Núcleo de Pesquisa de Qualidade da Madeira da Ufes (Nuqmad).
“A abertura que os irmãos Delesposti dão aos acadêmicos é muito valiosa para o desenvolvimento do conhecimento, criação de novos produtos e negócios, formação de profissionais para o mercado, além de novas possibilidades para as propriedades rurais e agricultura familiar do Estado”, destaca o pesquisador.
João continua, “é uma atitude louvável, que precisa ser replicada uma vez que aproxima as universidades da sociedade e o conhecimento de sua aplicação para a solução de problemas como as questões climáticas”, conta.
Os alunos do curso de agronomia da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), no Rio de Janeiro, também são beneficiados pela abertura da fazenda para academia. Os estudantes têm a oportunidade de ver de perto vários plantios de várias idades diferentes e vivenciar o que aprendem em sala de aula.
Além de complementar o conteúdo teórico, as visitas, segundo a doutora em Produção Vegetal e Pró-reitora de Extensão da instituição, Deborah Guerra Barroso, também podem estimular o interesse dos futuros profissionais na silvicultura e contribuir com o avanço do conhecimento.
“Abrir uma propriedade para pesquisa acadêmica e visitas é uma estratégia valiosa, promovendo avanços científicos, melhorando práticas de manejo, e contribuindo para a formação de novos profissionais na área. A pesquisa acadêmica contribui para o avanço do conhecimento sobre manejo da espécie cultivada, o que pode levar a descobertas que melhorem a produtividade e a sustentabilidade do cultivo. Esta colaboração pode, ainda, permitir acesso a recursos e financiamentos de órgãos de fomento à pesquisa.
Institutos Federais carioca e capixaba também usufruem da floresta aberta à pesquisa e conhecimento. O IFF, parceiro da Fazenda desde o início do cultivo de mogno, tem no local uma extensão da sala de aula para alunos do curso técnico em agropecuária. Já o instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) Campus Alegre se prepara para dar início ao projeto de pesquisa intitulado “Bem-Estar e Desenvolvimento de Bovinos de Corte em Sistemas Silvipastoris: Avaliação Comportamental e Impactos do Estresse Térmico”, em parceria com a fazenda.
A pesquisa, de acordo com a coordenadora Aparecida de Fátima Madella de Oliveira, vai focar no estudo dos efeitos do estresse térmico, considerando que as árvores no sistema proporcionam sombra e um microclima mais ameno, o que pode reduzir o desconforto térmico. Atuarão no projeto alunos de Mestrado em Agroecologia e de graduação dos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas e Agronomia.
“Hoje a gente vive nesse mundo de pesquisa, é tudo pela ciência. Não é só ganhar dinheiro. Quando a gente encontra com esses universitários aqui dentro, para gente já é a nossa recompensa. Nosso sonho e nossa motivação para continuar plantando é promover o avanço da ciência e da pesquisa. Queremos promover conhecimento, deixar um legado”, destaca Eduardo.
Mais Conexão Safra
Economia verde
Uma outra possibilidade de renda pouco discutida há cerca de duas décadas, quando os irmãos começaram a floresta e que hoje tornou-se uma grande oportunidade, é a venda de crédito de carbono. No entanto, ainda existem muitas dúvidas sobre o funcionamento deste mercado para as cerca de 40 mil árvores que já têm formadas, entre elas o mogno, eucalipto, cedro australiano entre outras.
“As leis, até onde entendemos, para ter direito ao crédito de carbono a floresta precisa ser plantada para este fim. Quando você faz o plantio já destina aquela floresta para sequestrar carbono. As florestas plantadas até há pouco tempo atrás não eram consideradas aptas para receber esse crédito de carbono. Ou seja, hoje não conseguimos vender o crédito de carbono da nossa floresta”, conta Edson.
Mesmo sem a possibilidade da venda, a intenção, segundo Edson, é manter a floresta de pé. “Vamos no máximo desbastar um pouco devido ao espaçamento em alguns talhões que não foram plantados de forma adequada devido à falta de conhecimento da época”.
Comercialmente falando, “seria muito conveniente para nós vendermos essa madeira, receber um dinheiro bastante interessante e plantar novas florestas nesse mesmo espaço para receber carbono no futuro. Mas a gente sabe que a floresta formada como temos hoje sequestra muito mais carbono do que uma muda em formação e ajuda muito mais no equilíbrio ambiental. Não faz sentido nenhum derrubar as árvores adultas para plantar novamente”, esclarece Eduardo.
Para solucionar esta incógnita, Eduardo e Edson destinaram uma área de 90 hectares para formação de uma nova floresta e estão em busca de parceiros para aportar recursos no projeto. A proposta dos sócios é plantar árvores, juntamente com mudas nativas da Mata Atlântica como o cupuaçu, açaí, palmito Juçara, cacau, e, quem sabe, até mesmo café, e assim criar uma agroflorestal.
“Com o tempo começamos ver possibilidades diferentes de ter sustentabilidade econômica e financeira com a floresta em pé. O convívio tem mostrado que podemos fazer diferente, sem cortar as árvores ou espantar toda fauna e flora. Já temos um projeto econômico para formar a agrofloresta com arranjos diferentes, além de vender os créditos de carbono”, pontua Eduardo.
O crédito de carbono é comprado por grandes empresas poluidoras de dentro e fora do Brasil. “Já temos algumas propostas de ambas as partes, tanto de empresas do Brasil quanto do exterior que tem interesse em fazer parceria com a gente. Financiar o plantio e ficar com os créditos de carbono”, conta Edson.
Independente do retorno financeiro, o pesquisador João Gabriel explica que “a floresta da fazenda Tabatinga, assim como outras cultivadas no mesmo modelo, é melhor que a ausência de cobertura florestal e contribui muito para a regularidade do clima“.
Filosofia de vida
O que era para ser apenas a realização de um sonho pessoal se transformou em uma filosofia de vida. Além do apoio a ciência e a pesquisa, resgate social, educação ambiental e recuperação de áreas degradadas, passou a fazer parte da trajetória de vida dos irmãos Delesposti.
A Pró-reitora de Extensão da Uenf, Deborah Guerra Barroso, conta que “na oportunidade que tive de visitar a fazenda, observei grande preocupação com a produção sustentável de madeira e o compromisso com o papel ambiental e social do empreendimento, na busca de integrar a sociedade local, por meio de treinamentos e geração de empregos diretos e indiretos, colaborando com a educação ambiental e melhoria da qualidade de vida local”.
Eduardo explica que eles têm um projeto para o desenvolvimento regional do extremo sul Capixaba, que abrange os municípios de Mimoso do Sul, Apiacá e Bom Jesus do Norte.
“É possível fazer muitas coisas para gerar renda na região, além do café e do gado, e fixar as pessoas no campo. Eco economia, agro turismo, fomentar a criação de roteiros com restaurantes, venda de artesanato, fomentar a economia local, essa é a nossa ideia. Já levamos esse projeto tanto para as prefeituras locais quanto para o Governo do Estado”, explica Eduardo.
Faz parte do projeto a criação de uma escola artesanal de madeira, em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi), por meio do Sidmandeiras. A matéria prima virá do desbaste das árvores que será doada para capacitação de jovens e adultos em carpintaria, artesanato, marcenaria, entre outras profissões.
Na esteira de iniciativas que beneficiam a comunidade no entorno, está o programa de educação ambiental desenvolvido na Escola Municipal Professor Carlos Mattos, de Mimoso do Sul. Iniciado em março deste ano, o projeto é uma iniciativa voltada para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, com temas de grande relevância para a preservação ambiental. As atividades abordam questões como educação ambiental, sistemas agroflorestais, práticas sustentáveis, ecoturismo, agroturismo e empreendedorismo.
“O trabalho de educação ambiental com crianças tem um papel essencial no enfrentamento das mudanças climáticas. Ao ensinar desde cedo sobre a importância da preservação ambiental, práticas sustentáveis e o impacto das ações humanas no planeta, as crianças desenvolvem uma consciência crítica e um senso de responsabilidade. Elas aprendem a valorizar a natureza e a adotar hábitos que reduzem o impacto ambiental, como o uso consciente de recursos e o respeito à biodiversidade”, salienta a professora Natalia Pereira Zatorre, do IFF, que acompanha o projeto.
Sobre a motivação para apoiarem o projeto com a escola, Eduardo endossa o que disse a professora. “Nós entendemos que formar a consciência ambiental nas crianças é mais eficiente que mudar a mentalidade do adulto”, comenta.
O trabalho é desenvolvido por meio de uma parceria da fazenda com o IFF e o Fórum Capixaba de Agrofloresta e Madeira (FCAM). A Fazenda Tabatinga cede seus espaços, o IFF contribui com seus conhecimentos técnicos por meio de programas de extensão e estágios para estudantes. Já a escola, junto com o IFF, desenvolve o projeto pedagógico voltado para as crianças.
Parceiros da Fazenda há vários anos, o IFF, além da vivência de atividades no campo e das aulas práticas na área de produção de mudas, tem parceria com a fazenda para realização de projetos ambientais.
“Eles doam sementes de mogno e espécies nativas como ingá e açaí para as aulas práticas de produção de mudas. Uma parte das mudas é repassada para fazenda, as demais são usadas em projetos de reflorestamento das áreas de risco, conservação e recuperação de nascentes, desenvolvidos pelo instituto. Sem dúvida uma ajuda muito importante para nós, a comunidade do entorno e o futuro do nosso planeta”, enfatiza o engenheiro agrônomo, doutor em produção vegetal e professor do IFF, Lanusse Cordeiro Araújo.
As 12 represas da fazenda Tabatinga são provas da importância desse trabalho. Das 12 represas existentes, nove são resultado da retomada das nascentes, graças ao plantio da floresta e o trabalho de reflorestamento feito na propriedade.
Juntos em busca de soluções
Com o foco na preservação ambiental e apoio à ciência, em 2019 Eduardo criou o Fórum Capixaba de Água, Floresta e Madeira. Um grupo formado por instituições como Uenf, Instituto Terra, Ufes, IFF, Ifes, Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf), Sindicato da Madeira do Espírito Santo (Sindmadeira), Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo (Aderes)
“O Fórum nasceu por meio da interação dos atores de toda cadeia da madeira e funciona como um eco sistema de cooperação mútua e multidisciplinar, para a troca de conhecimento e discussão de possibilidades para o futuro do setor”, explica Eduardo.
O Fórum é uma entidade sem fins lucrativos que funciona virtualmente por meio de um aplicativo de celular e interage constantemente e se reúne sempre que há uma demanda.
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