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Uvas e vinhos capixabas: qualidade faz o setor crescer e se destacar

Produtores de uvas e vinhos do Espírito Santo apostam em qualidade para garantir bons produtos

por Redação Conexão Safra

em 21/06/2017 às 0h00

15 min de leitura

Uvas e vinhos capixabas: qualidade faz o setor crescer e se destacar

Todo momento especial merece um brinde. Em comemoração aos cinco anos da Revista Safra ES, fomos em busca de produtos que fazem a diferença na mesa e na taça na hora de celebrar uma data exclusiva. A produção de uvas e vinhos vem crescendo no Espírito Santo e produtores, principalmente da região serrana, estão em constante melhoramento para alcançar a qualidade exigida pelos apreciadores que não rejeitam uma taça de vinho tinto ou de um espumante na hora de comemorar.


Agricultores enxergaram uma alternativa de renda e começaram a investir na produção de uvas e fabricação de vinho artesanal. O resultado é que municípios como Santa Teresa, Alfredo Chaves e Vargem Alta estão entre os maiores produtores do gênero no Estado, proporcionando além de complementação de renda, possibilidade das novas gerações assumirem e continuarem o empreendimento das famílias.


Santa Teresa, na microrregião Central Serrana, já é famosa por seu pioneirismo, sendo a primeira cidade brasileira fundada por imigrantes trentinos, provenientes da Região Norte da Itália, em 1874. Os traços culturais resistiram por mais de um século, influenciando no surgimento de vários empreendimentos familiares em torno, principalmente, da agricultura. Hoje, descendentes dos imigrantes se orgulham de sua história e aliam tradição e qualidade em seus produtos, com destaque para a produção de uvas e vinhos.


Em uma extensão de 58 hectares, são cultivadas as uvas Niágara Rosada, Isabel Precoce, Violeta, Moscato Embrapa, Cabernet Sauvigon, dentre outras. Uma das novidades é o cultivo de espécies da fruta sem sementes como a Vitória, Vênus e Isis, que apresentam colorações preta e vermelha, são crocantes, doces, com bagas de bom tamanho. Além disso, as uvas sem sementes são tolerantes ao míldio (doença mais agressiva que atinge a uva), e estão apresentando boa aceitação do mercado.


Segundo Carlos Alberto Sangali de Mattos, extensionista do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), de Santa Teresa, a produção de uvas e vinhos no município é uma atividade rentável que apresenta um mercado promissor. “Um hectare de videira bem cultivada, traduz numa média líquida de R$ 7.500,00 mensais. A produção de uva para consumo in natura e seus derivados representam 15% da arrecadação total de Santa Teresa ”, conta Sangali.


Há 20 anos aberta ao público, a Cantina Mattiello hoje é administrada pelo casal Eliton Stanger, 40 anos, e Viviane Mattiello Stanger, 40. O negócio familiar começou com o pai de Viviane, o senhor Atílio Mattiello (74), que inicialmente produzia vinho de jabuticaba apenas para o consumo familiar. A tradição veio da Itália, mais precisamente de Verona, no Veneto, onde os antepassados de Atílio eram vitivinicultores natos cuja a vinha passava de geração em geração.


A partir de 1997, Viviani inaugurou a Cantina Mattiello, que além de seus produtos próprios, trabalha com agroturismo, promovendo visitas aos parreirais de uvas e proporciona a oportunidade de o visitante conhecer o processo de produção dos vinhos e degustar produtos.


Hoje, Viviani e o esposo Eliton tocam o Cantina, com a participação de familiares, incluindo a filha Chiara Mattiello Stanger (15). Segundo Eliton, o setor teve uma melhora considerável nos últimos anos, que ele atribui à consolidação do agroturismo e ao melhoramento no processo de produção do vinho. “Trabalhamos sempre empenhados em apresentar o produto e a cidade com vontade de produzir sempre o melhor. Começamos mais simples e fomos melhorando, adquirimos equipamentos que ajudam melhorar o tempo de fermentação ”, conta Eliton.


Buscando sempre agregar valor aos seus produtos, o casal de empreendedores fez algumas visitas a vinícolas no sul do Brasil e viajou até a Itália para conhecer o processo de produção de vinho, onde perceberam a necessidade de fazer mudanças. O investimento deu certo e, desde 2006, a Cantina Mattiello é a principal atividade da família.


Com uma produção de uva e jabuticaba própria e de parceiros, a Cantina trabalha com as uvas Isabel, Cora e Violeta na produção de vinhos da Linha Origem, Suave e Demi-seco, a Niágara Rosada é destinada à produção de vinho branco.


A Cantina também oferece vinhos secos como o Seleção, elaborado com a uva Máximo, que passa por um envelhecimento em madeira, o que agrega características mais nobres. Outra opção é o vinho Grano D’oro. “A Grano D’oro é uma uva nova, que tivemos uma recomendação de um pesquisador da Embrapa. É um vinho frutado, aromático e bem encorpado, que não passa por envelhecimento em madeira ”, explica Stanger.


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E os Mattiello não param por aí. Estão em fase de testes as uvas finas Tanat e Merlot, plantadas em duas áreas, que serão colhidas no início do ano que vem e irão passar por testes. Somando a produção de vinho de uva e jabuticaba, a Cantina Mattielo produz entre 15 mil e 20 mil garrafas por ano. “De quando a gente começou pra hoje, tivemos uma melhora boa. A nossa região tem um potencial turístico muito grande, e teremos ainda mais melhorias. Estamos com o Circuito Turístico Caravaggio, com empreendimentos novos, e com o tempo as pessoas irão conhecer ainda mais nossa região ”, finaliza Eliton.


Também de Santa Teresa e com mais de 50 anos de produção de vinhos, a família de Maria Zélia Romanha (59) iniciou a elaboração de
vinhos artesanais em 1964, pelo patriarca Frederico Romanha. A matéria-prima na época era a jabuticaba, por ser uma planta brasileira nativa. A partir da década de 1990, começou-se a ter incentivos para plantio de uvas de mesa.


Maria Zélia conta que seu pai tinha um modo muito particular de tratar as pessoas que compravam seu vinho. “Meu pai, Frederico Romanha, cativava as pessoas que chegavam aqui. Ele entregava uma oração para cada um que o visita-se. Isso foi por dez anos, até ele morrer de forma repentina. Depois de sua morte, eu tive um sonho onde ele pediu para que eu continuasse entregando essa oração aos visitantes e assim o faço ”, conta Zélia.


Além da loja, onde são comercializados os vinhos e demais produtos do agroturismo, há dois anos a Cantina Romanha aumentou o atendimento e agora serve almoço aos sábados e domingos. Quem está à frente dos negócio é o filho de Zélia, Steven Romanha Fontana (26).


O vinho da Cantina Romanha é produzido com as uvas de mesa Isabel, Niagara Rosada, Violeta e Cora, dentro do padrão exigido pela lei. “Com o tempo fomos aumentando a produção, artesanalmente, e tivemos consultoria de enólogos do Rio Grande do Sul para aprimorar a receita. Ampliamos a loja com produtos de outras regiões. Buscamos melhorar o produto, com nossa responsável técnica, fazendo controle de qualidade. As vinícolas de Santa Teresa são referência no Estado ”, relata Steven.


Segundo dados do Incaper, metade da produção de uva em Santa Teresa é destinada ao consumo in natura, sendo 50% comercializada na Ceasa e 50% no próprio município. A outra metade da produção é destina ao processamento de vinhos, suco, grapa (tipo de cachaça produzida com a casca da uva) e geleia.


O secretário Municipal de Cultura e Turismo, Murilo Vago, afirma que a produção de uva e vinho é o carro-chefe do agroturismo teresense. “Basicamente 90% da produção de vinho é comercializada dentro do município, direto na vinícola, nos bares e restaurantes ou em lojas
espalhadas pela cidade. Agregado a isso, temos acompanhado o surgimento de novos serviços sendo ofertados em decorrência desse mercado ”, afirma Murilo.


A inclusão das vinícolas no Simples Nacional, a partir de
2018, possibilitará ao setor de produção de vinhos em Santa Teresa expandir e se profissionalizar, com a transição do regime “artesanal ” à formalização. Formalizados, os produtores terão acesso a um mercado muito maior, expandindo assim seus negócios e melhorando a qualidade do produto e da produção conforme o mercado direcionar. Automaticamente, a área cultivada no município deverá expandir na linha das uvas viníferas.


Vale do Tabocas


Localizado a cerca de 8 km do centro de Santa Teresa, o Vale do Tabocas é uma região responsável por grande parte da produção de uva e vinho do Espírito Santo. Desde quando se mudou para o local, a agricultora Élida Tonn Braun (63) começou a fazer fermentação de jabuticaba. A produção de uvas começou depois, na década de 1990, com o plantio da espécie Niágara Rosada. Em 1992, começou a produção de vinho branco de uva e a bebida era vendida apenas para os vizinhos. Logo depois, veio a produção de uva Isabel para a elaboração do vinho tinto.


Foi de um amigo produtor que Élida recebeu três gemas de uva Cora que, após trabalhá-las, conseguiu produzir vinho e sucos com muita qualidade e aceitação dos apreciadores. “Fui trabalhando com a Cora, sempre melhorando, que consegui fazer o vinho bom e um suco excelente. A Cora tem que madurar bem, ficando quase cinco meses na parreira ”, relata Élida.


Com o acompanhamento daresponsável técnica Emília Guimarães, da GM Regulatórios, a Cantina Braun aumentou sua produção que hoje varia entre 2.500 a 3.000 mil litros por ano, comercializados na Cantina em sua propriedade. Élida conta que já assistiu palestras e participou de encontros até no sul do Brasil para aprimorar a produção de uva e vinho. Ela também atribui o resultado positivo do seu produto à responsável técnica que acompanha de perto a qualidade e o processo de produção da Cantina Braun.


A uva Cora, produzida por Élida, além de render bons sucos e vinhos é procurada para fins medicinais. Já houve procura da espécie, por recomendação médica, para o tratamento de c&acirc,ncer e estrias. “Uma mulher veio até minha propriedade procurando a fruta para o tratamento de estrias, e ela descobriu que consumir o suco da fruta valia mais do que uma sessão que ela fazia no médico. Até mesmo, um casal procurou a Cora para dar a uma criança com um mal no intestino ”, conta.


Élida diz que conseguiu atingir bons resultados com a Cora graças às sucessivas experiências em suas parreiras. Segundo a produtora, 300 pés de uva “adultos ” bem tratados rendem na faixa de dois mil quilos. Na propriedade da família Braun, a lavoura chega a mil plantas incluindo cerca de 20 variedades de uva além da Cora. Agora, ela está testando novas tipos de uva como a Grano D’oro, Morro Brasil, Vitória sem caroço e Shyrah.


O trabalho é todo familiar. Participam o marido Luiz H. G. Braun (70), o filho Augostinho Braun (37) e mais duas noras. “Somos em cinco pessoas que trabalhamos todos os dias, mas quando precisamos, conto com a ajuda dos outros filhos e noras. Na nossa família somos em mais de 20 pessoas ”.


A responsável técnica, Emília Guimarães, química e especialista em qualidade, acompanha de perto o trabalho dos produtores de vinho de Santa Teresa, desde 2014, e garante que nos últimos dois anos, os produtos tiveram uma melhora significativa em termos de qualidade. “Nós da GM Regulatórios representamos e defendemos a maioria absoluta dos produtores de vinho de Santa Teresa perante os órgãos reguladores. Este trabalho que temos conduzido nos mostra claramente que cumprir a regulamentação garante a melhora da qualidade, tanto do produto, quanto do dia a dia de todos os agentes envolvidos na cadeia produtiva ”, explica Emília.


Em parceria com os laboratórios Enovitis de Monte Belo do Sul (RS) e o Labeves, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), entidades que auxiliam na etapa enológica e análises laboratoriais, são alcançados padrões excelentes do produto. O consumidor sentiu a diferença do vinho e as vendas aumentaram de forma significativa, a ponto de já permitir a algumas vinícolas a emancipação de produtor familiar rural para indústria de pequeno porte. O alto nível de confiança do produtor e do consumidor é fator determinante para a continuidade da cultura do vinho em Santa Teresa. Entender a normatização é necessário para melhorar o produto e, consequentemente, o valor a ele agregado.


Segundo Icaro Mattiello, advogado e especialista em assuntos regulatórios, é notório o estímulo conferido aos produtores através da evolução da legislação que trata sobre o tema. “Observamos uma mudança de postura positiva dos produtores desde a publicação da Instrução Normativa 17 do Ministério da Agricultura em 2015, que escalonou a indústria do vinho e possibilitou o registro do estabelecimento familiar rural através da Declaração de Aptidão ao Pronaf, simplificando o processo de registro. Somado a isso, temos agora a Lei Complementar 155/16, que alterou as regras e os limites de enquadramento do simples nacional e viabilizará a adesão da micro e pequena empresa produtora de bebida alcoólica a partir de 2018 ”.


Icaro Mattiello e Emília Guimarães são fundadores da GM
Regulatórios, que possui sede em Vitória, e coordenam uma equipe de consultores, que atuam em todo o Brasil, tanto no agronegócio, como na indústria de alimentos, farmacêutica e veterinária.


Uvas finas


O produtor Vinicius Corbellini (42) é pioneiro na região sudeste na produção de uvas Cabernet Sauvignon, que são destinadas à produção de vinhos finos. O trabalho foi iniciado no Vale do Tabocas e, desde 2007, Vinícius e seus sócios vêm colhendo bons frutos. Alguns anos atrás, a produção foi invertida para o ciclo do inverno, um período de baixa pluviosidade e temperaturas mais amenas, que agregou um diferencial na qualidade da uva para a vinificação.


“Nós conseguimos o requisito número um em qualidade de uva para vinho tinto fino que é a concentração de açúcar. Nosso vinho Cabernet Sauvignon é recorde nacional em teor
alcoólico, totalmente natural. A safra 2014 foi fechada com 14.2 % de álcool, já para a próxima safra, 2015 chegou a 12.7%. A safra 2016 irá superar os 15% de álcool. Essa é uma marca inédita até mesmo em vinho da América do Sul ”, revela Vinicius.


Corberlini se formou na Itália em Viniticultura e Enologia e retornou para o Brasil pata trabalhar com uva de mesa, que logo ficaram de lado e os esforços se direcionaram para as uvas finas. Devido à boa aceitação do vinho Tabocas Cabernet Sauvignon, Vinicius decidiu investir cada vez mais. O próximo passo é a construção de uma vinícola.


A produção de Vinícius gira em torno de dois mil litros por ano, com perspectiva de aumento. Sua propriedade é de 30 hectares, em uma altitude de 530 metros, com 2.700 plantas de uvas finas. Segundo Corbellini, está sendo produzido um vinho que passa por amadurecimento em carvalho francês, que ainda no mês de novembro estará pronto para comercialização.


Primeiro espumante capixaba é de Santa Teresa


Além da tradicional produção de vinhos, Santa Teresa reafirma seu pioneirismo, produzindo o primeiro espumante capixaba: o espumante Sperandio. Sergio Sperandio, 52 anos, conta que a ideia de produzir a bebida não surgiu, aconteceu. E do “acidente ”, construiu-se a Casa dos Espumantes que hoje tem uma produção em torno de 10 a 12 mil garrafas por ano. A intenção é de que em dois anos, sejam produzidas
18 mil garrafas de espumantes.


Antes de iniciar no ramo da bebida, a propriedade da família era destinada ao cultivo de pêssego, ameixa e uva para venda in natura. Até que um dia, a safra foi muito grande e Sergio decidiu fazer um pouco de vinho. “Estávamos fazendo um teste com uma uva negra sem semente, e deu uma super safra. Como sobrou, decidi fazer um pouco de vinho, preparei as garrafas e, ao abri-las, percebi que todas as cortiças tinham sido empurradas. Ele fermentou, novamente, na garrafa. O espumante surgiu daí, eu pensei que tivesse estragado o vinho ”, conta Sergio.


Um colega de Sergio provou e aprovou a novidade, o que era o início de um espumante. A partir daí, foi feita uma série de experiências. “Umas garrafas davam certo, outras não, foi difícil chegar até a forma que é hoje. Ninguém te ensina o passo a passo. O que mais funcionou foi o dia a dia e a prática. Chegamos a pensar até em parar a produção, pois de 1.000 garrafas, 80 estouravam ”.


Hoje, o processo utilizado na produção do Espumante Sperandio é o “Método Champenoise ”, desenvolvido na França. É um método clássico utilizado na produção do Champagne, na região francesa de mesmo nome. O método é próprio para a produção artesanal.


O resultado é uma bebida que está atraindo cada vez mais apreciadores, segundo a observação atenta de Sperandio. “Comecei a observar que, de cada 10 pessoas que levavam o espumante, oito voltavam com mais gente. O boca a boca espalhou a novidade, que começou crescer e hoje não conseguimos mais acompanhar a demanda ”.


A produção do espumante é feita praticamente toda com as uvas cultivadas na propriedade da família. Sergio conta com a parceria da esposa, Cássia Salviato Sperandio (52) e do filho Pablo Salviato Sperandio (27), que está entusiasmado em dar continuidade ao negócio da família.


Os rótulos produzidos são duas variedades de Moscatel, Rose Demi-Sec e o Brut, espumante Rosé, feito com uva Isabel e o espumante branco, produzido com a uva Niagara Rosada. O espumante de jabuticaba está agradando muito, pelo sabor e pela história do trabalho com a fruta. “O mais difícil de fazer é o de jabuticaba. Se colher a fruta aqui na montanha, o espumante sai de um jeito, se colher na
terra quente, já vai sair de outro jeito. O cliente quer aquilo que começou aqui. O primeiro imigrante chegou, encontrou a jabuticaba e fermentou ela ”, finaliza Sergio.


Está em fase de testes a produção do espumante pro-seco, que estará pronto para comercialização daqui a dois anos.


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