pube
Cafeicultura

Êxodo profissional: mulheres migram para a cafeicultura

por Flávio Cirilo

em 22/04/2025 às 5h00

7 min de leitura

Êxodo profissional: mulheres migram para a cafeicultura

Fotos: arquivo pessoal

Siga nosso Instagram: @conexaosafra

Nos últimos anos, o protagonismo feminino no agronegócio tem crescido de maneira significativa no Brasil, especialmente na cafeicultura, onde é possível encontrar mulheres, que se destacavam em profissões convencionais dos grandes centros urbanos, e agora lideram com suas próprias produções no campo.

Um exemplo inspirador desse “êxodo profissional” é a Adda Maria Bettero Monteiro Lobato Machado, produtora de café e Analista Judiciário Especial (escrivã) na Vara Cível de Mimoso do Sul, no Sul do Espírito Santo.

A relação dela com o café começou cedo, ainda na infância, na Fazenda Santa Maria, no município de Muqui. Seu avô materno, Antônio Bettero, era produtor e incentivava a participação dos netos nas atividades das lavouras.

A relação de Adda com o café começou cedo, ainda na infância, na Fazenda Santa Maria, no município de Muqui

“Meu avô não tinha formação acadêmica, mas era um italiano tremendamente inteligente e nos envolvia nas rotinas da fazenda, especialmente na época da colheita do café. Ele fez para mim um rodinho e eu passava os dias no terreirão, naquela época de terra batida, mexendo o café. Acho que ali um carocinho caiu no meu coração”, relembra Adda Machado.

Embora tenha passado quase 60 anos longe da lavoura, o sonho de ter sua própria produção nunca foi esquecido. E assim que teve a oportunidade, a funcionária pública decidiu plantar seu próprio café, equilibrando o empreendedorismo com sua exigente rotina profissional no Judiciário.

“Minha vida ficou ainda mais movimentada e praticamente meus feriados e finais de semana são dedicados a essa atividade. Minha rotina na produção de café é fazer absolutamente tudo que for necessário. Desde plantar, adubar, colher, secar, levar para pilar e, finalmente, entregar na cooperativa. É uma rotina pesada, mas prazerosa”, conta.

A jornada não é fácil. Além dos desafios naturais do setor, como mudanças climáticas e oscilações de mercado, Adda também enfrenta as barreiras históricas impostas às mulheres no campo.

pube

“Não é algo simples transformar sonhos em realidade. Esbarramos com muitas coisas que nos mostram que a realidade é mais complexa. Tudo é novidade, tive que aprender muita coisa e ainda estou no processo de aprendizagem”, reflete.

Apoio e suporte 

Porém, iniciativas como o grupo Póde Mulheres, da Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Estado do Espírito Santo (Cafesul), têm sido fundamentais para esse “êxodo profissional”, oferecendo apoio e incentivo às produtoras.

“Esse grupo tem transformado a realidade de mulheres que passaram de ilustres desconhecidas a mulheres empoderadas e premiadas”, afirma Adda Machado.

Desde 2014, a Cafesul desenvolve um projeto especial com esse grupo de mulheres. E, desde 2015, realiza concursos de qualidade exclusivamente delas, onde, ao final do concurso, são adquiridos alguns lotes de qualidade superior que vão para embalagem do Póde Mulheres, o café comercializado pela cooperativa.

Além disso, a Cafesul ainda investe em capacitações e desenvolve projetos junto ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), como, por exemplo, o Negócio Lucrativo Rural, que visa melhorar os processos produtivos e de gerenciamento de propriedade.

Da Embaixada Americana às lavouras do ES

O Grupo Póde Mulheres também ajudou Eliana Fernandes Bernardo, que por décadas, viveu entre números e relatórios na Embaixada Americana em Brasília, a se encontrar e se realizar profissionalmente por meio da produção do café em Jerônimo Monteiro.

Com uma carreira consolidada na contabilidade e uma rotina regrada dentro de um escritório, a aposentadoria trouxe a oportunidade de uma mudança inesperada: o retorno às raízes familiares no Espírito Santo e o desafio de empreender na cafeicultura.

Inspirada pela tradição do avô, Eliana decidiu dar continuidade ao legado familiar e iniciou, em 2021, a produção de café orgânico

“Trabalhei dentro de um escritório, por 36 anos, de 08h às 17h30. Quando aposentei, vim passar um tempo aqui no Espírito Santo, sem pretensão de me mudar para cá. Eu e meus irmãos herdamos uma propriedade rural no Sul do Estado. Meu avô plantava café, cana-de-açúcar e outras culturas nessa fazenda. Foi aí que me veio a ideia de plantar café, com o incentivo dos meus irmãos, para ter uma atividade, aumentar a renda e manter a tradição do meu avô, nessa fazenda centenária”, explica Eliana Bernardo.

Inspirada pela tradição do avô, ela decidiu dar continuidade ao legado familiar e iniciou, em 2021, a produção de café orgânico. Entretanto, a decisão de trabalhar com esse tipo de cultivo trouxe alguns obstáculos.

“Tive muitos desafios, pois entrei num ramo totalmente diferente do meu. O maior desafio foi acabar com o capim sem uso de herbicidas. O trabalho e o custo com mão de obra dobraram em relação ao café convencional”, conta Eliana, que não se deixou abalar pelas dificuldades e foi em busca de conhecimento e ferramentas para enfrentá-las.  

E, nessa busca, ela encontrou a Cafesul, que além de conhecimento a ajudou com orientação técnica especializada.

Assim, a contadora aposentada implementou um sistema sustentável, investiu em irrigação, clones produtivos, práticas livres de agrotóxicos e fez com que os negócios fluíssem com mais segurança. O trabalho conjunto e especializado fez com que ela, inclusive, conquistasse a certificação orgânica em 2024, um marco em sua trajetória.

No entanto, a falta de mão de obra especializada e a dificuldade de acesso a insumos forçaram uma reavaliação do negócio. “Meu meeiro me deu um ultimato. Ele não continuaria tocando meu café se eu mantivesse o sistema orgânico”, revela. Com isso, Eliana optou por migrar para o café convencional, um caminho desafiador, mas necessário para a viabilidade da produção.

Atualmente a contadora aposentada divide seu tempo entre a cidade de Vila Velha, onde aproveita a praia e atividades ao ar livre, e a propriedade rural, onde se dedica ao cultivo do café. “A atividade rural me deu mais liberdade. Não tenho horários rígidos e posso desfrutar da vida saudável no campo”, diz.

Participação das mulheres na cafeicultura

Nos últimos três anos, a participação feminina na cafeicultura tem crescido no Espírito Santo. Segundo o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), 4.203 dos 17.457 atendimentos no setor foram destinados a mulheres. 

A tendência de maior protagonismo feminino no setor também é apontada pelo último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Conforme indicam os dados, dos 108.014 estabelecimentos agropecuários, 14.661 são liderados exclusivamente por mulheres. Além das proprietárias, muitas mulheres atuam como codiretoras junto aos cônjuges. No país, 32.400 delas participam da gestão de propriedades com café arábica, enquanto outras 15.700 estão envolvidas na produção de café canephora.

Um levantamento da International Coffee Organization ainda indica que, no mundo, entre 20% e 30% das fazendas de café são administradas por mulheres. Em algumas regiões, elas representam até 70% da força de trabalho na produção. No Brasil, a presença feminina na liderança dos estabelecimentos agropecuários chega a 13,2%.

Clique aqui e receba as principais notícias do dia no seu WhatsApp e fique por dentro do que acontece no agronegócio!