Rastreabilidade

Agricultura debate identificação da origem de frutas e verduras

Produtores questionam regras de portaria estadual, em vigor desde 2018, e que foi motivada pelo uso de agrotóxicos nos produtos e necessidade de controlar técnicas de cultivo

Encontro reuniu gestores públicos das áreas de saúde e agricultura e produtores rurais / Foto: Heloísa Mendonça Ribeiro

A rastreabilidade de frutas, legumes e verduras produzidos e comercializados no estado foi tema de debate na Comissão de Agricultura da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) nesta terça-feira (1º), reunindo gestores públicos e produtores rurais. Uma das questões levantadas refere-se ao uso de etiqueta para identificar a origem dos produtos, conforme exigência na Portaria 1/2017, das Secretarias de Estado de Agricultura (Seag) e Saúde (Sesa), em vigor desde novembro de 2018.

Conforme a portaria, essas etiquetas devem ser afixadas nas caixas, sacarias ou embalagens a granel com os dados como nome do produtor, CNPJ ou inscrição estadual, endereço, nome do produto, variedade (se houver), data da colheita e número do lote. De acordo com a Seag, a norma não define um modelo único de etiqueta, sendo “aceitas etiquetas térmicas, impressas, manuscritas ou qualquer formato que garanta identificação clara e inequívoca do produto”.

A medida se aplica a todos os envolvidos na cadeia produtiva, desde os produtores rurais até as redes atacadistas e varejistas, de venda final dos produtos. De acordo com a Seag, são exigências da portaria também a emissão de nota fiscal, a guarda de receituários agronômicos e notas fiscais de aquisição de agrotóxicos e o registro de informações sobre lotes e quantidades produzidas.

O encontro reuniu o coordenador de Agroecologia e Produção Orgânica da Seag, Luciano Fasolo; o gerente de Vigilância em Saúde da Sesa, Juliano Mosa Mação; a nutricionista da Sesa Priscila Endlich Lozer; o assessor de rastreamento das Centrais de Abastecimento do Espírito Santo S.A. (Ceasa), Marcos Antônio de Magalhães; e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Maria de Jetibá, Egnaldo Andreatta.

Controle de agrotóxicos

Fasolo foi o primeiro a falar e lembrou o processo histórico que levou à elaboração da portaria. Segundo o coordenador, a regra foi criada como consequência de uma iniciativa do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES).

De posse de resultados de monitoramento de resíduos de agrotóxicos em hortaliças e frutas no estado, o órgão percebeu que, apesar dos riscos para o consumidor e também para o agricultor, não havia informações que permitissem chegar ao produtor daqueles alimentos. A partir de então, a portaria foi elaborada com a participação da sociedade civil, de produtores e das autoridades envolvidas com a produção, a saúde e o cumprimento da legislação.

O coordenador da Seag frisou que os agrotóxicos não são proibidos no país e que a portaria nunca pretendeu vedar os defensivos, mas defendeu que eles sejam usados de acordo com a regulamentação existente e a devida prescrição técnica. E, quando isso não ocorre, além dos riscos para o consumidor final, há um perigo ainda maior para os produtores, que podem sofrer contaminação com produtos.

Para Fasolo, a Seag tentou ser o mais flexível possível com os produtores. “A portaria não traz, no seu escopo, nenhuma grande alteração do ponto de vista legal. Ela reitera alguns procedimentos que já são obrigatórios. Por exemplo, a emissão da nota fiscal, guardar em registro notas dos agrotóxicos e manter registro de manejo. Talvez a única obrigação adicional que a portaria traz é a necessidade de uma identificação, a etiqueta da rastreabilidade, mas também não determina um padrão de como o produtor rural vai identificar o seu produto. O produtor rural pode usar etiqueta térmica, manuscrita, código de barra… a portaria faculta ao produtor a escolha dessa etiqueta”, ponderou.

O coordenador também garantiu que em nenhum momento a ideia foi penalizar ou punir o produtor de alimentos que tenha sido identificado com alguma inconformidade. Para Fasolo, a ideia é chegar ao produtor e orientar, corrigir o problema e garantir a saúde de todos os envolvidos.

Política pública nacional

O gerente de Vigilância em Saúde da Sesa, Juliano Mação, lembrou que desde o início dos anos 2000, nas análises de alimentos em que se percebia resíduos de agrotóxicos, havia a dificuldade de chegar ao produtor dessas frutas e hortaliças. Segundo Mação, entre os anos de 2016 e 2017 começou um movimento nacional pela rastreabilidade dos produtos naturais. E a portaria capixaba foi, então, resultado dessa necessidade do Estado e do país.

Ele afirmou que, a partir daí, os órgãos de saúde e da agricultura do Estado fizeram cartilhas, divulgaram informações e orientaram os envolvidos em toda a cadeia produtiva dos alimentos.  Para Mação, a pandemia atrasou um pouco o processo de implementação das regras da portaria, mas os órgãos responsáveis vêm cumprindo seu papel de fiscalizar e orientar. “Sabemos que não é só uma normativa que vai mudar, precisa de um movimento mais amplo”, afirmou Juliano Mação.

Riscos à saúde

Já a nutricionista da Sesa Priscila Endlich Lozer reforçou o risco dos agrotóxicos para a população e para o meio ambiente. “Os agrotóxicos podem expor as pessoas a grandes problemas de saúde, além de impactos na terra, na água (…), grandes impactos ambientais. Nosso papel é monitorar os resíduos de agrotóxicos nos alimentos (…)  a gente analisa pa não expor o consumidor. Daí vem a importância da rastreabilidade, para saber todo o percurso do alimento”, defendeu.

O assessor de rastreabilidade da Ceasa, Marcos Antônio de Magalhães, falou do trabalho desenvolvido pelas centrais de abastecimento para auxiliar os produtores a seguirem as regras. Para Magalhães, a Ceasa é a “casa do produtor rural” e o órgão auxilia os agricultores em todo o processo que eles necessitam, principalmente na etiquetagem dos produtores, uma das maiores reclamações dos produtores.

Além de debates periódicos sobre a rastreabilidade e de espaço na Ceasa para ajudar nesse processo, são realizadas visitas às propriedades rurais para orientação dos agricultores no local de produção.

Custos para o produtor

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Maria de Jetibá, Egnaldo Andreatta, falou em nome dos produtores. Ele fez um histórico das legislações que os agricultores precisaram seguir no país desde 1934, quando foi editado o primeiro Código Florestal no país.

Para Andreatta, cada legislação implementada traz custos para o produtor, mas são custos eventuais. A portaria de rastreabilidade, no entanto, na visão do presidente do Sindicato, impõe custos permanentes ao produtor todos os meses.  Andreatta disse que os agrotóxicos não são proibidos e que, se utilizados corretamente, são benéficos à produção rural. Para o sindicalista, a portaria pode ser aperfeiçoada.

Aperfeiçoamento

“Não queremos tirar o direito de o consumidor final de saber de onde vem o produto. Mas queremos trazer a discussão que a portaria pode ser aperfeiçoada em vários aspectos. Por exemplo, em 2018 não tinha nota fiscal eletrônica, o Estado não tinha banco de dados de produtores, hoje tem. Muitos aspectos podem evoluir nas normas”, disse Andreatta.

Respondendo a Andreatta, o coordenador da Seag, Luciano Fasolo concordou com a necessidade de melhorias na portaria. E disse que os envolvidos com a questão – inclusive a Secretaria da Agricultura –  estão à disposição e abertos a conversas para aperfeiçoar as normas atuais.

Na questão da etiquetagem, uma das sugestões de Egnaldo foi que, na emissão da nota fiscal, já se pudesse gerar um segundo arquivo que funcionasse como etiqueta dos produtos. “Seria um grande avanço”, opinou o produtor.

Parceria da Ales

Também o presidente da Comissão de Agricultura, deputado Adilson Espindula (PSD), avaliou como dificuldade dos produtores a etiquetagem dos produtos. Segundo ele, A Assembleia pode ajudar a buscar recursos para que a Ceasa, por exemplo, adquira equipamentos para auxiliar os produtores nessa área.

“Nosso papel é estar ao lado do produtor rural, ouvir suas dificuldades, buscar soluções que sejam justas e viáveis. Defendemos, sim, a rastreabilidade, no entanto, acima de tudo, queremos que ela seja colocada em prática de forma menos burocrática. É importante também dar o devido suporte técnico para quem está lá no campo, produzindo com muito esforço. Não podemos permitir que normas importantes se tornem barreiras para quem garante o alimento na nossa mesa. O caminho é esse: parceria, orientação e simplificação. Foi isso que buscamos fazer nessa reunião”, concluiu o parlamentar.

Além do presidente, participaram da reunião os deputados João Coser (PT), Toninho da Emater (PSB), Janete de Sá (PSB) e Mazinho dos Anjos (PSDB).