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Somos flecha, somos arco: o ‘escambo moderno’ que alavanca as cooperativas capixabas

por Fernanda Zandonadi

em 05/10/2023 às 6h05

7 min de leitura

Somos flecha, somos arco: o ‘escambo moderno’ que alavanca as cooperativas capixabas

Foto: Leandro Fidelis

*Matéria originalmente publicada em 06 de dezembro de 2022.

“Uma gata, o que é que tem? As unhas

E a galinha, o que é que tem? O bico

Dito assim, parece até ridículo um bichinho se assanhar

E o jumento, o que é que tem? As patas

E o cachorro, o que é que tem? Os dentes

Ponha tudo junto e de repente vamos ver o que é que dá”

A peça de teatro infantil Os Saltimbancos, versão de Chico Buarque de “I Musicanti, mostra que a união faz a força”. E, num mundo em que grandes empresas buscam um lugar ao sol numa luta acirrada por rapidez e eficiência, as cooperativas encontraram um caminho pronto para ser trilhado por aqueles que cooperam entre si.

“Junte um bico com dez unhas

Quatro patas, trinta dentes

pube

E o valente dos valentes

Ainda vai te respeitar”

A troca de experiências, serviços e produtos entre as cooperativas, a chamada intercooperação, pode ser vista como um escambo moderno. Um jogo de ganha-ganha em que o maior beneficiado é o cooperado. 

Demos as mãos e estamos fazendo o que é possível para mitigar os efeitos da crise. Não é algo sistematizado, mas parcerias que são concretizadas quando há demanda e oportunidade”, explica o presidente da Selita, Rubens Moreira. 

Há muitos exemplos muito sólidos da intercooperação entre as coops capixabas. Caso das cooperativas de Laticínios Selita e a Agrária Mista de Castelo (Cacal), que voltaram a negociar ração para o gado e leite. 

Além de ficar mais barato, estamos trabalhando com parceiros de longa data, que conhecemos. Processamos o leite dos associados da Cacal – de quem compramos também ração – e da Clac (Cooperativa de Laticínios de Alfredo Chaves). Quando eles entram em licitação, produzimos leite em pó e iogurte. Eles encomendam, nós produzimos”.  

Não tem muito tempo, a Cooperativa Agropecuária Centro Serrana (Coopeavi) entrou no ramo de leite, incorporando a Veneza. Desde 2019, a cooperativa tem uma indústria de laticínios em Nova Venécia. Na planta industrial, não produzem o leite UHT, apenas resfriados como queijo, manteiga e requeijão. Um portfólio diferente da Selita. Daí entra a parceria.

Estamos fechando que, quando eles precisarem, vamos produzir leite em pó para eles. Eles enviam o leite, e nós cobramos um preço pela produção, transformação do produto, embalagem”. 

A logística também é um ponto chave para que essa história dê certo. A Selita, com sua fábrica no Sul do Espírito Santo, tem cooperados em locais mais remotos. 

A Coopeavi tem, em Nova Venécia, uma planta industrial. Nós temos aqui em Cachoeiro. Como não temos linha de captação em Santa Leopoldina, eles captam para nossa cooperativa. Nós, por outro lado, captamos o leite em Afonso Cláudio, onde eles não têm linha, mas tem produtores associados. É uma cooperação interessante porque o frete de coleta está caríssimo”.  

 

“E no mundo dizem que são tantos, Saltimbancos como somos nós”.

O projeto de intercooperação deu tão certo que as coops capixabas vão se unir para um projeto ainda mais ambicioso: uma indústria de produtos veterinários. Segundo Rubens Moreira, o projeto – que já entrou em pauta em outra ocasião – voltará a ser discutido em 2023.

Queremos estruturar esse projeto junto às cooperativas de laticínios capixabas. A ideia é produzir itens veterinários para a pecuária de leite, mas isso pode abranger também a avicultura e a suinocultura”. 

A proposta busca a participação de seis coops:  Selita, Cacal, Coopeavi, Colamisul, Clac e Colágua. Uma das sugestões é o uso da planta industrial da Selita, que fica em Cachoeiro de Itapemirim e tem 2 milhões de metros quadrados, espaço mais do que suficiente para a fábrica. 

No primeiro momento não conseguiríamos atender a toda demanda, pois são milhares de produtos. Mas temos condições de crescer em um curto espaço de tempo e expandir nacionalmente. Crescer muito. Isso tudo com intercooperação. Seria uma marca eleita por todas as cooperativas e elencaria os medicamentos e fármacos mais usados para pecuária, aves e suínos. Vamos voltar com a proposta, internamente, em 2023”.

“Todos nós no mesmo barco, não há nada a temer”

Mais de 1 bilhão de pessoas, ou 12% de todas as pessoas do mundo, fazem parte de alguma cooperativa. No Espírito Santo, são 119 coops registradas até dezembro de 2020, somando mais de meio milhão de cooperados, número que representa um crescimento de 15,5% em relação ao ano anterior.  

De 2018 a 2020, no entanto, o número de cooperativas em terras capixabas caiu 6,3%, passando de 137 para os atuais 119. Vários fatores influenciaram essa queda, entre elas, a incorporação de uma cooperativa por outra, como forma de ganho estratégico e redução de custos. E a crise sanitária causada pelo novo coronavírus, com impacto direto na economia mundial, foi a responsável pela queda. 

“Parte da redução observada nos dados de 2020 pode ser atribuída ao impacto da pandemia de Covid-19 sobre a atividade econômica […], já que a tendência, sem a pandemia, seria de expansão, como ocorreu de 2018 para 2019, quando houve crescimento de 5,5%”, informa o Anuário do Cooperativismo Capixaba de 2021.

Parafraseando o filósofo alemão Frederick Nietzsche, que escreveu: “o que não me mata, me fortalece”, na crise mundial a intercooperação mostrou ainda mais força. A união entre cooperativas ocorre por meio das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.

Pode ser feita entre cooperativas do mesmo sistema, com cooperativas de outros sistemas e com cooperativas de outros ramos do cooperativismo. 

Foi nessa sinergia que, no segundo semestre de 2021, duas cooperativas de Santa Maria de Jetibá – Coopeavi e CoopeTranserrana –  firmaram uma aliança estratégica de intercooperação para fortalecer o sistema de transportes dos dois grupos. 

Com a pandemia e consequente interrupção das aulas presenciais, a CoopeTranserrana, até então forte no ramo de transporte escolar, passou a atuar também no transporte de cargas. Do outro lado da oferta, a Coopeavi tinha uma grande demanda pelo serviço e terceirizava boa parte dele. Uma mão lavou a outra. 

A intercooperação foi benéfica para os dois lados. Para a cooperativa de transporte, gerou novos associados: foram, ao menos, 200 depois do processo. E a tendência é que essa união permaneça e se amplie, chegando ao transporte de adubos.

É um segmento estrategicamente muito importante para a cooperativa e não perderemos o foco nessa operação”, destacou o presidente da CoopeTranserrana, Ederson Jacob.

 

Novas oportunidades na intercooperação

Durante as feiras de negócios Agro Coopeavi, em julho deste ano, em Nova Venécia e Santa Maria de Jetibá, a cooperativa de transporte aproveitou a oportunidade para captar novos motoristas para o transporte contínuo de adubo, ração e produtos agro em geral no pós-evento. 

Segundo o gerente de Logística da Coopeavi, Raul Vieira, o desafio da cooperativa e da CoopeTranserrana é realizar, até dezembro, mais de 4.000 entregas extras relacionadas à captação de novos motoristas durante as feiras. “Em Nova Venécia, conseguimos até motorista para captação de leite, que nem era o foco da nossa estratégia”, disse. 

Somando-se às entregas previstas pós-feiras e as já em andamento com os cooperados do quadro social, estima-se que entre julho e dezembro serão mais de 20 toneladas de adubo, mais de 15 mil de ração, além de 250 sacas de café para retirar do campo, com fretes no Espírito Santo e Leste de Minas Gerais.

Na lógica da intercooperação, a CoopeTranserrana usa o preço do diesel como indexador da tabela do frete, o que deixa “o motorista mais motivado a prestar o serviço”. “Se aumenta o diesel, o valor do frete também aumenta”, explica Raul Vieira.

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