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Agropecuária

Agricultores do Paraná pavimentam caminho para futuro da agropecuária

No Noroeste do Estado, próximo à divisa com Mato Grosso do Sul, agricultores estão pavimentando o caminho para a sustentabilidade na intensificação da produção agropecuária

por Leandro Fidelis

em 29/02/2024 às 6h03

12 min de leitura

Agricultores do Paraná pavimentam caminho para futuro da agropecuária

Além de promover benefícios agronômicos, a ILP contribui para melhorar a qualidade do solo, aumentar a produção forrageira e, consequentemente, impulsionar a rentabilidade da pecuária, representando uma abordagem sustentável para a região. (*Fotos: Divulgação)

A região Noroeste do Paraná enfrentou, em quase 20 anos, uma significativa transformação nas áreas anteriormente destinadas à pecuária extensiva, especialmente aquelas cobertas por pastagens perenes, predominantemente de braquiária. A baixa rentabilidade da pecuária em comparação com o atrativo mercado da soja levou à conversão dessas áreas em cultivos de soja e milho.

No entanto, conforme a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), muitos desses novos terrenos apresentam solos arenosos com baixa capacidade de retenção de água e nutrientes, além de enfrentar problemas de erosão, especialmente em declives acentuados. Isso cria desafios significativos para o manejo sustentável e rentável de culturas graníferas nessas regiões, como observado no Noroeste paranaense, geologicamente conhecido como “Arenito Caiuá” ou “Areião”. A implementação da Integração Lavoura-Pecuária (ILP) surge como uma alternativa promissora nesse contexto. Ao integrar o cultivo de grãos, como a soja, com pastagens, especialmente leguminosas como a braquiária, em solos arenosos, a ILP vem para otimizar o uso dessas áreas.

A Fazenda Santa Felicidade, no município de Maria Helena, é um caso de sucesso. Tudo começou em 2000, quando o proprietário, o veterinário Antônio César Formighieri (59), da terceira geração à frente dos negócios, percebeu a necessidade de revisitar os métodos tradicionais de agricultura. “O espaço estava todo degradado, e tirar dinheiro da pecuária não fechava a conta. Fiz um curso de especialização em Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) na Universidade Federal do Paraná e fui atrás da Cocamar Cooperativa Agroindustrial buscar apoio”, conta o agricultor, em sua 24ª safra consecutiva no “Areião”.

Com seus 158 alqueires, a fazenda tornou-se um laboratório prático para a ILPF. O modelo adotado intercala o cultivo de duas safras de soja com dois anos de pastagem perene, utilizando tecnologias como cultivares de soja tolerantes ao glifosato, Sistema Plantio Direto (SPD) aprimorado e pastagens bem escolhidas. Nesse ciclo, o plantio de soja no verão (50%) e pastagem no inverno (100%), numa área de cerca de 80 alq, assegura pastagens sempre frescas para o gado. Entre o plantio em outubro e a colheita “do soja”, em fevereiro, são em média 120 dias, sendo que de 60 a 75 dias já é possível introduzir o gado no sistema e alimentá-lo com a braquiária. “Com isso sempre tem pasto bom, principalmente no inverno, e tiro o gado do pasto velho e o coloco no novo”, explica Formighieri.

A rotação inteligente de culturas não apenas aprimora a fertilidade do solo, mas também impulsiona a produtividade. Neste, que promete ser “ano bom de soja”, Formighieri estima produção média de 160 a 180 sacos por alqueire, acima da regional, em torno de 115 scs/alq. Atualmente são 225 cabeças de gado Nelore e Angus no sistema, mas no inverno chega a 400 cabeças. A atividade pecuária está concentrada na terminação de fêmea. Mais recentemente, a Cocamar passou a comprar parte da carne. Quanto à soja, toda a produção é entregue à cooperativa.

Formighieri: “Gosto muito do sistema cooperativista porque, na verdade, somos os donos da cooperativa, diferente de uma empresa qualquer, que só visa lucro”.

A partir da experiência, o agricultor analisa que dois anos são suficientes para o sistema operar plenamente, transformando o local de pasto em lavoura de soja. “Depois de dois anos, o ‘soja’ começa a ter decréscimo de produção. Dois anos descansando só capim é que a soja produz mais. É o ideal”, afirma Formighieri.

Além do cultivo de soja, a fazenda diversificou suas atividades com o plantio de eucalipto, antevendo a futura demanda da indústria de papel e completando o sistema de ILPF. O último povoamento de eucalipto em idade de corte foi retirado há um ano na propriedade para fazer cavaco para queima. De acordo com o agricultor, a ideia é plantar novamente eucalipto a cada oito anos. Uma área com 10 alqueires já está reservada para essa missão no próximo inverno.

O plano de diversificação da Santa Felicidade para daqui a dois anos inclui ainda a introdução de sistemas de irrigação e avicultura, fechando o ciclo da “economia circular”, e talvez plantio de milho para alimentar frango. O produtor destaca o papel crucial do cooperativismo para tornar a Santa Felicidade referência nacional.

“Gosto muito do sistema cooperativista porque, na verdade, somos os donos da cooperativa, diferente de uma empresa qualquer, que só visa lucro. Além de toda parte técnica, a Cocamar conta com profissionais capacitados, a assembleia presta conta de todo o resultado do ano e uma parte do lucro é redistribuída para todos os cooperados proporcionalmente. Isso nenhuma empresa faz, é o nosso maior diferencial”, afirma Antônio César Formighieri.

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A cooperação com a Coocamar trouxe inovações, desde a inserção de eucalipto até a estratégia de plantio em quadrados, proporcionando uma produção média de soja acima da média regional

O gerente técnico de ILPF da Coocamar, Emerson Nunes, compartilha a jornada da cooperativa na promoção do sistema. A Integração Lavoura-Pecuária-Floresta foi implementada há mais de 25 anos, primeiramente na região do Arenito Caiuá e, posteriormente, levada para todas as áreas de atuação da Cocamar, no Norte do Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Mato Grosso.

Ao longo desses anos, a cooperativa, registrada na Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar),  passou a contar com mais de 200 mil hectares na sua região de atuação, fazendo ILPF dentro dos seus modelos e variações, porém o mais característico entre os cooperados é o de ILP. “Mais de 250 produtores já realizaram o sistema”, diz o gerente técnico.

Para tanto, a Cocamar, dentro do quadro de mais de 170 agrônomos e técnicos que atendem os entrepostos da cooperativa, disponibiliza cerca de 40 colaboradores treinados para atender as regiões mais propícias à implantação da ILPF. “São treinamentos específicos sobre o sistema, preparando a equipe técnica para atender o cooperado desde o planejamento, a implantação e o acompanhamento de todo o projeto, geralmente de longo prazo”, salienta.

Além disso, a Cocamar investe constantemente em treinamentos e capacitações técnicas sobre ILPF para sua equipe. Com duração de 13 meses, o mais recente começou no último ano em parceria com o Sistema Faep/Senar. O curso conta com módulos sobre gestão da propriedade, componentes animal, florestal e culturas. De acordo com Nunes, ao término, os participantes terão que apresentar um Projeto Integrador proposto para alguma propriedade.

Recentemente, uma delegação de cooperados visitou, em Tabagi (PR), propriedades que implementam o modelo há quase 30 anos, reforçando a visão da ILPF como uma solução sustentável consolidada. “Todas as visitas e treinamentos têm o objetivo de buscar conhecimentos ou tecnologias a serem aproveitadas nas áreas dos nossos produtores. E o Projeto Integrador vai colaborar para fazer uso do sistema nas propriedades escolhidas para, posteriormente, servir de exemplo para outros cooperados”, ressalta.

Nesse cenário de transformação, a Associação Rede ILPF, criada em 2012 e que tem a Cocamar como uma das fundadoras, desempenha papel vital na difusão dessas práticas sustentáveis. Entre as frentes de trabalho, estão a difusão dos sistemas integrados, apoio à pesquisa e desenvolvimento, capacitação, transferência de tecnologia, relações institucionais, governamentais e comunicação.

“Desta maneira, o cooperativismo exerce seu papel, proporcionando meios para nossa região se transformar, buscando otimizar o uso da terra e fazendo nosso cooperado se tornar mais produtivo, recuperando cenários ora degradados e improdutivos e diversificando a produção. Além de reduzir a pressão sobre a abertura de novas áreas e colaborar para a mitigação dos gases de efeito estufa”, finaliza o gerente técnico de ILPF da Cocamar.

A ILPF, aliada ao espírito cooperativista, emerge como um modelo eficaz para a construção de um futuro agrícola mais sustentável, resiliente e próspero

 

Soja nascendo.

Tetracampeã em ILPF: o sucesso da Fazenda Flor Rôxa

Outro exemplo inspirador é o da Fazenda Flor Rôxa, de César Luís Vellini (55), em Jardim Olinda (PR), a 118 km de Maringá. Segundo o produtor rural, até o último Censo, Jardim Olinda era o menor município em população do Estado, à beira do Rio Paranapanema, “a pontinha mais ao Norte do mapa do Paraná”, descreve Vellini, tetracampeão em produtividade de soja no sistema ILPF no concurso promovido pela Cocamar.

A propriedade abrange 1.200 hectares divididos entre lavoura, pecuária e agricultura, aproximadamente 1/3 de cada. O produtor conta que a fazenda sempre teve como carro-chefe a pecuária e a reforma de pastagem feita com milho. A partir de 1998, ele começou a plantar soja no sistema convencional, alternando com milho, milho safrinha e milheto.

Em 2006, em colaboração com o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (Iapar-Emater) e a Embrapa, a Cocamar escolheu a fazenda para implantar um modelo de ILPF. “Foi a primeira vez que ouvi falar, e disse: isso não vai funcionar. Plantar milho com braquiária junto? Daí vi que funcionava e todo ano fui fazendo um pedaço da fazenda, reformando a pastagem em volta das áreas com eucalipto. O cooperativismo é quem traz as inovações para o agricultor, novas técnicas de cultivo. Isso é muito importante, tem muita força”.

O produtor destaca o impacto positivo da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. Com a implantação do sistema, a fazenda foi ganhando em produtividade nas pastagens e dando conforto animal para o gado com o sombreamento pelos eucaliptos. “O eucalipto vai valer muito dinheiro futuramente com as toras, mas por enquanto não pretendo vendê-lo para entrar na receita da fazenda, só é útil no sombreamento do gado”, explica.

Vellini, que é formado em agronomia, salienta que, para quem gosta de mexer com agricultura e reforma de pastagem, a adaptação do convencional para o ILPF não é muito “chocante”. No entanto, ressalta que, para quem “não planta nada”, o desafio é grande, pois há datas específicas de plantio e colheita que precisam ser seguidas rigorosamente. Seja na agricultura ou na pecuária, o agricultor destaca a importância do cronograma, embora admita que o pecuarista tem mais flexibilidade em algumas atividades. “Se tiver que vacinar o animal, em qualquer eventualidade o pecuarista pode adiar, mas na agricultura não tem como”. Um filho, também agrônomo, está envolvido ativamente nas operações da fazenda. “Estamos 24 horas ligados um ao outro”, diz.

Há seis anos, a fazenda começou a criar Nelore. César Vellini implementou o sistema ILPF para aprimorar a raça do gado, realizando cruzamento industrial com inseminação com Aberdeen Angus e Angus, uma raça mais exigente em pastagem. O agricultor destaca os benefícios do sistema. “Agora tem sempre capim sobrando. O ganho é que você dobra a capacidade de uma fazenda de gado com reforma com soja. Sem contar que a sombra é fundamental para essas raças originárias da Inglaterra, adaptadas a regiões mais frias”, conclui.

Um estudo da Embrapa registrou melhores índices de precocidade sexual de novilhas Nelore em sistemas integrados. As novilhas ganharam mais peso e apresentaram maior espessura de gordura da garupa. Em sistemas silvipastoris, as novilhas demonstraram maior concentração sérica do fator de crescimento IGF-I. O conforto térmico proporcionado pela sombra e a disponibilidade de pastagem de melhor qualidade são determinantes para a melhoria nos indicadores de precocidade sexual. Além disso, os bezerros nascidos em sistemas integrados apresentaram cerca de dez quilos a mais, em média, em comparação aos filhotes de vacas que ficaram somente em pastagem.

Mais uma vez, a Coocamar desempenha um papel crucial, introduzindo inovações e técnicas de cultivo que transformam uma propriedade anteriormente focada apenas em pecuária

Crédito sustentável para ILPF com Sicoob e Sicredi

No âmbito do incentivo à ILPF, tanto o Sicoob quanto o Sicredi disponibilizam linhas de crédito que atendem às diversas demandas dos produtores. No Sicoob, a ILPF pode ser financiada em duas ocasiões: para associados pronafianos, enquadrados no programa Pronaf ABC+ Bioeconomia, com uma taxa de 4% ao ano no atual Plano Safra (2023/2024) e prazo de reembolso de 120 meses, sendo 60 desses destinados à carência.

Para os demais produtores, a opção é o crédito pelo RenovAgro, com uma taxa de 8,5% ao ano no mesmo Plano Safra, também com um prazo de reembolso de 120 meses, sendo 60 meses de carência. A concessão do crédito está condicionada à apresentação de documentos, incluindo projeto técnico específico, croqui descritivo, análise de solo e plano de manejo.

No Sicredi, destaca-se o RenovAgro, um Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis. O programa busca incentivar investimentos em projetos agropecuários sustentáveis, visando a redução de emissões de gases de efeito estufa, o combate ao desmatamento, a ampliação de florestas cultivadas e a recuperação de áreas degradadas.

As linhas do RenovAgro são destinadas a diversas necessidades do agronegócio, incluindo ILPF. Com a possibilidade de financiar até 100% dos projetos, o programa oferece oportunidade para melhorar a produtividade de forma sustentável, alinhando práticas ambientais à rentabilidade do agronegócio. Produtores rurais associados ao Sicredi podem acessar o programa, contando com prazos de até 12 anos para pagamento, variando conforme a finalidade do crédito, proporcionando comodidade e suporte financeiro para o crescimento sustentável do agronegócio.

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