Cafés especiais: a salvação da lavoura capixaba
Produtores investem em cafés de qualidade que já figuram entre os melhores do mundo
por Redação Conexão Safra
em 21/06/2017 às 0h00
12 min de leitura
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Seja para começar o dia, após as refeições ou simplesmente o motivo para uma reunião de amigos. O hábito de tomar um “cafezinho ” já é tão brasileiro quanto a combinação de feijão e arroz. O Estado do EspíritoSanto sempre foi conhecido por sua produção de café em grande quantidade. Ainda em meados do séculoXIX, os cafezais começaram a substituir, gradativamente, a cultura de cana de açúcar no território capixaba. O aumento das lavouras cafeeiras foi fundamental para o desenvolvimento econômico de nosso Estado.
Nos últimos 20 anos, uma nova modalidade do produto vem ganhando cada vez mais espaço nas propriedades e no paladar de quem experimenta. São os cafés especiais que estão ganhando espaço e conquistando apreciadores dentro e fora do Estado e também no exterior.
A produção tornou-se uma alternativa de renda extra que está possibilitando a continuidade de produtores rurais e a participação de novas gerações nos negócios familiares que já enxergam um futuro promissor para a essa bebida capixaba.
Segundo o engenheiro agrônomo e especialista em café, Fabiano Tristão, servidor do Instituto Capixaba de Pesquisa Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) do município de Brejetuba, os cafés especiais começaram a figurar no cenário da agricultura capixaba no final da década de 1990. “A partir de 1997, começou um trabalho na mudança da filosofia e dos cuidados na colheita do grão. O que era feito no chão passou a ser na peneira ou na lona, aliando ao emprego de tecnologias para uma melhor padronização. Com isso, nossos cafés começaram a ganhar prêmios ”, conta Tristão.
Para 2016, a estimativa é que a colheita de café arábica no Estado chegue a três milhões e 700 sacas, dessas, mil e quinhentas de cafés de qualidade superior que irão garantir uma rentabilidade extra para os produtores na casa dos R$ 200 milhões.
O município de Brejetuba é considerado o maior produtor de café arábica do Estado, chegando a uma produção de 400 mil sacas. Metade dessa quantidade é de cafés especiais. Um dos produtores da região que está dedicando esforços aos especiais é Giovani Carlos Tozzi, produtor do “Cafés Tozzi Especial ”. Sua propriedade é o Sítio Jacutinga com 25 hectares, sendo 17 destinados à produção de café em uma altitude de 700 a 900 metros.
A história de Giovani com cafés de qualidade vem desde a infância quando observava seu pai tratar o café produzido com um cuidado diferenciado. “É uma tradição de família fazer café especial. Há 40 anos via meu pai na produção e aprendi com ele o gosto, até que tomei a frente dos negócios. Meu pai fazia o trato do café por prazer ”, conta Giovani.
Na época, uma parte do café colhido era descascado, mas não havia um mercado para o café especial, então ele era vendido, praticamente, pelo mesmo valor que o convencional, realidade que se manteve até os últimos 20 anos. “A gente vendia o café a cinco reais a diferença, os produtores não queriam porque não compensava. A gente descascava o café pra diminuir o volume no terreiro. De 20 anos pra cá, o mercado ficou interessante. ”
Segundo Tozzi, atualmente, a diferença entre o café comum e o despolpado varia de R$ 100 a R$ 150. O cafeicultor está conseguindo vender a R$ 800 a saca do chamado café gourmet que é vendido direto para o consumidor final, pela internet, e também em comércios em Venda Nova do Imigrante, na Rota do Lagarto, em Pedra Azul, e no próprio município de Brejetuba. Um site próprio está sendo montado para ser um meio de vendas.
Os Cafés Tozzi estão conseguindo chegar acima de 84 pontos na escala de qualidade e já foram premiados em concursos. “Além de agregar valor para nosso produto e possibilitar uma renda extra, temos o prazer de vender um bom produto, é um valor satisfatório. Cerca de 40% de nossa produção é de cafés com qualidade superior. Já consegui chegar a 86 pontos ”, completa Tozzi.
A propriedade da família está localizada no Sítio Jacutinga, a seis quilômetros da sede de Brejetuba. Hoje, quem está à frente da produção dos Cafés Tozzi é o filho Giovani Tozzi Júnior.
Café em cápsulas
Um dos diferenciais dos Cafés Tozzi, são as cápsulas, que produzem a quantidade de 50 ml a 60 ml por vez. A ideia de produzi-las surgiu após Giovani visitar uma feira internacional, em Belo Horizonte, onde achou interessante e prática essa forma de servir o café. A novidade despertou a curiosidade, e ele que decidiu fazer o mesmo em casa.
Após começar encapsular o café, rapidamente a novidade se espalhou. Como a produção e a procura cresceram muito, Tozzi precisou terceirizar o processo de encapsular o café. Hoje, a produção anual é de 12 mil cápsulas, mas a expectativa é chegar a 20 mil. Visando a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente, em breve, o material de produção das capsulas será biodegradável.
Garantia de sucessão na lavoura
Uma das grandes preocupações dos pais é o futuro profissional de seus filhos. O agricultor Deneval Miranda Vieira, 45 anos, viveu essa mesma preocupação com seus quatro filhos no interior de Iúna, mais precisamente na Fazia Alegria, que passou por dias tristes pela dificuldade em produzir café, demandando muito trabalho para pouco resultado. Diante daquela situação, a saída seria incentivar os filhos a estudarem e construírem o futuro fora da propriedade.
“A gente sabia que as pessoas falavam pros nossos filhos que, se eles não estudassem, ficariam igual aos pais. A situação era muito difícil e os filhos queriam ir embora. Eu pensava se fosse pra eles sofrerem como eu sofri, era melhor irem embora mesmo. O que eu queria era ver eles felizes ”, relata Deneval.
A realidade da família começou a mudar quando Deneval fez algumas mudanças no processo de pós-colheita de seu café, introduzindo o terreiro de cimento para secagem, a colheita na lona e outras técnicas que melhoraram a qualidade do produto. Em 2010, o produtor participou pela primeira vez de um concurso de qualidade, que reuniu cafés de Minas Gerais e do Espírito Santo, ficando em quarto lugar. O bom resultado despertou a vontade de fazer ainda melhor. “Na época pensei: quero produzir o melhor no que faço e quero qualidade do meu produto. ”
A partir daí surgiu o Café Cordilheiras do Caparaó, que possibilitou a continuidade dos trabalhos de Deneval e incluiu os quatro filhos no projeto: Rosival (25), Douglas (22), Valsilene (18) e Deneval Júnior (16), que atuam também na comercialização e na divulgação do produto. Eles fizeram um portal na internet sobre o Café Cordilheiras do Caparaó, criaram página em rede social, como o Facebook, e disponibilizaram um canal de comunicação via WhatsApp.
Com ajuda da esposa Rose Vieira (43), Deneval intensificou o trabalho com foco no café especial e seu produto já foi até pra fora do Brasil. “Em 2015, participei de um concurso em Iúna e fui premiado em quatro cafés. Hoje, já tenho parceria com empresa de São Paulo que exporta café ”, conta Deneval.
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A família participa diretamente da produção do Cordilheiras do Caparaó e os filhos estão se especializando em áreas ligadas à bebida. “O café especial é a oportunidade dos meus filhos trabalharem aqui. Um deles já está fazendo curso de degustação. Nós mesmo queremos avaliar nosso café, isso gera motivação e emprego. Quem sabe teremos um barista e degustador trabalhando na propriedade? Cada vez mais posso profissionalizar meus filhos, para ter profissionais trabalhando na zona rural ”, comemora.
A média de produção de café especial da família é de 100 a 150 sacas por ano, em 12 hectares. Deneval ainda quer seguir em frente e compartilhar o que aprendeu e desenvolveu em sua propriedade. “Meu sonho é ter um sítio modelo na produção de cafés especiais com sustentabilidade, sendo exemplo pra outros produtores. Quero a propriedade aberta à visitação para os visitantes acompanharem a linha produção ”, finaliza.
Estímulo à produção de café orgânica e biodinâmica nas montanhas capixabas
Visando consolidar as regiões de montanhas do Espírito Santo como áreas produtoras de cafés especiais noBrasil, com qualidade e agregação de valor, e beneficiar os produtores locais com aumento da rentabilidade de suas lavouras, o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) aposta nos cafés orgânicos e biodinâmicos.
O Programa de Produção de Cafés Especiais, Orgânicos e Biodinâmicos do Espírito Santo (Cafébioes) foi lançado em setembro, na Fazenda Camocim, em Domingos Martins, e vai provar a viabilidade econômica do sistema, que de modo socialmente justo e ambientalmente compatível com a preservação e recuperação dos recursos naturais visa disseminar seus benefícios para pequenos e médios produtores capixabas e assegurar a sustentabilidade.
O Cafébioes visa, essencialmente, estimular a produção orgânica e biodinâmica de cafés, com certificação nacional e internacional, em pequenas e médias propriedades na região de montanhas do Espírito Santo, bem como a conversão de lavouras tradicionais. A meta é atingir 50.000 sacas de café em grão/ano ao final do período 2017/2026.
A iniciativa deve mobilizar entre 250 a 300 produtores locais. Muitos dos quais já desenvolvem processos de produção de cafés de qualidade superior. Os produtores interessados em participar do programa deverão se integrar mediante acordo ou contrato de parceria firmado com a Casa Sloper/Fazenda Camocim, que será integradora de um complexo agroindustrial de produção de cafés especiais, responsabilizando-se pelas atividades de promoção, comercialização, marketing, beneficiamento, coordenação da assistência técnica, articulação com entidades certificadoras, e distribuição de insumos.
A passagem de uma produção tradicional para o manejo orgânico e biodinâmico requer planejamento, capacitação e investimento. Antes de investir na produção deve-se buscar conhecimento do modo de manejo e dos mercados. Neste processo compete ao Bandes, analisar as propostas e financiar os produtores para o plantio ou conversão de áreas no sistema de produção orgânica e biodinâmico, que envolve métodos especiais de cultivo.
Produção Orgânica e Biodinâmica
O sistema de produção agropecuária orgânica preconiza a adoção de técnicas que visam à preservação da diversidade biológica dos ecossistemas naturais, a utilização sustentável do solo e da água nas propriedades rurais, a manutenção e incremento da fertilidade da terra, o aproveitamento e reciclagem de resíduos orgânicos gerados na atividade produtiva, processos estes que resultam na produção de alimentos e outros produtos agrícolas isentos de resíduos contaminantes.
O manejo biodinâmico dos tratos culturais respeita os ciclos da natureza e o uso de preparados homeopáticos, com ervas e sobras da biomassa para potencializar os efeitos da agricultura orgânica na preparação de produtos de alta qualidade.
Não são utilizados, portanto, na produção orgânica e biodinâmica, fertilizantes químicos, agrotóxicos e pesticidas.
Cafés especiais cada vez mais presentes na rotina do capixaba
Os cafés especiais vêm conquistando admiradores por onde passam. Os produtos capixabas já figuram até fora do Brasil e a missão agora é ganhar mais apreciadores dentro do Espírito Santo. Esse é um dos objetivos do mixologista Diogo Cypriano, 29 anos, fundador do Birita Coffee Beans, bar localizado no principal reduto universitário de Vitória: a Rua da Lama, em Jardim da Penha.
“Tomei a iniciativa de trazer o café especial para um reduto universitário para que outras pessoas se apaixonem por ele como eu me apaixonei. Estamos convencendo um novo público, proporcionando uma aproximação com a fruta, para que vejam que o café sem açúcar é bom ”, relata Diogo.
O mixologista decidiu oferecer para o seu público uma iniciação ao café especial. Ele estuda há cerca de três anos e meio o assunto e garante que o café capixaba pode ser considerado um dos melhores do mundo. “Tem quatro anos que a região do Caparaó tem os cafés premiados, na Semana Internacional do café. Morei na França e vejo o café do nosso Estado como um dos melhores, com notas mais cítricas e ganhando prêmios ”, conta.
Cypriano percebeu a força do café especial capixaba quando fez uma degustação em um curso em Paris, onde provou um dos melhores cafés que era capixaba: o Café Jacu da Fazenda Camocim. “Percebi que estou na região que produz um dos melhores cafés do mundo e não dou o devido valor. As regiões do Caparaó e Pedra Azul são privilegiadas na produção de café de qualidade superior. ”
O jovem está empenhando em trazer, principalmente para o capixaba, a opção do café especial. Segundo ele, a experiência está sendo fantástica. As pessoas que frequentam o bar estão vendo que o café especial sem adição de açúcar não tem amargor, devido ao trabalho pós-colheita que é realizado pelos produtores.
O foco do momento é tornar o café de fácil compreensão, mostrar que a bebida não tem amargor e ressaltar suas notas sensoriais. “As notas do café são destaque. Sempre estudei bebidas em geral e foquei nessa parte sensorial e o café engloba esse mundo místico de investigar o sabor. As pessoas provam e percebem que passaram a vida toda sem saber que o café é doce ”, revela Diogo.
O Birita Coffee Beans tem seu horário de funcionamento no fim da tarde e início da noite, mas, devido ao projeto de Diogo, a partir de novembro o estabelecimento vai abrir em um novo horário, focando no público consumidor de café. “Sou um cara de fora do mundo do café e me apaixonei pelo café e quero mostrar que todos podem se apaixonar ”, finaliza.
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