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Arrendamento é saída para alto custo de terra e escassez de mão de obra sucessória no ES

Benéfico para ambas as partes, contrato é cada vez mais comum no agro capixaba

por Rosimeri Ronquetti

em 14/09/2023 às 6h02

8 min de leitura

Arrendamento é saída para alto custo de terra e escassez de mão de obra sucessória no ES

A advogada Julia Bastos, que já conciliava a advocacia com os cuidados com um sítio da família em Fundão, onde produz café, e sem querer se desfazer do terreno em Aracruz, resolveu disponibilizá-lo para arrendamento. (*Foto: arquivo pessoal)

*Matéria originalmente publicada em 17 de agosto de 2022

Prática comum e legalizada, feita entre o proprietário da terra (o arrendador) e quem irá utilizá-la (o arrendatário), os arrendamentos funcionam como se fossem um aluguel da terra por determinado período. Em geral, são feitos para diferentes tipos de lavoura ou atividade pecuária com foco na pastagem.

No Espírito Santo, a prática é muito comum, porém, desde que deixou de ser obrigatória a homologação dos contratos nos sindicatos rurais, não existem dados estatísticos relativos aos números sobre arrendamento.

O casal de noivos Kattiely Wruck (27) e Pedro Henrique da Silva (30), ambos engenheiros agrônomos, estudou junto e, ainda na faculdade, sonhava empreender em Marechal Floriano, cidade de Kattiely. Entretanto, os planos mudaram quando foram contratados para trabalhar em uma empresa de defensivos em Linhares.

O casal enxergou grandes oportunidades no potencial tecnológico da região assim que chegou ao município. Sem capital para comprar um terreno, antes mesmo de se casar eles saíram em busca de uma área para arrendar, conta Kattiely.

Foto: arquivo pessoal

Sempre tivemos um lado empreendedor. Pensávamos em voltar para a casa dos meus pais e montar uma estufa de tomate, mas os planos mudaram quando conseguimos emprego em Linhares. Como não temos capital para adquirir terra, arrendar é a forma mais ‘barata’”, relata a agrônoma.

Pedro e Kattiely procuram uma propriedade em Linhares ou Sooretama e pretendem conciliar a lida no campo com o emprego, assim como fazem os colegas de trabalho. A ideia é plantar café.

Queremos arrendar na região para ficar perto de casa e fazer o que nós sabemos de melhor, que é produzir. Pretendemos plantar café, uma cultura de baixo risco, que demanda relativamente menos mão de obra, e consequentemente, garante ótimo retorno econômico”, diz Pedro.

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Se para Pedro e kattiely arrendar uma área continua sendo desejo, para o produtor rural Marcelo Brás Frigi (38), de Rio Bananal, já é realidade. Há seis anos, ele arrendou 14 hectares no Córrego Santa Clara, interior do município, para cultivar café por 12 anos. O pagamento é feito anualmente após a colheita, e o valor pago corresponde a 10% da produção bruta.

Segundo Marcelo, ele plantou o café e, só após o início da colheita, começou a pagar pela locação. O produtor, que também é proprietário de terra na região, conta que mesmo tendo seu terreno e com todos os desafios da cafeicultura, ainda assim vale a pena fazer o arrendamento.

Foto: arquivo pessoal

Mesmo já tendo terra e com todos os desafios da cafeicultura, como clima, pragas e preço, vale a pena, pois o arrendamento nos proporciona resultados positivos. Sem contar que aumento minha produção sem precisar adquirir o terreno”, pontua o cafeicultor.

 

O outro lado

Se para o arrendatário é bom negócio, para o arrendador não é diferente. Além da questão financeira, o arrendamento pode ser também a solução para algumas questões. Pedro Picoli (25), que administra as propriedades da família em Linhares e Pinheiros, conta que, para o pai, Amâncio Picoli, arrendar foi a saída para três diferentes situações.

Um terreno no Sul da Bahia, inviável de ficar indo e voltando, outro em Pinheiros, arenoso, difícil de desenvolver algum tipo de agricultura. Então, arrendamos para produção de eucalipto, que é melhor do que deixar a terra parada. E em Linhares, quando eu era mais novo e estava estudando, meu pai, sem condições de tocar a terra, também arrendou. Para nossa realidade, o arrendamento foi uma solução”, conta.

Picoli afirma ser bom negócio quanto ao retorno financeiro. No caso dele, o pagamento do arrendamento é feito ao final de cada ciclo de produção.

Durante a seca de 2015 no Espírito Santo, o avô da advogada Julia Bastos (27) desanimou do trabalho no campo e se aposentou. Julia, que já conciliava a advocacia com os cuidados com um sítio da família em Fundão, onde produz café, e sem querer se desfazer do terreno localizado na comunidade Santa Rosa, em Aracruz, resolveu arrendar.

Eu tomo conta de um sítio em Fundão e tomar conta também desse outro em Aracruz ficou inviável, então decidi arrendar. Dessa forma, ele continuaria no nosso patrimônio, no nosso portfólio de negócios, mas sem me dar muito trabalho e tomar muito meu tempo”, explica.

O terreno arrendado é utilizado para criação de gado de engorda. O pagamento é mensal, com valor estipulado de acordo com a quantidade de animais. Para Julia, o arrendamento funciona principalmente para quem não quer se envolver no risco do negócio ou produzir. “É a melhor opção. Se a pessoa tem o terreno e não quer produzir, o arredamento nada mais é do que um aluguel que vai tornar, de certa forma, a área produtiva e rentável, mas sem o trabalho e risco de toda atividade rural”.

No entanto, a advogada faz um alerta aos arrendadores. Especialista em direito agrário, ressalta que proprietários rurais com apenas um terreno para arrendar, mas sem prática agrícola, devem se atentar para o risco de perder a condição de segurado especial junto ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) por não se enquadrarem como produtor rural.

Aquele proprietário que só tem um terreno e dá esse terreno em arrendamento sem explorar a atividade rural, só aluga, não é considerado produtor rural. Acaba por perder a condição de segurado especial do INSS por não se enquadrar como produtor rural. Ele passa a ser somente arrendador”, finaliza Julia Bastos.

 

Vantagens do negócio

O engenheiro agrônomo e consultor rural Carlos Junior Delpupo (32) também resolveu investir na modalidade. Sem terreno próprio, arrendou 23 hectares de terra em Jataipeba, interior de Linhares. Nas palavras dele: “enquanto tiver essa facilidade de arrendar não penso em comprar”.

Para Delpupo, o arrendamento vem crescendo muito e tem vantagens para ambos, arrendador e arrendatário. Segundo ele, muitos produtores buscam essa alternativa devido à falta de recursos para investir na aquisição do terreno.

Foto: arquivo pessoal

O arrendamento permite que o arrendatário inicie um negócio sem se descapitalizar. E dependendo da forma de pagamento combinada com o proprietário, os honorários podem ser pagos com a própria safra”, destaca o consultor.

Junior produz banana da terra, pimentão, quiabo e pepino japonês e está iniciando cultivo protegido de tomate cereja e pimentão colorido. O pagamento pela utilização do espaço é mensal.

O também engenheiro agrônomo e consultor nas áreas ambiental e crédito rural Bruno Sossai (37) concorda com Delpupo que arrendar é bom negócio e aponta ainda outras vantagens. Segundo ele, para o arrendador é solução na falta de sucessores e para o arrendatário, pelo elevado custo de terras no Estado.

A vantagem no primeiro caso é que muitos proprietários não possuem sucessores no campo devido ao êxodo rural, tanto da parte dos herdeiros quanto dos trabalhadores rurais, cada vez mais escassos no meio rural”, destaca Sossai.

 

Estatuto da Terra

Para quem está em busca de local para arrendar, assim com o casal lá do início da matéria, é preciso ficar atento. De acordo com Gilberto Álvares Santos, advogado especialista em direito econômico, a prática é legalizada pelo chamado “Estatuto da Terra”, que traz os direitos e deveres das partes envolvidas. Mas é preciso atenção também a outros pontos importantes.

O primeiro e mais relevante passo, segundo o advogado, é fazer um contrato para evitar problemas futuros. “Faça um contrato sempre, não deixe apenas combinado verbalmente. Além do contrato trazer clareza para o negócio e as normas comuns à lei, pode conter também outras questões de acordo com o desejo das partes e a realidade de cada terreno. É importante deixar claro o tipo de exploração, fazer uma descrição completa do terreno e observações de boas práticas agrícolas, entre outros”, pontua.

Ainda conforme o advogado, caso não seja feito o contrato e ocorra alguma divergência entre arrendador e arrendatário, o impasse será resolvido baseado apenas em leis que tratam do assunto e o Estatuto da Terra, e não levará em conta o que foi combinado “de boca”.

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