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Pesquisa

Árvore da Mata Atlântica ajuda a combater doenças

A Bicuíba ou Bocuva, cujo nome científico é Virola Oleifera, se tornou a queridinha de pesquisadores capixabas devido ao seu poder terapêutico. A mais recente pesquisa revela seu potencial para combater o colesterol alto

por Redação Conexão Safra

em 14/06/2017 às 0h00

6 min de leitura

Árvore da Mata Atlântica ajuda a combater doenças

Fotos:
Leandro Fidelis

*Leandro Fidelis

Uma planta encontrada no Estado voltou a surpreender a comunidade acadêmica. Depois da prevenção de lesões causadas pela substância conhecida como “contraste ”
em diagnósticos por imagem e no tratamento de úlceras, a resina da Bicuíba agora mostra seu poder no combate às placas de gordura nos vasos sanguíneos. A pesquisa recente acaba de ser publicada na revista científica internacional “Journal of Ethnopharmacology ”, em artigo da mestranda Paola Coutinho.


Conhecida pelo uso popular na cicatrização de feridas em cavalos, o líquido vermelho extraído da Bicuíba ou Bocuva (Virola oleífera) vem sendo estudada há cerca de cinco anos por uma equipe de alunos e professores da Universidade Vila Velha (UVV) e pesquisadores do Instituto Federal (Ifes) e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), dos cursos de Farmácia, Medicina e Biotecnologia. A espécie é comum na Mata Atlântica, com maior incidência no município de Afonso Cláudio, na região serrana, onde muitos exemplares foram devastados por madeireiros no passado.


Nos últimos dois anos, as pesquisas com o “Sangue da Bicuíba ”- como também é chamada a resina-, buscaram comprovar o poder da planta na redução da gordura nos vasos sanguíneos. De acordo com o professor Thiago de Melo Costa Pereira, que integra o Laboratório de Fisiologia e Farmacologia Translacional da UVV, a Virola reduziu em 50% as placas encontradas em camundongos modificados geneticamente com colesterol alto, que receberam doses diárias da resina diluída.


O professor afirma que o resultado positivo pode favorecer a medicina no tratamento de doenças como hipertensão e aterosclerose (obstrução dos vasos sanguíneos), uma vez que os remédios disponíveis no mercado atualmente tentam apenas controlar o colesterol. Ainda não foram feitos testes com humanos. “A Virola pode ser uma boa aliada aos tratamentos convencionais que já existem para controle do colesterol. A resina pode ser diluída em líquido ou na forma de pó para misturar ao alimento e virar um nutracêutico. Isso vai depender de futuras parcerias com a indústria farmacêutica ”, destaca Pereira.


Os estudos sobre as propriedades terapêuticas do “Sangue da Bicuíba ” avançam no laboratório. Segundo o professor Thiago Pereira, a equipe vai expandir as pesquisas para as áreas da pancreatite e do Acidente Vascular Cerebral (AVC). No entanto, o pesquisador destaca a necessidade de parcerias com instituições públicas e privadas para os resultados chegarem até a população.


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“Nós enxergamos um problema, encontramos a solução em laboratório, mas falta a contrapartida dos investidores. Na maioria dos casos, o que acontece é o interesse da indústria estrangeira pelos projetos, o que nos obriga futuramente a importar um produto nascido no Brasil ”, avalia o pesquisador.


Efeito oxidante

O olhar atento do então estudante de farmácia Fábio Côco, natural de Rio da Cobra, na zona rural de Afonso Cláudio, à tradição dos familiares em usar o “sangue da bicuíba ” foi o pontapé inicial para as pesquisas com a Virola Oleifera.


“Eu sempre gostei muito de plantas. E ao fim da graduação, meu trabalho de conclusão de curso focou no conhecimento popular da Bicuíba. O documento acabou servindo de base para estudos posteriores de alunos de mestrado, que atestaram as propriedades farmacológicas da planta ”, conta Côco.


Nas primeiras pesquisas, há cinco anos, o efeito oxidante da resina na proteção dos rins antes do uso do contraste em diagnósticos por imagem foi a primeira propriedade terapêutica identificada na planta. A ideia é aplicar a resina da planta nos pacientes dias antes de submetê-lo ao contraste em exames como tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e raios X.


O contraste é um produto líquido aplicado na veia do paciente. No caso dos iodados, é injetado por via oral ou retal e, ocasionalmente, provoca efeitos colaterais nos pacientes, principalmente insuficiência renal. Em casos raros, pode até levar à morte. “Para nossa surpresa, o tratamento com o Sangue da Bicuíba foi superior ao convencional, que faz uso do bicabornato de sódio e outras substâncias ”, destaca o professor Thiago Melo.


Fotos:
Leandro Fidelis

O homem que extrai o sangue da bicuíba

A propriedade de Delvo Moreira Betiato, de 82 anos, na localidade de Barra do Firme, a 8 km do centro de Afonso Cláudio, sempre foi a referência dos moradores atrás do “sangue da bicuíba ”.


Seu Delvo conta que nunca deu importância ao poder cicatrizante atribuído ao líquido, porém sempre se dispôs a entrar na mata com um potinho de alumínio para colher a seiva. “Isso era uma tradição dos moradores mais antigos, mas ainda hoje tem gente interessada ”, diz.


Segundo o agricultor, antes das chuvas uma bicuíba do pasto da fazenda soltou uma quantidade surpreendente de resina, a ponto de deixar a pastagem ao redor num vermelho intenso. “Parecia que tinha sangrado, nunca tinha visto algo parecido. Acho que foi por causa da seca. ”


Resina também combate doenças crônicas

O combate de praticamente todas as doenças crônicas da atualidade também tem a Virola Oleifera como importante aliada. Há quase seis anos, a professora Denise Coutinho começou a investigar as propriedades químicas da resina da árvore, entre elas substâncias que combatem os radicais livres.


De acordo com a pesquisadora, a espécie foi selecionada a partir de um levantamento etnobotânico, que estuda as aplicações e o usos tradicionais dos vegetais pelo homem. Um dos primeiros testes foi com os radicais livres in vitro. “Somados aos relatos do uso popular, os produtos antioxidantes têm maior chance de serem ativos ”, destacou.


O procedimento in vitro é comum no estudo de doenças provocadas por estresse oxidativo, a exemplo do câncer, diabetes, hipertensão, Mal de Parkinson, Alzheimer e doenças autoimunes. “São doenças dependentes da produção excessiva de radicais livres ”, diz Denise.


Thiago Pereira – Foto: Divulgação

Renda extra com plantio

&Agrave, medida que avançam, os estudos acerca da Virola Oleifera podem gerar renda futuramente para os agricultores de Afonso Cláudio e outros municípios cobertos pela Mata Atlântica. A expectativa dos estudiosos é que a microrregião pesquisada e outras vizinhas contribuam com matéria-prima para a indústria farmacêutica.


De acordo com o professor Thiago Pereira, se a resina apresentar resultados interessantes em humanos, a possibilidade de renda extra para os agricultores será semelhante ao que acontece com o Pinus em outras regiões do país. “Temos o caso da Natura, que usa o fruto da Virola encontrada na Amazônia para produção de cosméticos ”, afirma.


A professora Denise Coutinho destaca que, para que ocorram mudanças na região, é preciso também fomentar a silvicultura da Virola de modo a evitar o extrativismo predatório. “Toda a cadeia produtiva deve trabalhar junto conosco ”, diz Denise.


Segundo os pesquisadores, existem outras plantas promissoras na região serrana. “O nosso Estado tem um potencial enorme para produtos naturais. Certamente, novas descobertas acontecerão ”, finaliza Thiago.

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