Exportações

Tarifaço dos EUA atinge agro capixaba e pressiona exportações

Sobretaxa imposta por Trump atinge café, gengibre, pimenta-do-reino, mamão e pescado, produtos estratégicos para o Espírito Santo

Secretaria da Agricultura lança relatório de exportações do agronegócio capixaba
Imagens: divulgação/Seag

No início de agosto, entraram em vigor as tarifas de 50% impostas pelos Estados Unidos sobre 35,9% das exportações brasileiras destinadas ao mercado norte-americano. A medida afeta 4% do total das exportações do Brasil. Entre os produtos atingidos pela sobretaxa estão café, gengibre, pimenta-do-reino, mamão e pescado, itens de grande relevância para o agronegócio capixaba, além de outras frutas e carnes, que fazem parte do portfólio de exportação nacional.

“As exportações de ovos, gengibre e pescados foram as mais prejudicadas no mês de agosto em relação a julho deste ano. O setor de ovos praticamente estagnou com a nova barreira tarifária. Já o gengibre sofreu forte redução de vendas para os Estados Unidos em agosto, com queda de um terço das divisas geradas. As exportações de pescados, que estavam com ótimo desempenho até julho para os norte-americanos, principal mercado desse segmento, tiveram uma retração significativa de 41% em agosto, não suportando a ampliação da tarifa imposta de 50%” explicou Bergoli, em meados de setembro, quando foram divulgados os números das exportações capixabas.

Café: busca por alternativas

O café, carro-chefe do agronegócio capixaba, foi um dos mais afetados, especialmente o café solúvel, cuja matéria-prima é o conilon, principal atividade agrícola do estado. Cerca de 40% das exportações de café solúvel têm os EUA como destino, mercado que consome um terço do café brasileiro e é o maior consumidor mundial. “O tarifaço não é só um problema só nosso, é deles também, já que 2,2 milhões de empregos nos EUA dependem do café brasileiro”, destaca Enio Bergoli, secretário de Agricultura do Espírito Santo.

As empresas, tradicionais e consolidadas, confiam na capacidade de adaptação, promovendo negociações diretas com parceiros norte-americanos para dividir os custos da tarifa. A longo prazo, o setor planeja sentar à mesa para negociar, cadeia por cadeia. Redirecionar o café para outros mercados é desafiador, devido ao terroir único e aos blends específicos demandados pelas indústrias americanas, mas a solidez das relações comerciais históricas alimenta esperanças de equilíbrio.

Cacau

As exportações brasileiras de derivados de cacau para os Estados Unidos sofreram forte queda em agosto, após a entrada em vigor do tarifaço que impôs alíquota de 50% sobre os produtos nacionais a partir do dia 6. Segundo a presidente executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), Anna Paula Losi, os embarques totalizaram US$ 6,3 milhões em agosto de 2025, contra US$ 11,7 milhões no mesmo mês de 2024 — retração de 46% em valor. Em volume, a redução foi ainda mais acentuada: de 837 toneladas para 380 toneladas, queda de 55%.

Anna Paula lembra que, ao contrário do café — em que o Brasil é fornecedor estratégico para o mercado global —, os compradores norte-americanos contam com alternativas para adquirir derivados de cacau de outros países. “Não há risco imediato de inflação ou desabastecimento no mercado norte-americano, o que enfraquece a urgência de negociações específicas para o cacau”, explicou.

Pesca: setor parado

O setor pesqueiro capixaba enfrenta uma situação crítica, com 98% das exportações de atum, meca e outros peixes oceânicos destinadas aos EUA. Sem alternativas viáveis, já que a Europa está bloqueada por questões sanitárias e a Ásia é pouco competitiva, a pesca oceânica está praticamente paralisada. As embarcações, que custam entre R$ 120 mil e R$ 140 mil por saída de 15 a 20 dias, não estão saindo para pescar. A única esperança é a abertura do mercado inglês que, após o Brexit, poderia absorver parte da produção. O setor pressiona o governo brasileiro para articular essa possibilidade.

Pimenta-do-reino: investimentos em xeque

A pimenta-do-reino, com 25% das exportações capixabas redirecionadas aos EUA via Vietnã e Índia, sofre com a tarifa de 50% aplicada à origem brasileira. Oficialmente, apenas 1% vai diretamente aos EUA, mas o impacto indireto é significativo. Recentemente, o setor investiu em esterilizadores, como o já operacional em Linhares, para retomar exportações diretas, superando problemas com salmonella. A tarifa, porém, frustra esses planos. Como alternativa, produtores propõem reduzir a tarifa de 30% para a China, equiparando-a à do Vietnã, para ganhar competitividade.

Gengibre: agricultura familiar em risco

O gengibre, essencial para a agricultura familiar capixaba, exportou 58% de sua produção para os EUA no primeiro semestre, caindo para 33-34% no ano. A China, maior produtora mundial, não é uma alternativa viável. “Sem acesso a novos mercados, corremos o risco de inviabilizar esse cultivo”, alerta Bergoli.
Em julho, o Espírito Santo exportou US$ 4,4 milhões (3,1 mil toneladas) para todos os países com exceção dos EUA. Já em agosto, as vendas caíram para US$ 3,5 milhões (-20,5%) e 2,5 mil toneladas (-19%). Para os EUA, a queda foi ainda mais forte: de US$ 2 milhões (1,5 mil toneladas) em julho para US$ 1,1 milhão (1 mil toneladas), uma retração de 33% no volume e 45% no valor.

Mamão: risco para o mercado interno

O Espírito Santo, maior exportador de mamão do Brasil, com 45% das exportações nacionais, envia 10 a 14% de sua produção aos EUA, sendo o único estado brasileiro a acessar esse mercado. A tarifa pode desestabilizar o mercado interno, pois a produção não exportada pode saturar o mercado doméstico, derrubando preços e afetando até pequenos produtores que não exportam. Para mitigar o impacto, o setor propõe flexibilizar a instrução normativa do Ministério da Agricultura, que eleva os custos de exportação, e dividir os custos da tarifa com compradores americanos durante a transição.

Comitê capixaba analisa ações de enfrentamento ao tarifaço

O Governo do Espírito Santo estabeleceu um Comitê de Enfrentamento das Consequências do Aumento das Tarifas de Importação (Cetax), coordenado pelo vice-governador do Estado, Ricardo Ferraço.

Entre as medidas já definidas, foi aprovada a Lei 595/2025, que autoriza oficialmente a transferência de créditos acumulados de ICMS para os setores produtivos mais afetados. Espera-se que por meio dessa lei sejam liberados cerca de R$ 100 milhões em créditos, beneficiando segmentos como rochas ornamentais, pescados e crustáceos, pimenta-do-reino, mamão e gengibre. A nova legislação também abre espaço para programas de financiamento específicos para as empresas exportadoras atingidas, com critérios a serem definidos pela Secretaria de Fazenda.

Também está prevista a criação de uma linha de crédito subsidiada com dotação inicial de R$ 60 milhões, voltada para o capital de giro das exportadoras. O governador do Estado, Renato Casagrande, anunciou que o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) fará a suspensão temporária das prestações de financiamento por até seis meses.

Além disso, o banco disponibilizará linhas de crédito para capital de giro exportação, visando mitigar os efeitos de curto prazo no fluxo de caixa das empresas e para que a perda de receitas seja parcialmente suprida, garantindo equilíbrio financeiro e manutenção de suas atividades. Empresas capixabas com faturamento de até R$ 20 milhões e que exportam produtos para os Estados Unidos serão elegíveis para a linha de crédito. A dotação inicial é de R$ 60 milhões.

Foi aprovada ainda, a Lei de Compras Institucionais dos Produtos da Agricultura Familiar, que determina que pelo menos 30% dos recursos destinados às aquisições de gêneros alimentícios pelos órgãos públicos estaduais sejam aplicados em produtos da agricultura familiar. A expectativa é dobrar em quatro anos o valor dessas compras, passando de cerca de R$ 50 milhões para R$ 100 milhões anuais, fortalecendo produtores rurais, associações e cooperativas, em especial comunidades tradicionais, assentamentos, grupos de mulheres e jovens.

Além das medidas anunciadas, o Estado segue articulando com o Governo Federal, com o envio de informações detalhadas sobre a realidade de cada segmento, para subsidiar as negociações diplomáticas entre Brasil, Estados Unidos e outros países para onde se destinam as exportações do Espírito Santo.

Sobre o autor Fernanda Zandonadi Desde 2001, Fernanda Zandonadi atua como jornalista, destacando-se pelo alto profissionalismo e pela excelência na escrita de suas reportagens especiais. Tem um conhecimento aprofundado em agronegócio, cooperativismo e economia, com a habilidade de traduzir temas complexos em textos de grande impacto e relevância. Seu rigor e qualidade na apuração e narração de histórias do setor garantiram que seu trabalho fosse constantemente reconhecido pela crítica especializada, o que a levou a conquistar múltiplas distinções e reconhecimentos em premiações regionais e nacionais de jornalismo. Ver mais conteúdos