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Cooperativismo na geração do conhecimento

As cooperativas capixabas estão mostrando que compartilhar conhecimento também pode mover o mundo

Rodrigo Moulin e a mulher com a "Fresh Conilon": “olhar para o lado neste período crítico foi olhar para a Cafesul (...)" (*Fotos: Divulgação)

Matéria publicada originalmente 05/10/2021

Educação, formação e informação são o 5º princípio do cooperativismo. Está na doutrina: “Ser cooperativista é se comprometer com o futuro dos cooperados, do movimento e das comunidades. As cooperativas promovem a educação e a formação para que seus membros e trabalhadores possam contribuir para o desenvolvimento dos negócios e, consequentemente, dos lugares onde estão presentes (…)”

Com base nisso, o cooperativismo capixaba vem mostrando que compartilhar conhecimento também pode mover o mundo. No agronegócio, projetos inovadores estão sendo construídos a muitas mãos e com um “quê” de cooperação. Cerveja artesanal, aplicativo de consultoria técnica, estudos sobre pós-colheita de café e até Inteligência Artificial para atestar a qualidade da pimenta rosa estão entre as ideias saídas do papel a partir da rede estabelecida entre instituições e cooperativas.

É o caso da parceria entre a cervejaria Bière Moulin e a Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Estado do Espírito Santo (Cafesul), ambas de Muqui. A troca de experiências entre o proprietário do primeiro empreendimento, Rodrigo Moulin, e o presidente da Cafesul, Renato Teodoro, resultou na criação de uma cerveja feita com café conilon, a “Fresh Conilon”. Em 2020, Renato propôs ao cervejeiro conectar o conilon produzido pelo campeão nacional Luiz Cláudio de Souza (Sítio Grãos de Ouro) com uma receita para o 2º Festival de Cafés Especiais. E a cerveja fez um sucesso estrondoso.

*Fotos: Divulgação

Os 45 litros do primeiro lote da bebida, com o patrocínio da Cafesul, foram totalmente consumidos durante o evento. “Assim como o conilon quebrou paradigmas em termos de qualidade, eu também queria fazer algo diferente do que tem no mercado de cervejas com café, sempre com sabor muito forte do grão. A ideia desde o início era produzir uma bebida mais leve. A Cafesul tinha todo o ‘know how’ sobre a espécie de café, e eu não podia perder a oportunidade de trocar experiência para fazer melhor a cerveja”, conta Moulin.

A “Fresh Conilon” é estilo Session Ipa, dourada, refrescante e com leve amargor. Apresenta ainda notas cítricas, de frutas amarelas, polpa de café e mel. Definir o nível de torra do café para a receita foi fundamental para chegar ao sabor que encantou o público do Festival.

Foi aí que o trio de filhos do cafeicultor Luiz Cláudio entrou em cena. Além do Tassio (extensionista do escritório do Incaper em Muqui) e do Tercio (professor de química no Ifes Campus Alegre), Talles, que é gerente Operacional e degustador da Cafesul, usou a sala de degustação da cooperativa para os testes.

“Foi uma experiência incrível degustar cafés especiais sob orientação de um profissional tão qualificado. Após algumas tentativas, defini a torra ideal que influenciaria na coloração e no sabor da cerveja”, diz o cervejeiro.


Cooperativismo: união de experiências que fortalece o Comércio Justo

Após a boa repercussão da novidade, Rodrigo Moulin prevê a produção de outros lotes da cerveja de conilon para comercialização. A parceria com a cooperativa de Muqui injetou novo ânimo nesses tempos difíceis da pandemia. Antes do surto da Covid-19, o cervejeiro tinha como principal negócio a participação e realização de eventos entre Espírito Santo e Rio de Janeiro. Foram 200 desde 2014, mas devido à suspensão, foi preciso se reinventar.

“Olhar para o lado neste período crítico foi olhar para a Cafesul, sempre disponível para compartilhar conhecimento e experiências necessárias em cada etapa do processo de criação da cerveja. Foi o primeiro contato mais próximo com a cooperativa e achei muito enriquecedor”.

Moulin tem MBA em gestão do conhecimento pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e confessa que a relação com a Cafesul acendeu “a crença de que compartilhar conhecimento vale a pena. É uma união de experiências, e as duas partes acabam saindo com mais conhecimento do que tinham antes”, afirma.

O presidente da cooperativa, Renato Teodoro, destaca o trabalho cooperativo forte entre a Cafesul e a Bière Moulin. “A parceria serve para mostrar as amplas possibilidades da utilização do café e também como o conilon especial vai conseguindo se destacar pelo seu uso em outros segmentos”.

Segundo Teodoro, por conta da Certificação Fairtrade (Comércio Justo), a cooperativa recebe um prêmio social, em dinheiro, por saca de café vendida. Os recursos são revertidos em diversos projetos, aproveitando para estimular a comunidade e parceiros para atuação conjunta, como foi o caso da cerveja “Fresh Conilon”.

A Cafesul vai iniciar um projeto juntamente com a Coordenadora Latino-americana e do Caribe de Pequenos Produtores e Trabalhadores do Comércio Justo (Clac) chamado “Cidades Latino-Americanas para o Comércio Justo”, em parceria com a prefeitura, Associação Comercial e ONGs. “Existe uma credenciada em Minas Gerais e queremos fazer de Muqui a primeira do Espírito Santo para receber esse selo internacional”.

Dentro do projeto, uma das iniciativas é a abertura do espaço “Mercado da Região do Sul Capixaba dos Vales e Café”, com participação do Convention & Visitors Bureau de mesmo nome, onde a cooperativa colocará em funcionamento uma cafeteria para realizar oficinas de métodos de preparo para que o consumidor e a comunidade conheçam o trabalho da Cafesul.

“Estamos sempre buscando parcerias para desenvolver novos projetos e atividades na área socioambiental. E quando surge algum desafio na área de inovação, procuramos parceiros locais para concretizá-lo de forma a desenvolver a economia local. Este é o conceito do Comércio Justo, e a cooperativa, por sua vez, funciona como motor para induzir esse desenvolvimento e as organizações para projetos conjuntos”, finaliza Renato Teodoro.

Talles de Souza:Tentamos explorar mais o sabor e aroma frutados dos cafés para levar isso para a cerveja. Neste caso específico, a Cafesul tinha as informações sobre vários padrões de café, de vários produtores, e pudemos mostrar isso ao Rodrigo (Moulin) para definir o padrão que iria atendê-lo. Nesse processo de interação e empreendedorismo, a cooperativa consegue reunir uma gama grande de produtos e produtores para oferecer diversidade de usos do café para o mercado. Acho que esse é o principal papel da cooperativa: identificar o potencial dos produtos e produtores e mostrar isso para as pessoas ou mercado que buscam inovação”.


 

Atuação em rede é fundamental na estruturação das IGs

A cooperação tem sido fundamental também na estruturação das Indicações Geográficas (IGs) de produtos agrícolas do Espírito Santo. Um exemplo é a Indicação de Procedência (IP) “IP Pimenta rosa São Mateus”, cuja candidatura continua em análise pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

O projeto envolveu a Associação dos Produtores de Aroeira do Espírito Santo (Nativa), o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-ES), o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), a Secretaria de Estado da Agricultura (Seag) e a Cooperativa dos Produtores Agropecuários da Bacia do Cricaré (Coopbac).

Segundo a bióloga Fabiana Ruas (Incaper), que integra o grupo de discussão da IP e oferece orientação e assistência aos produtores e extrativistas de pimenta rosa, muitas reuniões foram realizadas na sede da cooperativa. Além de ceder a estrutura, a Coopbac apoiou com várias apresentações, cedeu informações e colaborou na montagem do caderno de especificações técnicas para melhor orientar os produtores.

Fabiana avalia que o trabalho em rede de cooperação é um caminho sem volta quando o objetivo dos envolvidos é obter um produto de qualidade. De acordo com a bióloga, mesmo diversificado, o grupo mostrou articulação com pessoas que não se conheciam, passando a se conectar nos encontros mensais dos últimos três anos em torno da IP.

“É fundamental ter diversas visões, é uma soma, um trabalho de várias mãos. E a cooperativa tem um pouco desta visão de juntar interesses em prol do objetivo final, que é um produto de qualidade”.

Profissionalização

Para o diretor administrativo da Coopbac, Erasmo Negris, a educação, a formação e a informação são um princípio fundamental contido no ordenamento do cooperativismo, também seguido à risca pela cooperativa. A formação da equipe faz parte do planejamento estratégico, assim como levar informação de forma clara à sociedade.

“No meio em que a Coopbac está inserida, temos que ter a preocupação sempre de levar informação correta para que chegue sem nenhum ruído aos interessados, principalmente cooperados e público em geral”, afirma.

Por ser uma cadeia produtiva com muita demanda por informações, o projeto da Indicação Geográfica da Pimenta Rosa não fica de fora da aplicação do 7º princípio cooperativista até como base para a profissionalização de todos os elos envolvidos.

De acordo com Negris, embora seja uma atividade ainda com grande percentual atuante no extrativismo, atualmente a pimenta rosa vem se transformando em relevante cultura agrícola, o que implica em aprofundar os estudos sobre a especiaria e fortalecer associações e cooperativas.

Tanto que, no último 17 de setembro, numa agenda conjunta da Coopbac com outras instituições e o Ministério da Agricultura, a cooperativa pleiteou, juntamente ao superintendente do órgão no Espírito Santo, Aureliano Costa, o zoneamento da pimenta rosa capixaba. O objetivo é garantir uma tratativa diferenciada da atividade como cultura agrícola e, com isso, possibilitar a captação de recursos das linhas Pronaf, Pronamp ou outros meios de financiamento específicos.

Ainda segundo Erasmo Negris, outro ponto importante dessa caminhada é a inclusão do Estado no “AgroNordeste”, plano de ação lançado em 2019 pelo Mapa para impulsionar o desenvolvimento econômico, social e sustentável do meio rural da região e que tem como parceiro o Banco do Nordeste. Dentre as vantagens do plano, está o acesso do produtor a mais informações e a junção de várias instituições, incluindo a Coopbac.

“Será um divisor de águas. Várias instituições de forma conjunta e interligadas estarão atuando firmemente nesse cenário para fazer o produtor, seja extrativista ou de cultivo domesticado, ter canal de comercialização garantido, gerando emprego e renda e aumentando a sua dignidade”, conclui o diretor administrativo da cooperativa.

 

Sobre o autor Leandro Fidelis Formado em Comunicação Social desde 2004, Leandro Fidelis é um jornalista com forte especialização no agronegócio, no cooperativismo e na cobertura aprofundada do interior capixaba. Sua trajetória é marcada pela excelência e reconhecimento, acumulando mais de 25 prêmios de jornalismo, incluindo a conquista inédita do IFAJ Star Prize 2025 para um jornalista agro brasileiro. Com experiência versátil, ele construiu sua carreira atuando em diferentes plataformas, como redações tradicionais, rádio, além de desempenhar funções estratégicas em assessoria de imprensa e projetos de comunicação pública e institucional. Ver mais conteúdos