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*Matéria publicada originalmente em 29/10/2021
O resultado de testes inéditos de dupla poda – ou ciclo/poda invertido (a)- com uvas finas promete elevar o status da vitivinicultura capixaba. Em duas vinícolas nas montanhas do Espírito Santo, duas variedades da fruta tiveram excelentes resultados na primeira safra de inverno utilizando a técnica no Estado. Os próximos passos vão depender de futuras pesquisas, mas uma coisa é certa: o nosso “terroir” é ideal para produção de vinhos com maior valor agregado.
A avaliação é do enólogo gaúcho Alexandre Chaves. Ele passou 40 dias na região serrana do Estado, acompanhando a produção de uvas Merlot, Cabernet Sauvignon, Shiraz ou Syrah e Sauvignon Blanc em um sítio de Domingos Martins. A primeira safra foi de aproximadamente duas toneladas. E, com exceção da primeira variedade, todas as outras se mostraram produtivas com a inversão do ciclo.
Esse tipo de viticultura começou nos anos 2000 em outras regiões do país de clima subtropical de altitude e tropical de altitude, acima dos 1.000 m em relação ao nível do mar, onde tradicionalmente é realizado o plantio de café. Os produtores fazem duas podas da videira por ano, sendo uma de formação e outra de produção, com apenas uma colheita anual no inverno, o período mais seco do ano.
“Achei muito interessante a combinação da altitude e a distância aproximada de sessenta quilômetros da costa. Isso faz com que os cultivos recebam influência diferente da brisa oceânica, dissipando mais a umidade”, analisa Chaves, que atuou por 11 anos na vinícola Casa Valduga, em Bento Gonçalves (RS), uma das mais tradicionais e reconhecidas do Brasil.
Os testes foram realizados na Vinícola Carrereth, do viticultor Rodolpho Carrereth. O enólogo observou um solo pobre em nutrientes, mas que pode facilmente ser corrigido. O vinhedo instalado em plano bastante inclinado, a 1.080m de altitude, também garante insolação sob medida.
Além disso, com o ciclo invertido, o produtor consegue deslocar a fase de maturação, podendo adiar a colheita até atingir um grau maior e, por consequência, obter mais uvas de qualidade. “Com o inverno bastante seco e de boa amplitude térmica, podemos adiar a colheita para atingir grau superior de maturação. Também não verificamos problema algum de sanidade na produção”.
A amplitude térmica consiste na diferença entre as temperaturas máxima e mínima observada em um determinado local durante um período de tempo. De acordo com Chaves, em um único dia em Domingos Martins a temperatura variou entre 12ºC e 25ºC.

Preparação para primeiro envase
Rodolpho Carrereth e os filhos começaram os cultivos de uvas finas em 2016. Somando as quatro variedades, são ao todo seis mil pés em produção. Paralelamente à primeira safra no inverno deste ano, os viticultores iniciaram a montagem dos tanques e do galpão para produção de vinho, ainda sem previsão de início.
Segundo Rodolpho, os primeiros testes foram feitos junto à Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). “Fizemos duas safras lá, que foram excelentes. A uva confirmou que o fruto é apropriado para vinhos finos e demos continuidade à empreitada aqui na vinícola para novos testes”, diz.
Os cultivos das variedades Cabernet Sauvignon e Merlot ocupam pequenas áreas da propriedade. No caso dessa última, a baixa produtividade com a poda invertida talvez requeira enxertia de outra variedade no próximo ano, avalia o enólogo Alexandre Chaves.
Por ser novidade em solo capixaba, a produção de vinhos a partir de uvas finas de ciclo invertido vai exigir ainda mais estudos. De acordo com Chaves, a tendência é da produção de vinhos decantados em tanques, aproveitando a temperatura típica regional. “É menos agressivo. O Rodolpho vai adquirir barris importados para maturar ou deve deixar mesmo nos tanques”.
A única certeza é de que a safra de 2021 da Carrereth será a primeira a entrar no mercado. A previsão é do engarrafamento do vinho até maio do próximo ano, com envelhecimento entre um ano e meio e dois anos. “A gente descarta a possibilidade de safra em fevereiro, época chuvosa, pois seria arriscado em termos de qualidade”, afirma o enólogo.
Vocação para “vinhos de guarda”
Embora seja necessário aprofundar as pesquisas nas próximas safras, a leitura do especialista é que a vocação das montanhas do Espírito Santo é para “vinhos de guarda”, ou seja, o tempo recomendado em que a bebida poderá ficar guardada no seu estado original até o momento do consumo. Os “vinhos de guarda” representam apenas 10% dos rótulos disponíveis hoje no mercado, em contraponto aos de consumo imediato.
“Achei o perfil muito interessante, com pH mais baixo e adequado para vinhos de guarda, com envelhecimento entre dois e três anos. Produzir vinho corrente, de entrada e primeiro preço seria desperdício, pois a região serrana capixaba tem vocação para bebidas de alta gama e valor mais agregado e custos compatíveis”, destaca Chaves.
Na publicação “Vinhos no Brasil: Contrastes na Geografia e no Manejo das Videiras nas Três Viticulturas do País”, da Embrapa Uva e Vinho, os pesquisadores atestam que os chamados “vinhos de inverno” têm impulsionado o comércio nos últimos anos. São brancos e tintos tranquilos, bem como espumantes naturais, que mostram a diversidade dos “terroirs” brasileiros e dos sistemas originais e específicos de produção, com qualidades e identidades próprias.
Os territórios vitícolas do país estão ganhando visibilidade e reconhecimento. Basta verificar as Indicações Geográficas (IGs) do Sul ao Nordeste. Apesar de o Espírito Santo estar no início do processo com “vinhos de inverno”, já mostrou potencial.
“As regiões tradicionais estão mais avançadas por questão de investimentos. A maior dificuldade de projeto de vinhedo e vinícola não é questão financeira. Na minha visão, tem que ter paixão para atravessar a década de trabalho com retorno. São muitas intempéries e outros obstáculos no caminho até a realização do sonho de engarrafar o próprio vinho, o que pode levar de dez a quinze anos. Só a paixão sustenta isso”, conclui o enólogo Alexandre Chaves.

Lançamento de vinho em 2022 de olho no turismo
Outro pioneiro no Estado no cultivo de uvas finas com dupla poda é o empresário Gustavo Vervloet, sócio-proprietário da Vinícola Cave Rara, localizada na Quinta dos Manacás, em Venda Nova do Imigrante. Ele mantém 2.400 pés de Shiraz, sendo 500 mudas recém-plantadas, além de 500 pés de Sauvignon Blanc, cultivados a 1.080m de altitude.
No inverno deste ano, Vervloet colheu pouco mais de 50 quilos de Shiraz, mas como o vinhedo está planejado para um total de 3.000 plantas em 1 hectare, a expectativa é colher uma tonelada das duas variedades em 2022.
O empresário conta que o primeiro laboratório de uvas finas ocorreu em 2017 com as variedades Merlot, Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon. A ideia inicial de colher no verão não vingou, daí ele teve a ideia de testar a safra invernal com a tecnologia do ciclo invertido.
No entanto, só as cepas mais vigorosas, caso da Sauvignon Blanc e Shiraz, sobressaíram no período seco “aguentando a segunda poda”. Já as outras três variedades, na avaliação de um agrônomo que assiste a propriedade, deverão ser testadas futuramente com porta enxerto tropical para mudas de dupla poda.
“Tivemos uma colheita muito especial no inverno de Shiraz e Sauvignon Blanc, com amplitude térmica e mais horas sol. Tudo isso causa reverberação na qualidade do vinho, no potencial de guarda. Há uma riqueza de polifenóis na bebida por conta do engrossamento da casca e concentração do mosto. A ideia de direcionar a videira para o inverno mostrou terroir muito melhor”, explica o empresário.
Animado com a experiência no inverno, Vervloet anunciou o lançamento do primeiro rótulo da vinícola para fevereiro de 2002. Segundo o vitivinicultor, a ideia é “expressar mais a fruta nesta primeira edição, por isso o período de descanso antes do envase será de até seis meses. No raleio, seleciono alguns cachos para a seiva se concentrar em poucos cachos restantes na planta e aumentar o potencial da fruta. Quero entender um pouco mais o potencial da uva”, diz.
Nesta primeira safra, as uvas ficaram de 15 a 30 dias fermentando, depois passaram pela prensa, tiveram a casca retirada no líquido e foram descansar em um tanque menor. O período de maturação vai até dezembro e, em fevereiro, o primeiro vinho da Cave Rara será engarrafado.
Gustavo Vervloet quer expandir os negócios de olho no turismo regional. O empresário está estruturando a Vinícola Cave Rara e pretende receber visitantes para degustar não somente vinho, como também azeite (“através do vinho, imergi no mundo do azeite”) a serem produzidos na propriedade. A meta para daqui a três anos é produzir 2.500 garrafas por ano, uma média de uma garrafa por planta. “É o início de um sonho a ser construído nos próximos anos. A gente está muito feliz com o resultado, mas é preciso absorver conhecimento”.






