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Carnicicultura

Produção de camarão ainda sofre os efeitos da seca no noroeste do ES

Laboratório que custou aos cofres públicos mais de R$ 1,2 milhão continua fechado e retomada da produção em grande escala ainda é incerta após três anos do fim da estiagem prolongada no Estado

por Rosimeri Ronquetti e Wellington Anholetti

em 18/08/2020 às 11h40

10 min de leitura

Produção de camarão ainda sofre os efeitos da seca no noroeste do ES

*Fotos: Divulgação

*Edição: Leandro Fidelis

De 25 toneladas e uma média de 40 carcinicultores em 2014 para 7,5 toneladas e apenas quatro produtores em 2018, último dado consolidado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa é a realidade da produção do Camarão da Malásia, em Governador Lindenberg, no noroeste do Espírito Santo.

Historicamente, o município sempre foi e continua sendo o maior produtor de camarão de água doce no Espírito Santo, porém, após a estiagem de 2014 a produção caiu 70%. Governador Lindenberg já teve 20 hectares do município ocupados com camarão.

A seca ocorreu na fase considerada a melhor da produção pelos carcinicultores. É que após quatro anos de espera, em 2014 foi inaugurado o laboratório de pós-larvas de camarão, solucionando assim um dos maiores gargalos enfrentados pelos produtores na criação do crustáceo. Até então, a pós-larva era comprada no Rio de Janeiro e a perda era muito grande devido o tempo da viagem.

Localizado em Novo Brasil, distrito de Governador Lindenberg, o laboratório produzia pós-larvas de qualidade para abastecer o mercado capixaba, mas nem chegou a funcionar plenamente, conforme explica o
técnico do Escritório Local de Desenvolvimento Regional do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), Jair
Antonio Toso
. “Antes de funcionar plenamente e se tornar auto-sustentável veio a seca e o laboratório parou ”, diz Toso.

As pós-larvas também seriam comercializadas para carcinicultores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. O laboratório, que custou aos cofres públicos mais de R$ 1,2 milhão, continua fechado. O projeto foi criado com recursos do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário, atual Secretaria do Desenvolvimento Agrário, em parceria com a Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag) e a prefeitura.

O laboratório não tem previsão para voltar a funcionar.


Mal começou e precisou parar

“O laboratório demorou para ficar pronto. Quando inaugurou e começou a funcionar, a gente achava que ia dar uma alavancada na atividade tanto de quem já produzia, quanto de quem se preparava para iniciar o cultivo. Veio a seca e acabou com tudo. Ficamos sem água e precisamos parar de produzir ”.

O desabafo é do produtor José Agostinho Brunoro, da localidade de Córrego Divino, interior de Governador Lindenberg.

Um dos pioneiros no cultivo de camarão no município, Agostinho se dedicou à atividade por 22 anos e só parou por causa da estiagem. Na esperança que ia chover e resolver o problema, o carcinicultor perdeu também, na época, três colheitas de café.

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“Fiquei tentando o camarão, apostando que ia chover e voltar tudo ao normal e não colhi nem café, nem camarão. Fui obrigado a parar com o camarão e deixar a água para irrigar as lavouras, não vi outra solução, minha água secou ”, conta Brunoro, que produzia, em média, 1.800 kg de camarão por ano em oito tanques em uma área de quase 1 hectare da propriedade.

O produtor rural Agostinho Brunoro
passou a utilizar os tanques para captar água para irrigar as lavouras de café.

Jair diz que “o camarão é uma atividade secundária. A primeira é o café e a preferência da água é para esta cultura. A maioria dos produtores optaram por deixar a água para o café ”.

Outro pioneiro na produção de camarão, Roque Jonas Gava, da comunidade Rio Bonito, dono do Sítio Bom Jesus da Lapa, está na lista dos produtores que conseguiram manter as atividades, apesar dos prejuízos. Porém, até hoje não conseguiu retomar 100% da produção. Parte dos 11 tanques instalados em uma área de 1,3 ha ainda estão vazios, e a produção que chegava a 2.500 kg/ano, não passa de 1.200.

“Na época da seca tivemos muitos prejuízos, a produção caiu muito, só consegui mesmo administrar para manter o compromisso de entrega de camarão de alguns clientes. Alguns tanques secaram tanto que deram rachaduras de até cinco centímetros ”, explica Gava. O produtor planeja reformar os tanques e colocar todos em funcionamento até o final deste ano.


O produtor Roque Gava manteve as atividades, apesar dos prejuízos na estiagem prolongada.


Ano de 2019 sinalizou retomada

A cadeia produtiva de camarões de água doce do Espírito Santo se consolidou com a produção do Camarão da Malásia. O professor de Aquicultura e Ecologia do Ifes Campus Alegre,
Bruno Preto,
explica que, além da crise hídrica de 2014, problemas
como o término do convênio entre a Cooperativa dos Aquicultores do Espírito Santo (Ceaq) e a antiga Escola Agrotécnica Federal de Colatina, em 2007, para produção de pós-larvas, contribuíram para a queda na produção estadual.

De acordo com dados do IBGE-PPM de 2014 a 2018, a produção capixaba de camarões de água doce, que era de pouco mais de 67 toneladas em 2014, passou para cerca de 15 toneladas em 2018. O professor explica que realmente houve uma redução neste período, no entanto não há uma coleta de dados que considere efetivamente todos os produtores de camarões, reportando de fato o cenário capixaba.

“Por meio do contato junto a três laboratórios comerciais de produção de pós-larvas de camarões de água doce localizados no norte e centro do Estado, foi verificado que, no último ano, estes laboratórios comercializaram cerca de 2,8 milhões de pós larvas junto a carcinicultores capixabas. Se considerarmos que a sobrevivência de camarões obtida pelos carcinicultores foi de 60% e que o peso médio dos crustáceos foi de 25 gramas, teríamos uma produção de 42 toneladas no último ano ”, analisa Preto.

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Futuro da atividade é incerto

Parte dos oito tanques onde Agostinho criava camarão agora armazenam água para irrigar as lavouras de café. Segundo ele, a única saída seria tentar fazer poço artesiano e bombear água, mas é um investimento alto para correr o risco. Jair explica que a situação é a mesma de vários outros produtores do município, uma vez que a água em muitas propriedades ainda não voltou ao normal.

“Na situação dele é muito difícil retomar a produção. Foram feitas muitas represas na região e a água diminuiu muito. A água não voltou ao normal ainda, agora que começa a voltar, o que ainda deixa o pessoal apreensivo, vai ter água ou não vai ter água? Ninguém tem certeza dessa resposta ”, salienta o técnico do Incaper, Jair
Antonio Toso.

Se por um lado as condições climáticas não garantem o retorno da atividade, por outro, o setor público busca a passos lentos viabilizar meios para retomada da produção por meio de um sistema de recirculação de água. O objetivo é gerar mais economia do recurso natural durante o processo de criação e higienização do camarão.

Segundo o gerente de Pesca, Aquicultura e Produção Animal da Seag, José Alejandro Garcia Prado, o projeto vai testar a criação de 100, 200 e até 300 pós-larvas por metro cúbico, quantidade superior em comparação com o sistema extensivo tradicional. Alejandro explica em detalhes o projeto:

“O experimento prevê a introdução das pós-larvas nos períodos de seca nos tanques de recirculação durante três meses. Após esse tempo, com a retomada das chuvas, os camarões já na fase juvenil serão levados para os tanques normais até o abate. O objetivo é que esses indivíduos cheguem à fase juvenil para serem transferidos para um viveiro normal, uma maneira de otimizar o tempo e o espaço. Esperamos que este estudo forneça uma nova luz à atividade ”.

Em fase de implantação, mas já com atraso, devido à demora na aquisição dos equipamentos, prevista para começar em março, o projeto é realizado em parceria com o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) Campus Itapina e Incaper, custeado pela Seag, e terá gestão do Fundo de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes). O custo total do experimento é de cerca de R$ 80 mil.

Já o laboratório, segundo informou o secretário Municipal de Agricultura de Governador Lindenberg, Jorielsen Alencastro Morello, não tem previsão para voltar a funcionar. O secretário disse ainda que chegou a ser feito um orçamento para reforma e adaptações na construção, mas o trabalho não teve continuidade.

Quanto ao camarão marinho, o gerente de Pesca da Seag
afirma que o Estado está em fase de expansão para o cultivo do crustáceo.

“O Espírito Santo já possui produtores e estamos em processo de fomento da atividade. Ainda precisamos avançar muito, pois o licenciamento ambiental não está preparado para a atividade, que é sustentável e feita
em sistemas de recirculação fechados, onde não há lançamento do efluente no ambiente nem uso de áreas protegidas, mas esperamos incorporar a carcinicultura marinha em breve no processo ”, finaliza Prado.



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Iniciante aposta na atividade para diversificar

Entre os produtores de camarão de Governador Lindenberg encontramos o iniciante Telmo Bayer com apenas dez meses de experiência. Morador do Córrego Bonito, o produtor rural resolveu apostar no cultivo da espécie pensando em diversificar a produção e de olho no bom retorno financeiro.

“Resolvi investir para ter uma diversificação na propriedade e também por acreditar que o retorno será positivo. Estou satisfeito com o resultado até agora e espero melhorar ainda mais com o aprendizado que vou adquirir com o passar do tempo ”, diz Bayer.

Telmo Bayer resolveu apostar no cultivo da espécie para diversificar a produção e de olho no bom retorno financeiro. (*Foto: Rosimeri Ronquetti/Safra ES)

Se o iniciante tem alguma dúvida quanto aos resultados com o cultivo do crustáceo, os veteranos José
Agostinho Brunoro e Roque Jonas Gava têm experiência de sobra e garantem: é um ótimo negócio. “Era mais uma atividade para gerar renda na propriedade. É uma produção muito rentável, ganhei dinheiro com camarão ”, garante Brunoro.

Já Roque diz que a demanda por camarão é boa. Se correr tudo bem com a produção, os lucros chegam a 70%. “É bastante vantajosa, compensa investir. Por isso, segurei, esperei a água retornar e não desanimei ”, salienta Gava.

Inicialmente, Telmo Bayer investiu cerca de R$ 90 mil na implantação de sete tanques, mas a meta é chegar a dez e atingir uma produção de cerca de 1.200 kg/ano.

Diferente dos demais produtores que tem no camarão uma segunda renda, o engenheiro agr&ocirc,nomo João Guilherme Schramm tem o camarão como principal atividade. Ele deu continuidade aos trabalhos do pai, Frederico Schramm, um dos maiores produtores do município, e assumiu o negócio quando o período de seca já estava terminando.

São 27 tanques, que ocupam uma área total de cerca de 5,5 hectares, distribuídos em duas propriedades no distrito de Novo Brasil, e uma média de 500 a 800 kg/mês. João Guilherme explica que essa é uma cultura que demanda muitos cuidados, porém, tem uma margem de lucro superior às outras atividades.
Para fugir do custo alto com a aquisição de pós-larvas, ele montou um laboratório próprio no sítio.

“É um bom negócio, dá uma margem de lucro bem melhor que todas as outras atividades. Necessita de uma dedicação muito grande, mas financeiramente vale muito a pena, a margem de lucro compensa ”, relata o agr&ocirc,nomo.

Toda produção de camarão de Governador Lindenberg é comercializada no próprio município e região, além de Colatina e Grande Vitória.

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