Mais lidas 🔥

Na Vila Batista
Vila Velha certifica sua primeira agroindústria de mel

Mercado
Preços do mamão formosa sobem com oferta menor nas principais regiões

Reconhecimento nacional!
Conexão Safra vence o Prêmio Ibá de Jornalismo 2025

De quarta para quinta
Veja as 55 cidades capixabas que estão sob alerta vermelho para temporais

Momento de atenção!
Espírito Santo tem alerta por risco de granizo e tempestades; veja as cidades

Pesquisas realizadas no Departamento de Engenharia de Alimentos (ZEA) da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP produziram e analisaram alimentos feitos com farinha obtida a partir de larvas de mosca. O intuito dos trabalhos, segundo os especialistas, é buscar fontes alternativas de proteína que sejam sustentáveis e que possam contribuir no combate à fome.
Dois estudos vêm sendo realizados em conjunto, utilizando larvas da mosca-soldado-negra (Hermetia illucens), conhecida em inglês pela sigla BSF, de Black Soldier Fly – espécie que já é usada como fonte de proteína na produção de ração para animais, tanto no Brasil quanto no exterior. Um dos trabalhos integra a pesquisa de doutorado de Vanessa Aparecida Cruz, orientanda da professora Alessandra Lopes de Oliveira, e é direcionado para o estudo da extração do óleo da farinha das larvas da mosca-soldado-negra utilizando métodos sustentáveis e a inclusão da farinha desengordurada em pães, com a colaboração da professora Fernanda Vanin. Já o estudo de Letícia Aline Gonçalves, que desenvolve seu doutorado sob orientação do professor Marco Antonio Trindade, envolve o uso da farinha em salsichas.
As pesquisas nos laboratórios de Tecnologia de Alta Pressão e Produtos Naturais, de Qualidade e Estabilidade de Carnes e Produtos Cárneos e de Processamento de Pães e Massas da FZEA integram um projeto aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coordenado por Alessandra Oliveira e que conta com Trindade como pesquisador associado. Estudos realizados no Laboratório de Tecnologia de Alta Pressão e Produtos Naturais testaram um método inovador para extrair óleo da farinha da mosca-soldado-negra, desengordurando-a e tornando-a menos calórica. Sendo uma fonte proteica de baixa caloria, a farinha mostrou-se uma opção para ser testada na produção de pães e salsichas.
Na extração com o dióxido de carbono, baixa temperatura e pressão elevada garantem o estado supercrítico do CO2, e as propriedades deste solvente colaboram para o aumento da eficiência da extração, não deixando resíduos tóxicos no óleo e na farinha da larva da mosca-soldado-negra. Além desse estudo que otimizou o processo de extração do óleo, o projeto de Vanessa Cruz inclui o uso dessa farinha desengordurada na formulação de pães.
O óleo da larva da mosca-soldado-negra obtido nesse processo pode ser aplicado na indústria de cosméticos, enquanto a farinha apresenta valores nutricionais que chamam a atenção. Além de um alto teor de proteínas quando comparada com vegetais – mais de 30% contra 23,5% do feijão e 26,7% da lentilha – ela também possui melhor digestibilidade do que algumas proteínas vegetais e animais, o que ajuda na saúde intestinal.
De acordo com a professora Alessandra, o manejo e o abate das larvas usadas nos estudos – recebidas de uma empresa que já cria os insetos para ração animal – foram feitos seguindo orientações dos pesquisadores da FZEA, respeitando normas de boas práticas de fabricação e segurança de alimentos. A alimentação dessas larvas vem do reaproveitamento de restos de comida de restaurantes e seu cultivo pode ser realizado em espaços reduzidos, utilizando-se menos água do que para rebanhos tradicionais. “A farinha de inseto é um alimento altamente sustentável, não precisa de grandes espaços, nem de muitos recursos hídricos”, conta Alessandra.
Para o ser humano, entre suas vantagens estariam o alto teor de proteínas, aminoácidos essenciais, lipídios, fibras e melhor digestibilidade quando comparada à proteína animal. Estima-se que, em sua fase larval, a mosca apresente uma porcentagem de proteínas que varia de 40% a 63% e de lipídios que pode chegar a 35%.
Mosca-soldado-negra
Desde novembro de 2020, a farinha da larva da Hermetia illucens está liberada no Brasil para uso na alimentação animal, graças à instrução normativa 110 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Sua inclusão na alimentação humana ainda aguarda discussões e regulamentações.
O debate sobre o uso de insetos na alimentação humana é internacional. Na União Europeia, vários pedidos para autorizar a produção vêm sendo solicitados, incluindo, além da larva da mosca-soldado-negra, larvas de Alphitobius diaperinus (tenebrião-pequeno), Gryllodes sigillatus (grilo-raiado), Acheta domesticus (grilo-doméstico) e Locusta migratoria (gafanhoto-migrador). Em 2021, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar liberou o consumo do besouro tenébrio (Tenebrio molitor).
A procura pela inclusão de insetos no cardápio se apoia em prognósticos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) de que eles terão papel central para lidar com as previsões de insegurança alimentar, aumento dos custos da produção de proteína animal, crescimento demográfico e demandas ambientais. Segundo a ONU, a população mundial deverá atingir em 2050 o número de 9,7 bilhões de habitantes, com um aumento correspondente na demanda por proteína animal de 68%. Isso levaria, por sua vez, a um incremento na produção de alimentos para rebanhos de 70%.
Nesse cenário, a aposta é que os insetos, como a mosca-soldado-negra, possam se tornar novas fontes de proteínas, tanto para animais quanto para humanos, com custos de produção mais baixos e diminuição dos impactos ambientais. Menor emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa, menor área destinada à criação, menor consumo de água e reutilização de resíduos em sua produção são algumas das vantagens apontadas pelos especialistas.
A mosca-soldado-negra é nativa das zonas temperadas, tropicais e subtropicais da América. Tem um ciclo de vida de 45 dias e passa pelos estágios de ovo, larva, pupa e fase adulta. É nas fases de larva e pupa que ela contém os maiores valores proteicos, podendo ser mais elevados do que os da soja. Na fase adulta, que dura em torno de 9 dias, o inseto não se alimenta, vivendo das reservas acumuladas na fase larval, apenas copulando, as fêmeas depositando ovos e morrendo logo em seguida. Essa ausência de alimentação na fase adulta faz com que a mosca não atue como vetor de doenças.
No laboratório, as larvas foram trituradas e transformadas em farinha, que foi posteriormente desengordurada. O processo envolvendo sc-CO2 extraiu o óleo livre de qualquer resíduo de solvente orgânico. Nada é desperdiçado e o óleo, que é rico em antioxidantes, está sendo testado em cosméticos, em uma parceria com a professora Patrícia Maria Berardo Gonçalves Maia Campos, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP.
As pesquisas revelaram que a substituição de 5% parece mais adequada, já que a amostra com 10% apresentou mudanças negativas na cor do alimento. “Os resultados da Leticia mostram que, no aroma e no sabor, não há diferenças em relação à salsicha comum”, comenta o professor Trindade. “Esse é o nosso papel na universidade, mostrar que o alimento é seguro.”
O professor explica que os pesquisadores escolheram iniciar os trabalhos com a incorporação da farinha em salsicha dada a alta aceitação desses produtos no País. Além disso, no pão, a farinha de larva de mosca, em substituição à farinha convencional, teria o apelo do enriquecimento do alimento com proteína. Agora, o próximo passo das pesquisas é testar possíveis reações alérgicas da farinha.
“A maior preocupação é com a disponibilidade nutricional para uma população que está em crescimento”, explica Alessandra a respeito do interesse pela pesquisa. “Pode não haver carne suficiente para todos, com o aumento populacional. Nossa função, como pesquisadores, é a segurança alimentar. Se faltar carne e houver necessidade de outras fontes proteicas, nossas pesquisas irão contribuir. Achamos que um dia faltará alimentos e estamos dando um passo à frente”, finaliza.
Mais informações: com Alessandra Lopes de Oliveira pelo e-mail alelopes@usp.br




