ESPECIAL

Visão muito além da lavoura de café

O ano é 2018. O capixaba da gema Fabrício Campos Dall’Orto (48) lembra com exatidão a data, 4 de janeiro. Foi nesse dia que o técnico em mecatrônica e empresário deu mais um passo em um projeto ousado ligado a cafés de qualidade. Ao adquirir o Sítio Pedra Roxa, na localidade de mesmo nome, no […]

O ano é 2018. O capixaba da gema Fabrício Campos Dall’Orto (48) lembra com exatidão a data, 4 de janeiro. Foi nesse dia que o técnico em mecatrônica e empresário deu mais um passo em um projeto ousado ligado a cafés de qualidade.

Ao adquirir o Sítio Pedra Roxa, na localidade de mesmo nome, no interior de Ibitirama (região do Caparaó) ele tinha em mente duas coisas: produzir alimento sem veneno e verticalizar os negócios. Já atuante na capital no comércio de acessórios para cafeterias e insumos, no aluguel de máquinas de espresso e também com treinamento para baristas, só faltava colocar a mão na terra para fechar o ciclo e fazer jusao sobrenonome italiano, que significa “da horta”.

O empresário chegou “causando ”. Tudo em pouquíssimo tempo. Ainda em 2018, ficou em 7º lugar no Concurso Municipal de Café de Qualidade. Como em toda comunidade interiorana, o “forasteiro ” sofreu as consequências de ainda ser um desconhecido, mas não se deixou abater. Mal chegou e já quis sentar na janela. No ano seguinte, Fabrício foi o campeão da vez e ainda cravou a 3ª colocação na mesma disputa.

E 2019 confirmou o bom momento. Uma empresa mineira convidada a participar do Festival de Cafés de Nova York escolheu uma amostra do sítio para somar a outras duas no evento. No final daquele ano, o café do empresário ficou entre os 150 melhores da Semana Internacional do Café, em Belo Horizonte. Nenhum outro cafeicultor de Ibitirama tinha chegado tão longe. A mesma janela onde Dall’Orto se sentou abriu um novo horizonte para outros produtores.
“Quando coloquei os pés aqui pela primeira vez e falava com as pessoas que tornaria o Sítio Pedra Roxa produtor de cafés especiais, elas riam. Ninguém estava acostumado com isso. Aqui o normal é jogar o café de derriça no chão e vender como tipo 7, e isso não fecha a conta. Depois que vim pra cá, muitos começaram a ver café especial como possibilidade de renda ”, conta o empresário, que afirma que os 2º, 6º e 11º colocados do concurso de 2019 aprenderam a preparar cafés finos com ele.
Campos Dall’Orto inspira uma nova consciência no município com uma das mais belas vistas para o Pico da Bandeira. Ele começou tudo do zero no Sítio Pedra Roxa, a 24 km da sede e com acesso pela rodovia ES-190. Aterrou 16 açudes e juntou outros sete para fazer um reservatório de água. Nos últimos dois anos, iniciou o processo de desintoxicação das lavouras de arábica para obtenção da certificação orgânica. A última vez que usou produto químico foi em maio de 2018 para controlar o mato. Os pés ocupam 8 hectares do total de 15,4 ha da propriedade. A ideia é aumentar a lavoura sem derrubar árvores e também plantar abacateiros.
Além disso, o “empresário do setor cafeeiro ” (como se autointitula) construiu uma estufa de 300m² com terreiro suspenso para secar os grãos de café. A benfeitoria tem um sistema testado pelo próprio produtor para ventilar sob medida, evitando contaminação e umidade. Segundo Fabrício, o sítio inteiro está sendo verticalizado para a produção orgânica. “Tive consultoria do Sebrae e fiz as alterações com menos de dois dias ”, diz. A auditoria foi realizada em 2020, e em junho ou julho deste ano a certificadora irá à propriedade, com previsão de conceder o selo em setembro.
“Não adianta você produzir somente café. Já vi lavouras a coisa mais linda do mundo, com talhões mais limpos que a cozinha da minha casa, mas não tinha mato, inseto… A preocupação do Sítio Pedra Roxa é ter vida. Parece que as lavouras estão abandonadas no meio do mato, mas é proposital. O mato é roçado e fica no chão para virar adubo orgânico. Com isso, tenho insetos, pássaros e consigo manter todo o ecossistema funcionando ”, explica Dall’Orto.
O empresário avalia que sua matemática é assertiva para agregação de valor. Ele já vendeu uma saca por R$ 1.500 e este ano teve lote negociado a partir de R$ 800 a saca. Mesmo sem histórico de produção, a meta é alcançar 150 sacas de cafés especiais com a certificação. “Sempre tive a ideia de produzir alimento sem veneno. Tenho uma filha de 17 anos que não gosta de café e queria que sua primeira experiência fosse com um orgânico. É um processo lento e caro, mas vale a pena. Se reduzir a produção pela metade, mas agregando valor, o meu lucro vai ser maior. Não é a quantidade de saca que a lavoura gera durante o ano, é o valor agregado que vem em cada uma que conta ”, afirma.
E continua: “A grande proposta é produzir café ao custo do suor do produtor, chega de café ao custo do sangue. Imagina você na cafeteria tomando uma xícara de café e saber que o produtor responsável morreu por causa do veneno jogado nas lavouras? ”.

_CONHECIMENTO
E em pouco mais de dois anos, Fabrício Campos Dall’Orto vem tornando sua história conhecida antes mesmo de a vizinhança o conhecer pessoalmente, embora até antes da pandemia a presença do empresário era certa em eventos do setor, sempre em contato com representantes da cadeia produtiva.
Dall’Orto acredita que a ida para Ibitirama contribui para diminuir o êxodo rural. A começar pelas oportunidades de trabalho criadas no Sítio Pedra Roxa. “Alguns ainda acham que sou louco (risos). Minha ideia é ensinar as pessoas a fazerem café de qualidade. Sempre digo que sou extremamente capitalista. Faço com amor, mas trabalho por dinheiro. Quanto mais eu dividir conhecimento, mais tempo vou conseguir manter o homem do campo produzindo. Quanto mais pessoas produzindo, menor o êxodo rural ”, ressalta.
Outros projetos visam transformar a propriedade em um radar de qualidade e sustentabilidade de café. Na sede do sítio, Fabrício construiu um prédio onde, além de abrigar escritório e armazém, terá um centro de treinamento com 98 m² no segundo pavimento. O empresário já mantém um empreendimento semelhante em Vitória, e a ideia é transferir parte das instalações para o novo endereço onde pretende ensinar sobre preparo do solo, plantio, colheita, pós-colheita, classificação física e sensorial, torrefação e formar baristas. “A pessoa vai passar por todas as etapas e decidir em que ramo atuar ”.
A gama de iniciativas do “Grupo Dall’Orto ” não tem fim. No final de 2020, Fabrício criou a “Make a Coffee ”, uma franquia de cafés com marca própria. O empresário dá todo suporte para quem quer empreender na área de cafés especiais. Além disso, é representante estadual de duas marcas de produtos para nutrição de plantas. A primeira é dos fertilizantes orgânicos Yorin, certificados pela EBD, considerada a maior certificadora de produtos orgânicos e sustentáveis da América Latina, e a segunda é a Guerra Brasilica Clinicals, com produtos que estimulam a parte vegetativa do cafeeiro. “Os resultados são gritantes. As plantas lançam mais ramos e aumentam a produção ”, afirma.

Sobre o autor Leandro Fidelis Formado em Comunicação Social desde 2004, Leandro Fidelis é um jornalista com forte especialização no agronegócio, no cooperativismo e na cobertura aprofundada do interior capixaba. Sua trajetória é marcada pela excelência e reconhecimento, acumulando mais de 25 prêmios de jornalismo, incluindo a conquista inédita do IFAJ Star Prize 2025 para um jornalista agro brasileiro. Com experiência versátil, ele construiu sua carreira atuando em diferentes plataformas, como redações tradicionais, rádio, além de desempenhar funções estratégicas em assessoria de imprensa e projetos de comunicação pública e institucional. Ver mais conteúdos