Seca favorece fungos fitopatogênicos e liberação de CO2 em solo de pastagem, aponta estudo
por Agência FAPESP
em 21/07/2020 às 15h02
7 min de leitura
Um grupo de cientistas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) estimou o impacto da falta de água e da elevação de temperatura em solos plantados com forrageiras comumente usadas para pastagem.Os resultados da pesquisa foram descritos em dois artigos, o primeiro publicado na revistaMolecular Ecology, em abril e o segundo, naSoil Biology and Biochemistry, em junho.
De acordo com o micologistaTássio Brito de Oliveira, primeiro autor dos dois artigos, a seca causou mais impacto nos solos dessas pastagens do que o aumento de temperatura em 2o C &ndash, cenário semelhante à projeção feita pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas para o fim deste século &ndash,, inclusive em termos de liberação de dióxido de carbono por respiração do solo (efluxo de CO2).
“Períodos de seca podem modificar a diversidade de fungos presentes no solo, aumentando as espécies causadoras de doenças em plantas, além de alterar sua dinâmica de fertilidade. Observamos também que, na falta de água, o efluxo de CO2 do solo aumenta ”, conta Oliveira, doutor em microbiologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Os experimentos foram realizados em uma área de 3 mil metros quadrados instalada em ambiente aberto no campus da USP em Ribeirão Preto, em uma instalação denominada Trop-T-FACE, construída comapoioda FAPESP no âmbito do Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG). A instalação conta com dois sistemas: um denominado FACE (Free-air carbon dioxide enrichment), que permite simular condições futuras de CO2, e outro chamado T-FACE (Temperature Free-air Controlled Enhancement), que permite aos pesquisadores manipular variáveis como temperatura e umidade do solo.
No primeiro artigo, Oliveira e os colegas mostram que a seca favorece a proliferação de espécies de fungos patogênicos para as plantas, comoCurvularia,ThielaviaeFusarium, o que poderia intensificar a ocorrência de doenças. “Isso pode representar um risco para lavouras, principalmente as monoculturas ”, alerta.
No texto mais recentemente publicado, eles avaliaram o efeito das secas e do aumento de temperatura em 2 °C na atividade de enzimas relacionadas aos ciclos do carbono e do fósforo (liberadas por microrganismos como fungos e bactérias) e na respiração do solo. “Nesse segundo trabalho, vimos que o fator disponibilidade de água foi muito mais impactante do que o aumento da temperatura para as atividades das enzimas que correspondem às taxas de mineralização e decomposição do solo, responsáveis pela ciclagem dos nutrientes. E que o efluxo de CO2 do solo também aumentou com o estresse hídrico. ”
Assim, no caso das pastagens estudadas, menor quantidade de água no solo tem potencial para aumentar a liberação de carbono para a atmosfera. “Esse dióxido de carbono não é produzido apenas pelos microrganismos do solo, as raízes das plantas também produzem e liberam o gás ”, afirma Oliveira, atualmente pós-doutorando em microbiologia na FFCLRP-USP, sob a supervisão da professoraMaria de Lourdes Polizeli.
Diversidade e fertilidade
A área em que os experimentos foram feitos foi dividida em 12 parcelas. Primeiramente, os pesquisadores prepararam o solo e corrigiram o pH. Então, plantaram uma mistura de duas espécies de forrageiras comumente usadas em pastagens no país (80%Stylosanthes capitatae 20%Stylosanthes macrocephala), na mesma proporção em todas as parcelas.
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“Durante o tempo de crescimento das forrageiras [aproximadamente quatro meses], todas as 12 parcelas foram irrigadas constantemente. Quando as plantas atingiram o crescimento que nos interessava, paramos de irrigar seis das 12 parcelas ”, explica Oliveira.
O experimento foi desenhado para que as plantas estivessem suficientemente crescidas no período de seca e, assim, as parcelas que não foram irrigadas ficaram expostas a uma estiagem de 40 dias. “A área tem uma estação meteorológica própria. A temperatura e a umidade do solo eram medidas 24 horas por dia e a informação era enviada para um sistema de controle. Aquecedores infravermelhos instalados nas parcelas nos permitiam manter seis delas aquecidas sempre 2° C acima da temperatura ambiente registrada nas outras áreas ”, descreve.
As parcelas receberam os seguintes tratamentos: irrigação e temperatura ambiente, déficit hídrico no solo e temperatura ambiente, irrigação e acréscimo de 2° C na temperatura, e déficit hídrico no solo e acréscimo de 2° C na temperatura.
“Nenhum tratamento afetou a riqueza de espécies de fungos [número de espécies], que foi similar nas 12 parcelas. Mas a diversidade [que diz respeito ao número de espécies mais o número de indivíduos de cada espécie] foi modificada naquelas em que a água foi interrompida. Onde não havia estresse hídrico, uma espécie ou duas dominavam, e o restante delas aparecia com uma carga muito baixa de indivíduos. Já onde havia estresse hídrico, a abundância entre as espécies dominantes ficou mais bem distribuída e não havia uma única espécie dominando, mas várias, com aproximadamente a mesma quantidade de indivíduos. ”
Segundo os autores do estudo, as espécies que registraram aumento na quantidade de indivíduos foram principalmente as causadoras de doenças em plantas. “Trata-se de uma informação preocupante, principalmente porque, sendo um trabalho em campo, em que há interações com os fatores ambientais, os resultados são mais próximos da realidade ”, alerta o professor do Departamento de Biologia da FFCLRP-USPCarlos Alberto Martinez y Huaman, que coordenou umProjeto Temáticoda FAPESP vinculado ao PFPMCG. Ele lembrou que oFusarium, uma das espécies patogênicas que aumentaram na seca, está também envolvido em processos de emissões de óxido nitroso, um poderoso gás de efeito estufa.
Oliveira relata que a falta de água aumentou a atividade da fosfatase, enzima que solubiliza e mineraliza o fósforo. “Uma hipótese que levantamos é que, havendo redução do fosfato na região da raiz, os microrganismos associados a essas plantas aumentam a produção de fosfatase mais longe dessa região, solubilizam o fosfato e o levam até a planta. As plantas interagem em simbiose com alguns microrganismos, inclusive fungos: elas liberam nutrientes para o crescimento deles, e eles em troca absorvem nutrientes no solo e levam para elas. ”
A seca também afetou negativamente a atividade de enzimas que atuam nos ciclos do carbono. “Tanto a beta-glucosidase quanto a xilanase, que atuam no ciclo do carbono, foram influenciadas negativamente com a redução de água, pois a ausência de água reduz sua solubilidade. Além disso, com menos água tanto as enzimas quanto o produto delas se deslocam menos no solo, o que reduz a mobilidade desse substrato até o material que ele quer decompor, ou até o fungo. Assim, interrompem-se ciclos essenciais para manter os nutrientes no solo, o que afeta sua fertilidade. ”
Na avaliação do professor Martinez y Huaman, pesquisas sobre o impacto das secas e o uso da água são importantes instrumentos para os tomadores de decisão. “O contexto em que este estudo está inserido foi o de uma chamada conjunta do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, da Agência Nacional de Á,guas e do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, em 2015, quando o Sudeste atravessava uma crise hídrica. A Agência Nacional de Á,guas começou a receber pedidos de outorga de uso da água para regar pastos, e queria subsídios para tomar decisão: vale a pena regar pastagens? Havia necessidade de pesquisas para saber como a falta de água, associada com elevadas temperaturas, estaria afetando as pastagens. ” De acordo com o pesquisador, o Brasil tem 160 milhões de hectares cultivados com forrageiras para pastagens e, portanto, conhecer melhor o impacto das mudanças climáticas sobre as pastagens e das pastagens sobre as mudanças climáticas é sumamente importante e relevante. O professor Martinez y Huaman considera que é urgente a seleção de forrageiras mais resistentes à seca para enfrentar as mudanças climáticas.
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