Em Mimoso do Sul

Fazenda transforma mogno africano em símbolo de sustentabilidade no ES

A Fazenda Tabatinga, em Mimoso do Sul, abriga a floresta mais longeva do país e integra pecuária, ciência e música em um modelo sustentável de produção

*Fotos: Divulgação

A madeira é uma das matérias-primas mais estratégicas para a economia do Espírito Santo. Além de movimentar bilhões de reais em receita e impulsionar diferentes elos da cadeia produtiva — da floresta à indústria moveleira — ela também carrega um papel cultural, ambiental e social fundamental. Em 2024, o valor da produção da silvicultura atingiu R$ 971,6 milhões, com uma área plantada de 265,2 mil hectares, segundo resultados divulgados nesta quinta-feira (25) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)- confira abaixo.

O exemplo dos irmãos José Eduardo e Edson da Cruz Delesposti, produtores de mogno africano em Mimoso do Sul, ajuda a compreender como o setor pode se reinventar e, ao mesmo tempo, deixar um legado para o futuro. Personagens que já apareceram aqui na “Conexão Safra” em outra reportagem, eles são proprietários da Fazenda Tabatinga, que abriga a floresta de mogno africano mais longeva do Brasil e o maior sistema de Integração Pecuária Floresta (IPF) do estado.

“Este consórcio proporciona um maior bem-estar animal, os animais desfrutam de uma pastagem mais verde por conta do sombreamento e maior retenção de água no solo, diminuindo o estresse, com isso aumenta significativamente o ganho de peso e a quantidade da carne”, explica Edson.

Atualmente, a fazenda conta com 70 hectares de mogno africano, divididos em várias idades, sendo os mais antigos com 18 anos. Para os irmãos, o mogno é uma cultura de longo prazo. “O mogno é uma cultura cujos resultados virão no longo prazo, em média superior a 20 anos, considerando um sistema de cultivo mais convencional, isto é, sem tratos culturais muito intensos, com irrigação e adubação permanente. O desenvolvimento segue o rito das condições ambientais. A pecuária ajuda a ter receita a cada ciclo anual”, afirma José Eduardo.

Outro diferencial do projeto é a parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que atua como curadora do plantio. “A presença da Ufes no desenvolvimento de pesquisas com alunos de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado tem contribuído significativamente no desenvolvimento da agrofloresta com trabalhos de mapeamentos de espécies para consórcio com a madeira e desbastes do mogno quando necessário”, detalha Edson.

Para José Eduardo, “o intercâmbio permanente de conhecimentos teóricos e práticos é sempre uma boa experiência. A academia traz conhecimento novo, de fronteira, o ímpeto da juventude e a Fazenda, por sua vez, cede seus espaços e seus plantios para o desenvolvimento de experimentos e de novos conhecimentos”.

A professora da Ufes, Graziela Abaurre, reforça esse caráter pioneiro da Fazenda Tabatinga. “Os irmãos Delesposti são um caso de sucesso porque plantaram mogno africano numa época em que ninguém plantava. Eles estão extremamente abertos tanto para o setor quanto para a pesquisa. Abrem a fazenda para todo mundo que tem interesse em pesquisar e avançar no setor florestal. Não são todos proprietários que fazem isso”.

Legado

Mais do que negócios, a Fazenda Tabatinga também inspira cultura. A Orquestra Sinfônica de Bom Jesus de Itabapoana (RJ) utiliza a madeira do mogno africano produzido pelos irmãos para a confecção de instrumentos musicais. “Representa uma conexão perfeita entre produtores de madeiras nobres, ciência, cultura, arte e desenvolvimento sustentável”, diz Edson. Já José Eduardo resume: “Nós somos passageiros e a floresta também. Esta, às vezes, com um pouco mais de longevidade, a depender da destinação que se pretende dar a ela e à madeira. A arte e a cultura, se bem cuidadas, se eternizam nas obras, no conhecimento e nas emoções”.

Na visão de Rodrigo Ciriello, CMO da Futuro Florestal, presidente da Associação Nativas do Brasil e colíder da Força Tarefa de Silvicultura de Nativas da Coalizão Brasil, projetos como o da Fazenda Tabatinga mostram o caminho que o setor precisa seguir.

“O setor de produção de mudas de espécies tropicais, tanto nativas quanto exóticas como o mogno africano, é a base de todo o reflorestamento. Sem mudas não há plantio, e por isso é fundamental que haja políticas públicas, linhas de crédito adequadas e seguros florestais que deem segurança para investimentos de longo prazo”, afirma.

Ciriello destaca que, ao contrário de culturas mais consolidadas como eucalipto e pinus, as espécies nativas e o mogno africano ainda enfrentam ciclos produtivos longos e pouca união entre produtores e políticas públicas. “Esse é um setor que pode ganhar muita força justamente pela escassez de madeiras nobres de alto valor agregado no mundo, e os plantios sustentáveis são a solução para reduzir a pressão sobre as florestas tropicais naturais”.

Sobre a Fazenda Tabatinga, Ciriello acrescenta que conhece a iniciativa e a considera “fantástica” pela visão pioneira em integrar pecuária, reflorestamento e pesquisa científica. “Projetos como esse criam histórico técnico, ajudam a orientar novas políticas públicas e ainda fortalecem associações de produtores, que são essenciais para levar escala e sustentabilidade à silvicultura de espécies nobres no Brasil”.

Olhando para frente, os irmãos Delesposti pretendem manter a floresta em pé e buscar parceiros para financiar a formação de uma nova agrofloresta, desta vez com espécies nativas da Mata Atlântica.

“Os desafios são cada vez maiores pela falta de conhecimento e consciência ambiental, além de tantos outros. Tem também a questão do investimento a longo prazo, poucos se predispõem a fazer. Por isto estamos buscando parcerias com empresas que tenham consciência ambiental para tornarmos um estado mais promissor e um planeta melhor para nossos descendentes”, ressalta Edson.

José Eduardo complementa que a proposta vai muito além do uso econômico tradicional das florestas. “Encontrar parceiros que queiram nos ajudar a construir uma obra muito mais longeva, mais genuína e que traga benefícios grandiosos para a comunidade, para a sociedade e para a ciência. É um projeto que não tem fins comerciais convencionais como o corte e o processamento da madeira. É para ela ficar lá e contribuir para o restabelecimento da natureza, recuperar áreas degradadas, proteger nascentes, reconstruir a flora e a fauna e gerar novos conhecimentos”.

Mais do que um negócio, o mogno africano cultivado na Fazenda Tabatinga se transformou em símbolo de sustentabilidade e inovação. Um patrimônio ambiental, cultural e econômico que nasce em Mimoso do Sul e já ecoa em palcos, feiras e fóruns sobre o futuro da madeira no Brasil.

Espírito Madeira- A feira Espírito Madeira – Design de Origem, que teve sua terceira edição realizada de 11 a 13 de setembro, em Venda Nova do Imigrante (ES), é vista pelos produtores como a maior vitrine do setor no Espírito Santo. Eles viram o evento nascer desde antes da primeira edição, e os organizadores do evento integram o fórum criado pela dupla.“A Espírito Madeira é a maior vitrine para que os produtos da madeiras, móveis, instrumentos musicais e demais derivados sejam expostos e divulgados”, afirma Edson.

Para José Eduardo, o evento representa um marco: “Quando criamos o Fórum Capixaba de Agroflorestas e Madeira pensamos na integração de toda a cadeia produtiva da madeira: da muda ao móvel. Da muda à indústria. Não haverá madeira para industrialização indefinidamente, seja por extinção, seja pela restrição ou regulação. Então, precisamos pensar e agir com esta visão de ponta a ponta. A criação da Espírito Madeira teve a contribuição deste Fórum e tem a missão de ter esta visão integrada e dela cuidar para o futuro”.

Sobre o autor Leandro Fidelis Formado em Comunicação Social desde 2004, Leandro Fidelis é um jornalista com forte especialização no agronegócio, no cooperativismo e na cobertura aprofundada do interior capixaba. Sua trajetória é marcada pela excelência e reconhecimento, acumulando mais de 25 prêmios de jornalismo, incluindo a conquista inédita do IFAJ Star Prize 2025 para um jornalista agro brasileiro. Com experiência versátil, ele construiu sua carreira atuando em diferentes plataformas, como redações tradicionais, rádio, além de desempenhar funções estratégicas em assessoria de imprensa e projetos de comunicação pública e institucional. Ver mais conteúdos