Parto humanizado em debate na Assembleia Legislativa do Espírito Santo
por Assessoria de imprensa Ales
em 13/02/2022 às 17h25
7 min de leitura
O que acontece durante um parto, seja denominado por violência obstétrica, seja chamado de parto humanizado – ou a crítica a esses dois modelos -, foram temas debatidos em audiência pública na última sexta-feira (11), no Plenário Dirceu Cardoso da Assembleia Legislativa (Ales). Foram colocados também as consequências judiciais de erros cometidos por profissionais contra parturientes e bebês.
O deputado Doutor Hércules (MDB), presidente da Comissão de Saúde e Saneamento da Ales, explicou na abertura da audiência a posição sobre o parto humanizado, objeto de um projeto dele, aprovado pela Ales e vetado pelo Executivo.
“A gente não quer criar nenhuma despesa ao governo. Mas que o pai, a mãe ou a irmã possa acompanhar a parturiente. Quando estudante de medicina eu vi muita violência obstétrica, até com palavras”, lembrou, e lamentou que isso acontece até hoje.
Segurança para as mulheres
A presidente da Associação de Doulas do Estado do Espírito Santo (Adoules), Aline de Almeida e Silva, apresentou a associação desde a criação até a finalidade. Ela explicou que, para a OMS, a violência obstétrica é a apropriação do corpo da gestante. Lembrou que violência obstétrica não é violência do obstetra, mas o que acontece no conjunto da obstetrícia durante o parto.
“A gênese de nossa profissão vem da necessidade de acolhimento da mulher na hora do parto. A partir da institucionalização do parto, e do apartamento da mulher do ambiente domiciliar, a doulas passou a integrar a equipe multidisciplinar do parto e ser um facilitadora para a mulher antes, durante e após”, explicou.
Ela comentou que as mulheres que são atendidas pelo SUS não têm direito à analgesia no Espírito Santo. E as equipes de parto humanizado vêm para quem pode pagar e sair desse esquema violento. Incluiu o protagonismo da mulher, respeito do tempo da mulher e do bebê, uso das melhores evidências científicas. Aline ressaltou que é preciso garantir a segurança para as mulheres.
Aline considerou necessário conversar sobre a questão, reconhecendo a existência desse tipo de violência, primeiro, para poder combate-la. “Toda a violência é gerada a partir de uma relação de poder. Hoje a violência obstétrica é uma realidade, mas ela foi por muitos tempo escondida. A violência obstétrica acontecia no ambiente institucional e era naturalizada. É uma violência de gênero, acontece somente com a mulher. Ela tem raízes muito fortes nas relações de poder que se desenrolam dentro das instituições. É importante a gente voltar e analisar suas raízes, no machismo, no racismo, no patriarcado, que estão na reprodução da violência obstétrica”, finalizou.
Parto humanizado
O médico obstetra e ginecologista Ari Célio de Oliveira lembrou que o termo “violência obstétrica” tem vários significados e surgiu a partir de uma prática equivocada que vem de mais de 200 anos no Brasil. Citou uma pesquisa da Fiocruz de 2011 que revelou números catastróficos, segundo Oliveira. Defendeu o parto humanizado e destacou o papel do protagonismo da mulher das doulas.
Afirmou que há ainda práticas ultrapassadas para forçar a saída do bebê do útero da mulher. Defendeu o parto humanizado e a importância das doulas e o protagonismo da mulher. “Ou seja 57% de cesariana no SUS, 90% na saúde suplementar, mais de 50% de episiotomia (corte para ampliar canal do parto). Coisa que hoje não se admite nos dias atuais. Tem muita coisa que está institucionalizada”, revelou Oliveira.
Parto adequado
O diretor-financeiro da Associação de Ginecologistas e Obstetras do Espírito Santo, Henrique Zacharias Borges Filho, defendeu que se deve mudar o nome de “violência obstétrica” para “parto adequado”. Ele reiterou que o parto vaginal é o mais adequado para a saúde da mãe e do bebê e que é preciso chegar a 80% de parto vaginal, mas os dados recentes apontam apenas cerca de 30%. Afirmou que falta apoio do Ministério da Saúde.
Para ele, o conceito de violência obstétrica coloca o obstetra como vilão. Ele entende que o médico obstetra é também responsável, mas não é o único. “Tem que mudar a cultura de muita gente. Não é só mudar a cultura do paciente e do médico. Todo mundo está envolvido. O obstetra tem culpa?, tem. O Ministério da Saúde, as operadoras de saúde. Todo mundo está envolvido”, afirmou.
Saber soberano
Mais Conexão Safra
A professora da Ufes e enfermeira representando o Conselho Estadual de Enfermagem (Coren), Márcia Valéria de Souza, falou sobre o cuidado pré-natal. Destacou a necessidade do trabalho multiprofissional para atender a gestante, e combater a violência obstétrica.
“Para além dessa violência obstétrica, pensando no futuro dessas pessoas que vivenciaram qualquer tipo de violência. Qual é a repercussão desses fatos na vida dessas mulheres, na vida dessas crianças, dessas famílias. A violência é um agravo, mas o que nós estamos fazendo para modificar?”, perguntou.
Márcia faz críticas à concepção do termo “humanizado”. Disse que no curso de enfermagem da Ufes, o foco é a integralidade, a empatia, a comunicação e não apenas a técnica pela técnica. “Usamos esse termo “humanizado” para mercantilizar os corpos. Isso é muito ruim porque eu deixo de dar o protagonismo para a mulher, para a família, para a criança que está chegando ao mundo. Vamos só para os procedimentais. Aí o meu saber acaba ficando soberano. Nós estamos combatendo isso dentro da faculdade de enfermagem. Precisamos de olho no olho”, analisou a professora da Ufes.
Crimes na obstetrícia
A advogada especialista em Direito Médico e Direito da Saúde, Francesca Avanza Ramos, observou que a violência obstétrica pode ser cometida por qualquer membro do grupo da obstetrícia, lembrando que o termo “obstetrícia” vai além do profissional obstetra, envolvendo todos os profissionais. Ela citou caso em que um anestesista foi condenado pela Justiça por violência obstétrica.
Francesca lembrou que a legislação brasileira contém mecanismos de punição para a violência obstétrica cometida contra a mãe e o bebê e garantir ao profissional da saúde contra acusações inconsistentes. “Qualquer ato médico que não seja para salvar a vida é crime. A episiotomia, se não for feita com autorização da paciente. A paciente é a dona do parto, não os profissionais”, garantiu a advogada.
Ela descreveu o caso de uma condenação de um anestesista e que a judicialização tem sido um caminho para punir a violência. Disse ainda que há um termo de ajuste de conduta em vigor (TAC) para evitar uma avalanche de processos com custos altíssimos para o Estado. “Existe hoje um compromisso do Estado do Espírito Santo com o Ministério Público e com o Judiciário em praticar ações para que se evite a mortalidade da mulher, para que se evite a violência obstétrica”, informou.
Judicialização
A procuradora regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Elisandra de Oliveira Olímpio, esclareceu que a judicialização é um último recurso para combater a violência obstétrica. Trata-se de um caminho árduo. “Sempre tem uma discussão técnica em que acaba prevalecendo a autonomia do médico. É importante mudar esse paradigma do profissional de saúde como protagonista”, observou.
Experiência
O presidente da Federação dos Hospitais Filantrópicos do Estado do Espírito Santo (Fehofes), Fabrício Gaeed, disse que no dia a dia lida com os dramas da violência obstetrícia. Ele descreveu sua própria experiência como pai de vários filhos. Sendo que no primeiro foi traumático e no segundo com a presença de uma doula.
Gaeed garantiu que as unidades geridas por filantropia têm se preocupado com a atenção ao parto humanizado, citando inclusive um caso da Maternidade São Mateus que tem em sua equipe de obstetrícia a presença de um enfermeiro especializado. Para ele, o foco da saúde é a medicina preventiva, a saúde primária e não os avanços das tecnologias (que são importantes).
Orientação da OMS
O parto humanizado é constituído de um conjunto de procedimentos para preservar a saúde, a segurança e o bem-estar da gestante e do recém-nascido, com técnicas aprovadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A interferência do obstetra é a menor possível, com métodos menos invasivos e os mais naturais possíveis. Porém, os profissionais, como a advogada Francesca Avanza, observam que essa posição da OMS ainda é muito limitada.
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