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Tem pomar no cafezal

Plantios consorciados geram ganhos produtivos e se destacam pelo bom desempenho do café em períodos de seca. As pesquisas já reconhecem as vantagens do sombreamento das espécies frutíferas nas lavouras

por Leandro Fidelis

em 07/12/2023 às 0h00

9 min de leitura

Tem pomar no cafezal

*Foto: Divulgação

*Matéria publicada originalmente em 08/09/2017

Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) podem proporcionar ganhos produtivos e ambientais nas propriedades cafeeiras do Espírito Santo. Plantios de árvores e espécies frutíferas em meio às lavouras de café registram boas experiências de diversificação de norte a sul do Estado e são tema de pesquisas que avaliam as vantagens do café sombreado.

 

Os plantios consorciados se destacam pela otimização da área e dos recursos, redução do mato na lavoura e bom desempenho do café em períodos de seca. Um dos destaques é o cultivo de café conilon com cajá em Boa Esperança, no noroeste capixaba. O consórcio entre as culturas tem gerado renda e conforto térmico para o agricultor Doriédson Thomazini.

 

A experiência do produtor começou há cinco anos quando ele buscava outra fonte de renda para a propriedade. Ele conta que plantou cajá para otimizar a área do sítio, de pequeno porte e aproveitar a oportunidade de ter uma fábrica de polpa de frutas no município, para onde poderia vender seu produto.

 

Com o café sofrendo devido às altas temperaturas na região, o sombreamento parcial foi uma opção para amenizar o impacto do sol nas lavouras. “Onde o café está sob pleno sol, os pés estão mais queimados. Já onde está sombreado com cajá, o café possui mais qualidade, as plantas estão mais verdes e preservadas ”, destaca Thomazini.

 

O agricultor conta com quatro hectares de café consorciados com a fruta. O cajá foi colocado no espaçamento de 15 metros entre linhas e 7,5m entre plantas. Sua copa foi cortada de modo que haja um bom espaço entre o teto da lavoura de café e a copa do cajazeiro. A produção do cajá foi em torno de 2.700 quilos nessa área e a renda anual de R$ 3 mil com a venda da fruta.

 

Thomazini observa o bom entrosamento entre as culturas no recebimento de luz solar. “O café é uma cultura tropical que necessita de luz e o cajá casa bem com essa planta. No inverno, quando há menor incidência de luz solar, as folhas do cajazeiro caem, permitindo passagem de luz para o café. A partir de outubro, quando começa a esquentar, as folhas de cajá rebrotam e produzem a sombra necessária no café até fevereiro. ”

 

“ONDE O CAFÉ ESTÁ SOB PLENO SOL, OS PÉS ESTÃO MAIS QUEIMADOS. JÁ ONDE ESTÁ SOMBREADO COM CAJÁ, O CAFÉ POSSUI MAIS QUALIDADE, AS PLANTAS ESTÃO MAIS VERDES E PRESERVADAS ”
(DORIÉDSON THOMAZINI- AGRICULTOR)

VANTAGENS

O consórcio de conilon com cajá não tem influenciado negativamente na produção de café, conclui o agricultor de Boa Esperança. Segundo ele, em relação à manutenção dos números da produção, ainda não há estatísticas comprovadas, mas a lavoura está “bonita ” e a produção, se mantendo.

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“Observamos essas vantagens iniciais e o Instituto Capixaba de Assistência Técnica, Pesquisa e Extensão Rural (Incaper) está fazendo uma pesquisa para analisar cientificamente a interferência entre as culturas ”, diz Doriédson Thomazini.

 

E o manejo do café continua o mesmo. “Teve redução da capina por causa do sombreado parcial e, consequentemente, menos despesa com esse serviço. As folhas do cajazeiro também contribuem para a adubação da lavoura ”, explica.

 

O pesquisador Eduardo Sales (Incaper) acompanha de perto os resultados na propriedade de Thomazini. “O trabalho com Sistemas Agroflorestais com café leva muitos anos para ter resultado. Por isso, a propriedade do Doriédson foi um achado. Mesmo com algumas incertezas, ele implantou o consórcio de café com cajá e estamos fazendo acompanhamento da colheita pela quarta vez. ”

 

COCO E CAFÉ FRESCO

Quem também colhe vantagens no consórcio entre cafezal e espécie frutífera é o agricultor Braz Marré, de Vila Pavão, no noroeste do Estado. Na sua propriedade de 10 hectares, na localidade de Córrego do Tamanduá, a 10 km do centro, 1,5 hectare são dedicados à cultura do conilon consorciado com coco. O restante da plantação está dividido entre pimenta-do-reino, pastagem e áreas de Proteção Permanente (APPs).

 

Marré, que também é técnico agrícola, faz a própria assistência agrícola da propriedade. Segundo o agricultor, nos últimos três anos a produtividade média de café foi de 80 sacas por hectare. Já os coqueiros foram plantados há três anos, num total de mais de 200 plantas. Os primeiros cortes ocorreram na primeira semana de julho e renderam de 20 a 25 frutas por pé.

 

“Eu tive a ideia de consorciar para dar sombra à lavoura de café devido à seca e a alta incidência de sol na região. Minha propriedade familiar é pequena e eu preciso potencializar minhas áreas, por isso consorciei para ter fonte de renda diferenciada. Até agora está dando certo ”, diz Marré.

 

Além de fazer a poda programada de ciclo no cafezal e aplicar métodos de conservação de solo e água, caixas secas, entre outras medidas, o agricultor dispensou o uso de defensivos químicos nas duas culturas. Ele optou por um manejo integrado de pragas e doenças com a utilização de óleos de andiroba e neem, caldas naturais e biofertilizantes. “A vantagem é consumir um fruto de qualidade dentro de casa, além de comercializá-lo. No caso do café, verifiquei rendimento de peso do grão sombreado em relação ao exposto no sol. Rende mais na pilagem. ”

COMPETIÇÃO ENTRE ESPÉCIES COMPENSADA COM GANHOS ECONÔMICOS E AMBIENTAIS

Resultados preliminares de uma pesquisa do Incaper apontam que existe competição entre as espécies nos Sistemas Agroflorestais (SAFs) com o cafeeiro. No entanto, ela é compensada pelos ganhos econômicos e ambientais nas propriedades, analisa o pesquisador Eduardo Sales (Incaper), que avalia o consórcio de árvores com café conilon na parte norte do Estado.

 

“Quando qualquer espécie é plantada juntamente com café ocorre uma pequena diminuição da produção mas, por outro lado, existem outros ganhos, seja com a renda de frutos ou com o material podado que vira matéria orgânica para reciclar nutrientes, imitando a floresta ”, explica Sales.

 

Outra vantagem é o conforto térmico advindo dos SAFs. “O agricultor ter a possibilidade de trabalhar na sombra é um outro sistema de produção que, em termos de conforto térmico para a planta e para o agricultor, é muito mais favorável. ”

 

E se, historicamente, a cafeicultura foi implantada com a derrubada e queima da mata, os Sistemas Agroflorestais podem mudar essa realidade. “A cafeicultura, que foi uma das responsáveis por destruir a Mata Atlântica, pode agora recuperá-la a partir de sistemas mais harmônicos tanto para o meio ambiente quanto para o agricultor ”, defende o pesquisador.

 

Na busca por técnicas e espécies mais compatíveis com o cafeeiro e que tragam fonte de renda e/ou serviços ambientais compensadores para o agricultor trabalhar dessa forma, o Incaper estuda o cedro australiano, a teca e o jequitibá. Das três espécies, o cedro foi o que competiu mais. “A teca medianamente e o jequitibá, árvore símbolo do Espírito Santo, para nossa satisfação competiu menos com o conilon. ”

 

ESTUDOS AVANÇAM EM UNIDADES DE OBSERVAÇÃO

O Incaper também avalia as vantagens do café sombreado em Unidades de Observação (UO). O pesquisador João Araújo é o responsável pelo projeto para acompanhar a produção de conilon cultivado em Sistemas Agroflorestais (SAFs). Os experimentos ocorrem na Fazenda Experimental de Bananal do Norte, em Pacotuba (Cachoeiro de Itapemirim), no sul do Estado; e outro na Fazenda Experimental Engenheiro Reginaldo Conde, em Jucuruaba (Viana), na Grande Vitória.

 

Dentre as vantagens analisadas, estão maior produtividade por área no consórcio que no “cultivo solteiro ”, redução de 20% a 40% de mato em relação ao café em pleno sol e bom desempenho do café em sistemas consorciados nos períodos de seca. Além disso, houve otimização do espaço, da irrigação, da adubação, da mão-de-obra e do conforto térmico para o agricultor.

 

Em Pacotuba, foram feitas quatro associações de café com ingá, bananeira, glicirídia e pupunha, em quatro talhões; enquanto em Jucuruaba, o consórcio ocorre com banana e espécies nativas. A pesquisa busca fazer uma análise fitotécnica, aferindo, por exemplo, a quantidade de café, banana e pupunha produzidos e a ciclagem de nutrientes. Até agora, verificou-se que a bananeira produziu de 5% a 10% menos que o café solteiro, mas a renda obtida com a produção compensa.

 

“Cada uma das espécies consorciadas com o café possuem finalidades diferentes. A principal finalidade do angá e da glicirídia é a produção e ciclagem de matéria orgânica. Tratam-se de plantas fixadoras de nitrogênio, que trazem economia no fornecimento desse adubo. Já o consórcio com a bananeira e com a pupunha foi feito por se tratarem de duas culturas comerciais, que na soma com o café, podem gerar renda ”, destaca Araújo.

 

As observações dos agricultores durante a pesquisa também será fundamental na avaliação dos sistemas. “Esse processo permite constante troca de informações entre agricultores, extensionistas e pesquisadores, criando um fluxo contínuo e produtivo com maior possibilidade de acertos para todos ”, avalia Araújo.

 

No consórcio com árvores, espera-se produzir madeira nobre a longo prazo, mas de acordo com o pesquisador, ainda é cedo para falar dos resultados. “É sempre bom lembrar que se trabalha na agricultura com adubos minerais que são recursos não-renováveis. Nesse contexto, os sistemas agroflorestais são mais conservadores de nutrientes e o conjunto usa melhor o adubo. O mesmo vale para a água, que é um recurso renovável, porém escasso. Nos SAFs, haverá menor perda e melhor uso pelas culturas associadas. ”

 

Hoje, o Espírito Santo concentra várias iniciativas de pesquisa em SAFs, com programas de difusão e extensão nos últimos 30 anos. “Muitos agricultores apostaram nesse tipo de associação. O importante é que haja interação dessas ações em todos os setores ”, destaca João Araújo.

 

O pesquisador cita como caso de sucesso o abacate na região serrana do Estado, onde os consórcios com café arábica começaram por volta de 1987, com apoio do Incaper. Junto com o pai e o irmão, o produtor Jean Peterle, de Venda Nova do Imigrante, cultiva abacate e café desde essa época na localidade de Alto Bananeiras, na zona rural do município.

 

Peterle aponta como a principal vantagem a possibilidade de gerar renda no momento em que uma das culturas sofre baixa de preço. “O abacate em baixa, o café segura a onda da propriedade e vice-versa. Por isso diversificar é importante ”, diz o agricultor.

 

*Com informações do Incaper

 

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