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Agroecologia

Guardiões preservam sementes crioulas em Pedro Canário e Pinheiros

No Norte Capixaba, um movimento silencioso, mas vital, está em curso para preservar e compartilhar as preciosas sementes crioulas

por Leandro Fidelis

em 07/06/2024 às 5h00

4 min de leitura

Guardiões preservam sementes crioulas em Pedro Canário e Pinheiros

*Fotos: Tatiana Caus/Arquivo Incaper e Divulgação

O técnico em Desenvolvimento Rural e coordenador do escritório local do Incaper em Pedro Canário, Cláudio Rodex Junior, esclarece que essas sementes são uma herança valiosa, pois não passam por melhoramento genético em laboratório. Desde 2015, um trabalho dedicado à “coleção de sementes” tem sido desenvolvido, centrado em variedades de milho, feijão e arroz. E os agricultores locais desempenham papel fundamental como guardiões dessas preciosidades, preservando-as em seus paióis e compartilhando-as sempre que necessário.

A logística desse movimento é simples, mas eficaz. Os agricultores entregam suas sementes ao escritório do Incaper em garrafas pet para serem conservadas em geladeira. Quando desejam reproduzi-las, recebem pequenas quantidades de volta, com a promessa de restituir a mesma quantidade ou até mais à coleção de sementes.

O ciclo virtuoso não se limita às fronteiras de Pedro Canário. Segundo Rodex, já foram enviadas sementes para Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Essa troca e intercâmbio não apenas fortalecem os laços entre os produtores, mas também garantem a perpetuação das variedades crioulas.

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“Já recebemos material de Rondônia e Pará, e o intercâmbio se fortalece entre os produtores de sementes crioulas e agricultores com interesse de manter a coleção. A procura é pelos agricultores agroecológicos, que querem reproduzir e não ficar na dependência das sementes híbridas que só se planta uma vez e não se colhe de novo. Sementes crioulas podem ser plantadas por muito tempo”, atesta Rodex.

Um dos principais motores desse movimento é a demanda crescente por alimentos saudáveis e livres de contaminantes. O técnico ressalta que os guardiões das sementes preservam variedades transmitidas de geração em geração, mantendo suas características genéticas intactas. A autonomia na produção de alimentos é uma vantagem significativa para os agricultores, que não ficam mais dependentes das grandes indústrias produtoras de sementes híbridas.

Entre os guardiões está Eleniltom Lima Santos, o “Niltão“, da comunidade São José Jundiá, em Pinheiros. Ele tem sementes de abóbora, maracujá, mamão, feijão e milho e as passam para outras pessoas. Na geladeira, as sementes ficam conservadas por até quatro anos sem perder o poder germinativo, garante. Niltão destaca a importância das sementes crioulas como um banco genético vital, embora enfrente desafios como o desinteresse dos agricultores e a contaminação por cultivos híbridos próximos. No entanto, sua convicção na qualidade e no sabor superior dos alimentos produzidos com essas sementes o motiva a continuar sua missão de preservação. “Noto a diferença até na saúde na minha criação de galinhas. Quando compro ração, ela vem do milho transgênico e o valor é muito alto. Ingerindo essa ração, as aves ficam fracas e o papo começa a secar. Por isso, crio as galinhas só com o meu milho”, diz.

Outra guardiã é Edite França Barboza, a “Dona Didi” (79), da comunidade Dois de Julho, em Pedro Canário. Apesar da pouca terra e dos muitos filhos e netos para cuidar, ela cultiva uma grande diversidade de alimentos, desde milho e mandioca até batata-doce e banana, compartilhando generosamente suas sementes com a comunidade. “É dando que se recebe”, diz.

A história da agricultora é um testemunho vivo da importância da agricultura familiar e da preservação das tradições agrícolas. “Desde os meus sete anos, já estava envolvida na agricultura, vendendo cana para cachaça e produzindo açúcar mascavo. A agroecologia sempre fez parte da minha vida. Meu pai e avós cultivavam tudo usando esterco de carneiro, boi e galinha e me ensinaram desde cedo a evitar venenos. Meu avô viveu 115 anos!”, conta.

A guardiã destaca que a coleção de sementes crioulas serve principalmente para sustentar a família. “O apoio do Incaper tem sido fundamental, sempre nos oferecendo assistência técnica. Hoje, tenho o privilégio de orientar outros produtores sobre os benefícios de cultivar alimentos orgânicos para alimentar as famílias”.
Em abril de 2023, o projeto ‘Multiplicando Saberes’ promoveu um Encontro Territorial sobre Sementes Crioulas e Biofertilizantes em São Mateus, onde uma unidade de sementes crioulas também está sendo organizada.

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