Revolução verde

Batata-doce biofortificada impulsiona avanço agroecológico em Montanha

Na Unidade Agroecológica de Experimentação Participativa, a produção do tubérculo tomou um rumo inovador e transformador

*Fotos: Divulgação

Tudo começou em 2019, quando o extensionista do Incaper Fábio Morandi, engenheiro agrônomo especialista em agroecologia, participou de uma visita técnica à feira “Green Rio”, voltada a negócios com produtos orgânicos e agroecológicos, no Rio de Janeiro, a convite do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). No evento, ele conheceu a batata-doce biofortificada “Beauregard”, desenvolvida pela Embrapa através de melhoramento genético convencional com objetivo de aumentar o percentual de vitamina A no tubérculo. A variedade apresenta polpa alaranjada devido ao betacaroteno, fonte mais abundante dessa vitamina.

Após trazer algumas amostras da batata-doce para o Espírito Santo, o Incaper iniciou um processo de multiplicação das ramas em uma propriedade orgânica e agroecológica em Montanha, no Extremo Norte capixaba. A raiz se tornou parte integrante de um sistema agroflorestal no município, onde agricultores podem visitar a Unidade Agroecológica de Experimentação Participativa, testar técnicas e compartilhar experiências.

A Unidade serve como importante centro de educação e capacitação, recebendo estudantes de diversas instituições de ensino, como Ifes, Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Escolas Família Agrícola. Os estudantes têm a oportunidade de aprender sobre práticas agroecológicas, sistemas agroflorestais e agricultura sustentável na prática. Além da Beauregard, outras variedades de batata-doce foram introduzidas na área produtiva. Incluindo uma variedade com polpa roxa, batizada como “Nina”, rica em antocianina, um antioxidante que previne o câncer. A variedade foi desenvolvida em parceria com a Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ).

Além da produção de batata-doce, a Unidade Agroecológica também se destaca pela diversificação de cultivos e pelo uso de técnicas inovadoras. Um exemplo é a introdução de consórcios produtivos, onde diferentes espécies de plantas são cultivadas juntas, visando maximizar o uso do espaço e promover interações benéficas entre as plantas. Esses consórcios não apenas aumentam a diversidade de alimentos produzidos na propriedade, mas também contribuem para a saúde do solo, uso racional da água, a conservação da biodiversidade e a resiliência do sistema produtivo diante de mudanças climáticas. “Neste ano, estamos introduzindo mais duas unidades com foco na produção de pimenta-do-reino como parte de sistema agroflorestal”, anuncia Morandi.

A introdução da batata-doce biofortificada impactou diretamente a renda das famílias agricultoras. É o caso da professora Manoelita Alves Peruchi, do Sítio Três Irmãos, na comunidade de Cristóvão. Ela e o marido, o caminhoneiro Geraldo Paulo Peruchi, conheceram a “Beauregard” durante a “Green Rio” em 2019 e despertaram interesse pela novidade. Após enfrentar diversos desafios na reprodução e cultivo, como falta de padrão comercial e dificuldades técnicas, o casal conseguiu estabelecer um sistema de plantio direto por ramas em leiras, que se mostrou mais eficiente e econômico. “Outro desafio é que tínhamos o trator, mas não o encanteirador. Meu marido criou um que se adaptou à máquina e é o que usamos até hoje. Nosso trabalho é manual e, apesar de todas as dificuldades, continuamos a produzir batata-doce de diversas variedades na nossa área produtiva”, relata a agricultora.

Morandi (Incaper) trouxe a Beauregard de evento no Rio.

Além do impacto financeiro positivo, a introdução da batata-doce biofortificada contribuiu para a dinâmica e sustentabilidade da propriedade de Manoelita e Geraldo. Junto com uma variedade de cultivos agroecológicos, eles adotaram um sistema agroflorestal, promovendo a diversificação e respeitando a sazonalidade dos alimentos. Com uma área de quase 4 hectares dedicada a diferentes cultivos, incluindo batata-doce branca, comum e roxa, aipim, milho, abóbora, inhame, feijão, entre outros, buscam garantir a segurança alimentar da família e fortalecer o sistema produtivo.

Atualmente, a batata-doce se tornou o carro-chefe da produção, com mais de 12 toneladas comercializadas em 2023 para feiras agroecológicas e empresas de produtos orgânicos. “Ainda temos as plantas nativas da Mata Atlântica e de acumulação, que usamos para poda e/ou para produção dos nossos adubos naturais, com isso, contribuindo para a sustentabilidade”.

Outro produtor de Montanha, Odair Cellin desenvolve projetos em parceria com o Banco do Nordeste (BNB), incluindo experimentos de consórcio da batata-doce biofortificada com banana, buscando otimizar o uso do espaço e aumentar a produtividade. A experiência com banana ainda está em curso, e a colheita da batata começou recentemente.

Cellin conta que o projeto consiste em aproveitar o espaço entre as fileiras de banana, conhecido como cultivo em alamedas. Em 2023, foi feita uma experiência usando gliricídia. Atualmente, com apoio do BNB, o agricultor participa de um projeto de experimentação coletiva que busca promover o cultivo em alamedas.

O sistema consiste em cultivar alimentos ao longo de fileiras de árvores, aproveitando o espaço vertical e criando um ambiente propício para o desenvolvimento das culturas. Além de aumentar a produtividade, o cultivo em alamedas também contribui para a conservação da biodiversidade, a proteção do solo contra a erosão e a redução da temperatura ambiente, criando um microclima favorável para o crescimento das plantas.

“O Banco do Nordeste é um grande parceiro e incentivador dessa política pública. Muito importante para os agricultores ter nesse agente financeiro um suporte de crédito”, afirma. Para o agricultor, praticar a agroecologia é ter um olhar holístico da produção. “Não é apenas uma técnica que maximiza os recursos naturais, mas que leva em conta as relações com as pessoas com quem convivemos e somos parceiros”, finaliza.

Odair Cellin desenvolve projetos em parceria com o Banco do Nordeste, incluindo experimentos de consórcio da batata-doce biofortificada com banana, buscando otimizar o uso do espaço e aumentar a produtividade.

Sobre o autor Leandro Fidelis Formado em Comunicação Social desde 2004, Leandro Fidelis é um jornalista com forte especialização no agronegócio, no cooperativismo e na cobertura aprofundada do interior capixaba. Sua trajetória é marcada pela excelência e reconhecimento, acumulando mais de 25 prêmios de jornalismo, incluindo a conquista inédita do IFAJ Star Prize 2025 para um jornalista agro brasileiro. Com experiência versátil, ele construiu sua carreira atuando em diferentes plataformas, como redações tradicionais, rádio, além de desempenhar funções estratégicas em assessoria de imprensa e projetos de comunicação pública e institucional. Ver mais conteúdos