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Reino dos cogumelos nas montanhas

por Leandro Fidelis

em 23/11/2023 às 0h00

7 min de leitura

Reino dos cogumelos nas montanhas

O fungicultor Alysson Uliana, de Pedra Azul. (*Foto: Leandro Fidelis/Imagem com direito autoral. Proibido reprodução sem autorização)

*Matéria publicada originalmente em 09/05/2018

Duas regiões acostumadas a registrar as mais baixas temperaturas no inverno, além do clima estão se tornando referência na produção de cogumelos. Os distritos de Aracê, onde fica a Pedra Azul, em Domingos Martins, na região serrana, e de Mundo Novo, em Dores do Rio Preto, no caminho para o Parque Nacional do Caparaó, concentram os maiores cultivos do fungo no Estado.

A proximidade com florestas de mata atlântica e córregos facilita o desenvolvimento de cogumelos das espécies Champignon, Paris, Portobello, Shitake e Shimeji. Nas versões in natura, em conserva ou desidratados, os cogumelos têm mercado certo dentro e fora do Espírito Santo e diversificam a geração de renda dos agricultores.

É o caso de Wagner Canal (38) e da mulher, Cláudia da Rocha (34), de São Floriano, no Aracê. A produção de champignon na propriedade da família é pioneira no Estado em fungicultura. Além deles, dois irmãos do produtor rural e mais seis funcionários tocam os cultivos e o comércio dos “Cogumelos Canal ”, vendidos na lojinha com acesso pelo km 80 da BR-262.

Wagner conta que tudo começou com um engenheiro agrônomo e seu cunhado, que eram vizinhos da família. Os Canal acabaram dando continuidade à cultura em 1994 e precisaram de financiamento para iniciar os cultivos. Hoje, a família administra 20 galpões, que produzem 2 toneladas por mês em épocas mais frias.

A temperatura média de 18 graus propicia clima favorável à produção de champignon e, mais recentemente da espécie Portobello, bastante procurada pelos clientes. Os cogumelos são comercializados na Grande Vitória e no Rio de Janeiro. “É uma atividade rentável, que supera os ganhos que tínhamos apenas com a roça ”, diz o fungicultor.

A matéria-prima principal para cultivar os cogumelos é abundante na região. Trata-se do bagaço da cana-de-açúcar que, descartado após produção da cachaça em alambiques da região, passa pelas composteiras mecanizadas e resulta na base para a eclosão dos fungos.

Canal explica que são necessários cerca de 20 dias para o fungo do cogumelo inocular sobre o bagaço de cana, que é coberto por uma camada de terra, e mais 15 ou 20 dias para brotar. Dependendo do clima, todos os dias pela manhã a colheita é certa.

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Nas alturas

Não tão distante dali, outro produtor vem colhendo bons resultados na fungicultura. Na altura do km 85, Alysson Uliana (35) há 11 anos dedica-se exclusivamente à atividade aos pés da Pedra das Flores, bem do ladinho da Pedra Azul.

Próxima a várzeas e à floresta de Mata Atlântica, a localidade sempre registra as temperaturas mais baixas de toda a região no inverno, o que selecionou apenas o champignon. “Outras variedades não se adaptaram ao clima. Com o champignon, a produção acontece o ano todo, mesmo no verão. Apesar da queda de 20% nessa época, consigo produzir, lucrar e não deixar a mão-de-obra parada ”, destaca Uliana.

A propriedade conta com oito galpões a 1.500m de altitude, onde são produzidas 24 toneladas por ano. A produção é escoada para a região, Rio e Minas Gerais. “Tive facilidade para implantar a cultura e a rentabilidade é melhor. Estudei bastante antes de começar o negócio e observei a vantagem do clima, que dispensa estufas climatizadas e reduz incidência de doenças ”.

O fungicultor afirma que pretende aumentar a produtividade dos cultivos com um trabalho mais técnico. Ele quer experimentar um novo tipo de compostagem e vai construir mais dois galpões.

 

 

Cogumelos para atender turistas

Em Nossa Senhora do Carmo, em Domingos Martins, a produção de cogumelos Paris, Portobello e Shitake é toda voltada para atender os visitantes do “Cogumelos do Carmo ”, empreendimento de agroturismo a 7km da BR-262. O acesso é pelo km 90 da rodovia federal, na altura da vila de Pedra Azul.

O negócio é comandado pelo casal Cleber Peterle (50) e Ângela Ramos (41) há cinco anos e faz um tremendo sucesso entre turistas de várias partes do país, dentre Espírito Santo, Rio, Minas, Amapá, e até do Peru, que apreciam a região serrana capixaba.

Além de três galpões com os cultivos, o sítio, localizado a 1.070m de altitude, conta com hospedagem e lago com pedalinhos com vista privilegiada para a Pedra Azul. Ângela define a atividade como turismo de experiência. “As pessoas vêm conhecer a propriedade, como os cogumelos são produzidos, colhem e consomem na hora. Setenta por cento são vendidos aqui ”, diz a fungicultora.

E a produção vai aumentar em breve. O casal vai erguer mais dois galpões este ano. Com a nova estrutura, a produção vai passar das 4,5 toneladas atuais para 6 t a cada cinco meses, informou Cleber. “Nosso produto atende quem gosta do cogumelo em sua forma mais natural, fresquinho ”.

Outra novidade do “Cogumelos do Carmo ” é a introdução da variedade Shimeji, tipo muito comum na culinária oriental e um dos mais consumidos no mundo. A produção é uma parceria com o produtor Luiz Cláudio Fraisleben, de Santa Maria de Jetibá.

 

 

Grupo de produtores retoma atividade em Dores

Uma semente, ou melhor, centenas de cogumelos foram plantados em 2010 numa iniciativa pioneira no Caparaó. Em parceria com a Embrapa Recursos Energéticos e Biotecnologia (Embrapa Cenargen), os professores Arailde Fontes Urben e Edson Souza, especialistas no assunto, ministraram cursos para proprietários rurais locais e a ideia de cultivar cogumelos Shimeji e Shitake foi lançada.

Sob as bênçãos do majestoso Pico da Bandeira, oito anos depois um grupo de cinco produtores do Distrito de Mundo Novo, em Dores do Rio Preto, deu prosseguimento ao projeto e colhe bons resultados. É o “Fungicultores do Caparaó ”. O pontapé inicial foi a inoculação de aproximadamente 400 toras de eucalipto, numa técnica diferente da experiência na região serrana.

Além disso, vigoram também os cultivos pelo sistema “Jun-Cao ”. Trata-se de um processo de produção que inclui gramíneas para o crescimento e produção de cogumelos comestíveis e medicinais. A tecnologia foi iniciada em 1983 na China e adaptada para o Brasil pela pesquisadora Arailde.

Os cinco produtores vivem nas comunidades de Córrego Frio e Cachoeira Alta, onde os cultivos ocorrem em ambientes bem propícios. Enquanto os cogumelos Shitake eclodem diariamente em toras de eucalipto ao ar livre e bem próximas aos córregos, no sistema Jun-Cao os Shimeji cogumelos necessitam de um ambiente mais protegido. São utilizadas sacolas plásticas, armazenadas em estruturas de madeira telada e telhado.

O clima ameno, a umidade alta e a água pura potencializam os cultivos e barateiam o custo por dispensar o uso de umidificadores. Os cultivos deverão contar com até quatro ciclos por ano.

Quem traz essas informações é o chefe do escritório local do Incaper de Dores, Norberto Neves Frutuoso. Segundo o extensionista, o grupo participa de reuniões periódicas e aguarda a primeira safra deste ano para o final de maio ou início de junho. A expectativa é que cada tora de eucalipto de 1,20m produza entre 3 e 4,5kg de Shitake e cada sacola de Jun-Cao, 1,5kg por dia.

“A iniciativa no município chamou a atenção de municípios mineiros vizinhos. Não passa um mês sem uma pessoa ligar interessada na fungicultura. O Incaper se tornou referência. Será um diferencial para a região ”, diz Frutuoso.

O chefe do Incaper local avalia que a produção ainda é incipiente para o mercado estadual, mas existe demanda de consumo. Um estudo de mercado para a produção foi iniciado, com possibilidade da abertura de canais de comercialização na Grande Vitória.

O fungicultor Rogério Coutinho, do sítio “Vale da Luz ”, de Córrego Frio, atesta que a atividade é rentável. Porém, o desafio dos produtores será baratear o transporte até a região metropolitana. “Estamos a 270 km de onde o produto tende a ser consumido. Cogumelos têm vida curta, serão necessárias safras semanais para entregar produtos aos compradores. Só conseguiremos um cálculo mais preciso de produtividade e lucratividade para o grupo de fungicultores quando avaliarmos melhor o transporte ”, avalia Coutinho.

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