Uso de microrganismos reduz tempo de produção de mudas de abacaxi
por Embrapa
em 10/11/2024 às 5h00
11 min de leitura
Microrganismos benéficos associados ao gênero Ananas apresentam grande potencial para atuarem como promotores de crescimento na cultura do abacaxizeiro. Pesquisa realizada com a variedade de abacaxi BRS Imperial mostra que a utilização desse processo, chamado de microbiolização, pode acelerar em até 34% o tempo de aclimatização das mudas micropropagadas. Isolados dessas bactérias que se mostraram promissores vão seguir também para testes em condições de campo. Uma boa notícia para viveiristas e abacaxicultores, já que o período de produção de mudas é um dos principais gargalos da cultura por ser muito longo, podendo levar até um ano, dependendo da variedade utilizada e das condições de plantio.
Esse é o resultado de estudo da Embrapa em conjunto com a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e publicado na revista Scientia Horticulturae, da editora holandesa Elsevier. O trabalho mostra também outras vantagens do processo de microbiolização, como a obtenção de mudas com maior vigor e mais sadias. A pesquisa integra o conjunto de esforços da Empresa na busca de um sistema de produção do abacaxizeiro mais sustentável.
“A utilização de microrganismos como promotores de crescimento não é novidade. No entanto, essa abordagem, que utiliza bactérias do próprio microbioma do abacaxi, é nova. Nosso estudo investigou o potencial de crescimento dos isolados e o microbioma do solo associado ao abacaxi, visando minimizar perdas, promovendo o crescimento e reduzindo o tempo de aclimatização de mudas, na tentativa de oferecer aos produtores um material propagativo de melhor qualidade”, ressalta a pesquisadora da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) Fernanda Vidigal, líder do projeto “Uso de insumos biológicos na produção de mudas e melhoria do cultivo do abacaxizeiro” — financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e continuação de outros projetos custeados pela Embrapa. Ela é uma das coordenadoras dos estudos que integram o artigo baseado na dissertação de mestrado de Polyana Santos da Silva e na tese de doutorado de Cintia Paula Souza, ambas pela UFRB.
Silva ressalta o diferencial da utilização de microrganismos relacionados ao ambiente do abacaxi. “Esses microrganismos já coevoluíram, são adaptados ao microbioma da planta. Os resultados acabam sendo mais promissores porque não temos a necessidade de verificar se vai ter algum antagonismo, alguma incompatibilidade. Estudos anteriores mostraram que, em vários ambientes, as espécies de microrganismos associadas ao abacaxi eram basicamente as mesmas. Daí conseguimos identificar quais são os isolados que estão ali causando essa promoção de crescimento”, afirma Silva, hoje doutoranda em Ciências Agrárias da UFRB.
Desenvolvida pela Embrapa, a variedade BRS Imperial apresenta excelente desempenho agronômico, sendo resistente à fusariose, a mais severa doença do abacaxizeiro. É ainda muito apreciada pelos consumidores por conter elevado teor de açúcar, além de não possuir espinhos na coroa e na casca. Um dos grandes entraves para sua ampla difusão é a produção de mudas sadias em larga escala.
“Nossas pesquisas são sempre baseadas no BRS Imperial e no Pérola, os abacaxis mais consumidos do País. O protocolo para a multiplicação de mudas de abacaxi via micropropagação não tem mistério. O problema é o tempo que a muda micropropagada leva na etapa de aclimatização em casa de vegetação. Para se ter uma ideia, uma muda de banana, com 45 dias, pode sair da casa de vegetação e ir para outra etapa. A de abacaxi não, isso pode levar meses, o que encarece demais a muda”, compara Vidigal. Ainda fazendo um paralelo com a cultura da bananeira, ela lembra que a densidade do abacaxi no campo fica entre 30 mil a 40 mil plantas por hectare, bem diferente da banana, produzida por cerca de mil plantas na mesma área. É grande, portanto, a demanda por mudas sadias e em larga escala. Por isso, é importante investir na redução desse tempo na produção da muda. “Os resultados têm sido tão animadores que começamos também a trabalhar com os novos híbridos que estão em rota de lançamento”, anuncia a pesquisadora da Embrapa.
Três ciclos produtivos em vez de dois, no mesmo período
Com a inoculação de uma das bactérias no cultivo in vivo (casa de vegetação), o tempo de aclimatização foi reduzido de 180 dias para 120 a 135 dias, o que corresponde a uma eficiência de 25% a 34%, refletindo diretamente em custos mais baixos para as biofábricas e tornando o processo economicamente viável com mudas mais desenvolvidas e saudáveis.
Como ressalta o fitopatologista Saulo Oliveira, pesquisador da Embrapa, coautor do artigo e também coordenador dos trabalhos, essa redução é um resultado muito satisfatório. “Se você tem 34% de aumento de eficiência e a produção de muda é constante, isso pode ter um impacto grande no número de ciclos que você vai conseguir fazer por ano. Se o ciclo era de 180 e caiu para 120, com o tempo de dois ciclos, posso fazer três. Em 360 dias, consigo três ciclos dentro da casa de vegetação. Isso faz uma grande diferença para a empresa produtora de muda”, acrescenta.
Foco em plantas de melhor qualidade e resistente a doenças
Oliveira ressalta que esses microrganismos promotores de crescimento podem controlar diretamente patógenos, ou seja, exercer controle biológico ou de forma indireta causar indução de resistência. “Há uma derivação, um ramo de ativação, em que podem acontecer as duas coisas. Esses grupos de bactérias são conhecidos por promover o crescimento e também biocontrole e indução de resistência. O microrganismo pode ter qualquer uma dessas funções, duas das funções, em combinações diferentes delas. Isso é o que estamos pesquisando agora no projeto em relação à fusariose e à murcha do abacaxizeiro.”
Segundo o pesquisador, a ideia é verificar essas possibilidades, que estão interconectadas, e entender o papel desses microrganismos no auxílio da defesa da planta contra a fusariose, no caso do Pérola, e contra o vírus da murcha do abacaxizeiro, em relação ao BRS Imperial. Um controle biológico direto de uma bactéria sobre vírus, como destaca Oliveira, é muito difícil, normalmente não é relatado na literatura. “O que esperamos é que, ao aumentar o vigor da planta com a promoção de crescimento conferida pelas bactérias, a produtividade não seja tão afetada por conta do vírus da murcha. Ou seja, pode haver uma compensação. Se a produtividade é aumentada, as mais produtivas podem compensar a mortalidade das outras, mesmo que não haja efeito nenhum do microrganismo sobre o patógeno”, explica.
Fernanda Vidigal acrescenta que esse trabalho visa atender a outra demanda do setor produtivo: a redução da dependência de insumos químicos. “Como resultado, espera-se uma muda de qualidade e a validação dos processos de microbiolização também a partir de avaliações em campo, considerando a interação dos isolados com o solo. É o que estamos fazendo agora no projeto.”
O objetivo final de todo esse trabalho, de acordo com Oliveira, é a produção de bioinsumos. “Temos várias possibilidades de fazer com que isso chegue ao produtor. A Embrapa não irá produzir; teremos parceiros para isso, como acontece, por exemplo, com o Trichoderma [espécie de fungo] utilizado para controlar o Fusarium da bananeira, disponibilizado para parceiros produzirem”, adianta o pesquisador.
Clique aqui e receba as principais notícias do dia no seu WhatsApp e fique por dentro do que acontece no agronegócio!